Saúde Mental

"Ó doutor, eu não estou bem. Não tem um medicamento para mim?"

A SIC Notícias falou com o psicoterapeuta Pedro Brás sobre o consumo de antidepressivos e ansiolíticos em Portugal. As diferenças entre depressão e ansiedade. Os ataques de pânico. A psicoterapia. E a importância da saúde mental nas nossas vidas.

"Ó doutor, eu não estou bem. Não tem um medicamento para mim?"
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A depressão é a doença mental que mais afeta os portugueses. Todos os anos são vendidos milhões de embalagens de antidepressivos e ansiolíticos em Portugal. E com a pandemia, o consumo destes fármacos aumentou. Os jovens são quem mais refere ter começado a tomar ansiolíticos e antidepressivos durante os últimos meses.

Dois tipos de perturbações

O que é a depressão e a ansiedade, quais os tratamentos que existem e o que deve ser feito para ajudar as pessoas que sofrem destas patologias?

O psicoterapeuta Pedro Brás começa por sublinhar a importância da sociedade saber distinguir as perturbações mentais e perceber que existem dois tipos: as perturbações do sistema neurológico, como por exemplo a esquizofrenia e o transtorno bipolar; e as perturbações do sistema emocional, como a depressão, a ansiedade e os transtornos obsessivos.

Depressão e ansiedade: as diferenças

A depressão e a ansiedade aparecem em momentos da vida em que as pessoas não estão a conseguir gerir as suas emoções da melhor forma.

"As depressões são estados de tristeza em que as pessoas ficam com pouca energia, com muito desânimo. As ansiedades são estados de medo em que as pessoas ficam muito atentas, muito focadas e sempre em alerta", explica o psicoterapeuta à SIC Notícias.

Se está a ler este texto e a pensar: "Posso ter uma depressão? Posso ter ansiedade?", a resposta é sim. Qualquer pessoa pode ter uma destas perturbações. Não são doenças que atacam um grupo etário específico, ou pessoas com outras patologias existentes.

Mas também é importante referir que, com o devido acompanhamento médico especializado, estes problemas podem ser tratados.

Depressão: o luto

Para explicar de que forma a depressão pode aparecer na vida de uma pessoa, Pedro Brás dá o exemplo do luto. Em algum momento das nossas vidas, deparar-nos-emos com a perda de alguém querido, quer seja um familiar ou um amigo. E quando isso acontece, é normal que fiquemos mais tristes e mais desanimados.

"O luto é um processo pelo qual nós vamos, no tempo que quisermos ou pudermos, gerindo as emoções até ao momento em que nos sentimos bem. É um processo que pode durar um, dois meses, em que vamos falando com amigos e com as pessoas que mais gostamos e dessa forma vamos ultrapassando a tristeza", afirmou.

No entanto, há pessoas que não conseguem ultrapassar a perda e ficam presas no luto, o chamado luto patológico. E quando isso acontece, "é como se as pessoas vivessem todos os dias como se fosse o primeiro dia da perda", explica. Muitas destas pessoas acabam por ter depressão.

O psicoterapeuta reforça que: "quem não consegue fazer o luto não são as pessoas mais fracas, são as pessoas que mais sofrem com a perda".

Ansiedade: o medo de falhar

Todas as pessoas têm ansiedade ou passam por momentos em que se sentem mais ansiosos. Acontece, por exemplo, quando têm de encarar um medo ou quando estão sob pressão. Pedro Brás diz que o maior espetro da ansiedade é a ansiedade do desempenho.

Nos dias de hoje, quer estejamos numa escola ou numa empresa, vemos que existe muita competitividade entre colegas. As pessoas querem fazer mais, fazer melhor, superar expetativas. E têm medo de falhar. O psicoterapeuta diz até que, em muitos casos, o medo de falhar é tão grande e tão intenso que chega a "perturbar o bem-estar dessa pessoa".

"Em termos gerais, quando as pessoas têm medo de falhar, é porque aprenderam que falhar era mau. Que falhar era errado e que se falhassem iam sentir muita dor. Estas crenças que as pessoas adquiriram ao longo da vida faz com que sejam muito ansiosas e com medos excessivos".

Porque é que as pessoas pensam que falhar é muito mau e vai causar muita dor? Pedro Brás responde. Neste caso, tem a ver com a relação entre pais e filhos. Explica que a pressão exercida pelos pais e comentários como: "Tu não podes falhar"; "Tu és um burro"; "Não sabes nada"; "O teu colega é melhor que tu"; fazem com que, no futuro, os filhos se tornem em adultos ansiosos, sempre com medo de serem julgados ou criticados.

"É a nossa formação, é a forma como pensamos, que depois mais tarde vai gerir e gerar os estados em que vamos entrar", conclui.

O que é um ataque de pânico?

Antes de falar dos ataques de pânico, o psicoterapeuta começa por dizer que dentro do chapéu da ansiedade, há dois tipos: a ansiedade relativa às experiências de vida e os distúrbios psicológicos.

Pedro Brás sublinha que os ataques de pânico em nada estão relacionados com experiências que as pessoas vão tendo ao longo da vida. E clarifica: "Um ataque de pânico é um distúrbio psicológico em que, num dia só, há uma distorção mental da emoção medo, num só momento, e isso origina grandes problemas comportamentais. Um distúrbio psicológico é algo que não é normal acontecer".

► O que sentimos quando estamos a ter um ataque de pânico

Um ataque de pânico é "um momento em que sentimos um excesso enorme de ansiedade, é um estado de ansiedade tão grande, é uma energia tão grande no nosso corpo, que todas as pessoas acreditam que vão morrer".

O psicoterapeuta diz que quando as pessoas estão a ter um ataque de pânico, o coração bate muito, começam a ter tonturas, começam a ter dificuldades em respirar e em ver e, por causa do que estão a sentir, todas acreditam que vão morrer.

► Onde e quando pode acontecer?

Para o psicoterapeuta, os ataques de pânicos devem-se a uma descarga de adrenalina, a hormona que provoca ansiedade e que prepara o nosso corpo para fugirmos, para estarmos atentos e focados. Esclarece que, em termos físicos, não há problema porque o corpo humano está habituado à adrenalina, mas o problema que existe é a "nossa perceção do que está a acontecer".

Os ataques de pânico podem acontecer em qualquer lado, em qualquer altura e a qualquer pessoa. E algumas vezes acontecem sem qualquer razão.

"O distúrbio psicológico dos ataques de pânico surge quando nós sentimos tanta ansiedade que começamos a ter medo dela. E quando começamos a ter medo da ansiedade, começamos a gerar ansiedade em ciclos. Ansiedade gera mais ansiedade e entramos numa espiral até sentirmos outra vez um ataque de pânico".

► Como ajudar alguém que está a ter um ataque de pânico

Pedro Brás aconselha a que se ligue sempre para o 112. Diz que, por não se saber o que está a acontecer no momento com a pessoa, o mais indicado é recorrer ao número de emergência médica. Uma vez que os sintomas são batimento cardíaco acelerado, dificuldades respiratórias, tonturas, dor no peito, não é possível assumir que aquela pessoa está a ter um ataque de pânico, pode ser algo diferente.

Dos ataques de pânico aos TOC

É apenas um passo, em muitos casos.

Há pessoas que não saem de casa. Pessoas que têm medo de tocar noutras pessoas. Há pessoas que estão sempre a verificar se as portas estão fechadas. Há pessoas que têm medo de pensar em determinadas coisas. Há pessoas que têm medo de apanhar doenças. No mundo, há pessoas que vivem num sentimento constante de ansiedade.

De acordo com Pedro Brás, em 80% dos casos de pessoas com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) que recebe na clínica, resultam dos ataques de pânico.

O exemplo mais comum de um TOC é aquela pessoa que está constantemente a verificar se as portas estão fechadas. Há pessoas que fecham a porta do carro e depois questionam-se se de facto trancaram a porta. Isto pode acontecer a qualquer um de nós. O problema é quando a pessoa fecha a porta, tranca, verifica que está trancada e mesmo assim duvida. Pedro Brás explica que, se neste momento a pessoa tiver um ataque de pânico, vai acreditar que é a ideia de ter de ter sempre certeza de tudo que vai provocar no futuro outros ataques de pânico.

"Se a minha mente acredita que se eu não souber alguma coisa ou se eu não tiver a certeza, vou entrar em pânico, ou entro num estado de morte, a partir daquele momento há uma necessidade inconsciente de eu ter a certeza de tudo", conclui.

"Ó doutor, eu não consigo trabalhar, não estou bem. Não tem um medicamento para mim?"

Pedro Brás explica que, muitas vezes, a depressão e outras perturbações emocionais têm um impacto tão forte nas pessoas que elas deixam de conseguir trabalhar e são forçadas a meter baixa. Quando chegam ao consultório, a pergunta que fazem é: "Não tem nenhum medicamento para mim, doutor?". E os médicos têm sempre medicação.

"Nas perturbações emocionais, infelizmente os medicamentos são sempre a primeira linha", lamenta o psicoterapeuta.

Pedro Brás considera que a abordagem dos médicos devia ser a seguinte: "Olhe, temos aqui alguma medicação mas atenção que isto é droga. Procure por favor ajuda noutras alternativas".

Ainda assim, assume que, sem o apoio do Estado, os médicos não podem simplesmente dizer aos pacientes para procurarem ajuda numa clínica privada porque a maioria não consegue suportar essa despesa extra.

"Estamos todos a mascarar o problema"

"Há aqui uma tendência para os médicos darem os calmantes para acalmarem as pessoas, não trabalhando as causas e não trabalhando as razões que levam as pessoas a estarem naqueles estados psicológicos", critica.

Em Portugal vendem-se milhões de caixas de medicação de ansiolíticos e antidepressivos por ano e a evolução é diária. "Estamos todos a mascarar o problema", considera Pedro Brás. Por isso, diz que costuma dizer às pessoas que, em vez de tomarem medicamentos para dormir, deviam resolver o problema que lhes tira o sono.

"Ninguém quer saber do problema que faz com que a pessoa tenha insónias e todos damos ansiolíticos para que durma. E isso faz com que as pessoas até minimizem os seus problemas verdadeiros", lamenta.

A psicoterapia "é como se fosse uma cirurgia emocional"

Pedro Brás considera que um dos tratamentos que ajuda as pessoas a gerir os seus problemas e conflitos psicológicos e emocionais é a psicoterapia.

"A psicoterapia é como se fosse uma cirurgia emocional onde um psicoterapeuta vai entender o porquê daquele medo, de onde é que surgiu, e vai ajudar as pessoas a ultrapassarem essa experiência negativa que aconteceu no passado, mas que ainda hoje as afeta", começa por afirmar.

Nas sessões de psicoterapia são feitos exercícios psicológicos que ajudam a desconstruir e desbloquear as emoções negativas. O psicoterapeuta explica que o processo pode ser longo, mas é eficaz na medida em que ajuda as pessoas a superarem aquilo que psicologicamente não estão a conseguir superar.

"A saúde mental é tão importante como ir ao dentista"

Pedro Brás alerta as pessoas para a importância da saúde mental e para não terem medo de falar sobre o tema. Aconselha que todos façam uma reflexão e pensem: "Será que eu estou bem?".

O psicoterapeuta sublinha que o ideal seria a sociedade portuguesa ter noção de que "a saúde mental é tão importante como ir ao dentista". Reforça que todas as pessoas deviam consultar um psicólogo pelo menos uma vez por ano para conversarem, perceberem se estão bem, da mesma forma que "não nos doem os dentes, mas vamos ao dentista só para ver se está tudo bem e se não há nenhuma cárie".

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