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A história da maçã podre: o dia em que Salazar foi capa da revista Time

Há 77 anos, a revista Time lançou uma reportagem provocatória, que retratava Salazar ao lado de uma maçã aparentemente fresca, mas podre por dentro. Sob o título "Portugal de Salazar: O Decano dos Ditadores", a reportagem expôs as contradições entre a imagem de sucesso propagada pelo regime e a dura realidade do povo português.

Time publica reportagem sobre Salazar e o Estado Novo a 22 de julho de 1946.
Time publica reportagem sobre Salazar e o Estado Novo a 22 de julho de 1946.

A 22 de julho de 1946, a edição semanal da prestigiosa revista Time trouxe à luz uma reportagem sobre Salazar e o Estado Novo. Na capa, lia-se: "Portugal de Salazar: O Decano dos Ditadores".

Porém, o título não era o único destaque: a imagem que acompanhava o texto retratava o ditador português ao lado de uma maçã aparentemente reluzente por fora, mas podre por dentro. A reportagem foi escrita pelo então correspondente da Time em Lisboa, Piero Saporiti, em colaboração com o editor da revista, Percy Knauth.

"Depois de 20 anos de Salazar, o decano dos ditadores da Europa, Portugal era uma terra melancólica de pessoas empobrecidas, confusas e assustadas", escreveu Saporiti.

Num contexto de pós-II Guerra Mundial e enquanto Salazar anunciava a prosperidade económica portuguesa, a reportagem dava conta das feridas ocultas. Os preços dos alimentos vinham a disparar desde 1939 e as cidades continuavam sem infraestruturas básicas, como eletricidade e água canalizada.

"As vitrinas de Portugal estavam cheias de bens de luxo inacessíveis na maior parte da Europa. A sua unidade monetária, o escudo, manteve-se estável em quatro cêntimos. Por trás deste exterior brilhante de sucesso, a decadência corrói Portugal. O Mago Financeiro Salazar não equilibrou os orçamentos das famílias portuguesas. Os preços dos alimentos quase duplicaram desde 1939."

E continuava:

"A poucos quarteirões do grandioso e imaculado Rossio, o equivalente lisboeta da Times Square, os bairros de lata da Cidade Velha não têm eletricidade, água canalizada ou esgotos", revelava o jornalista.

A reportagem não poupou também críticas à precariedade na educação e à censura, apontando que os portugueses eram mantidos na ignorância de algumas das notícias mundiais mais importantes. Piero Saporiti deu ainda conta da elevada incidência de tuberculose, de doenças contagiosas e da "elevada insanidade" que não conseguiam ser tratadas devido à "escassez aguda de médicos e enfermeiros".

"A taxa de alfabetização de Portugal é de 50%, uma das mais baixas dos países ocidentais – oficialmente. Mas como aqueles que mal conseguem assinar os seus nomes são considerados alfabetizados, o número real é muito menor. Apesar das repetidas promessas, Salazar, ele próprio professor, conseguiu pouca ou nenhuma melhoria na educação portuguesa. Poucas escolas foram construídas – mas Salazar esbanja dinheiro na preservação de monumentos públicos", reportava.

Num artigo científico publicado em 2018, Vasco Ribeiro, investigador da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, escrevia que a imagem internacional de Portugal no pós-guerra tinha ficado colada à derrota nazi, que se agravou "pelo inusitado episódio do luto nacional pela morte de Hitler e pela consequente repercussão no exterior", especialmente no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Esta reportagem da Time confirma isso mesmo. Aos olhos do jornalista italiano, os 8 milhões de portugueses não tinham herdado "o espírito corajoso" do Infante D. Henrique ou de Vasco da Gama.

"Empurrados para os remansos da história, os portugueses arrendaram silenciosamente uma das terras mais belas, a longa costa atlântica, as colinas castanho-púrpura, os altos pinheiros e os jardins de rosas, cravos e buganvílias que cuidam com rara habilidade. Mas nunca foram senhores desta terra e Salazar parece pensar que nunca o serão", escrevia.

Portugal estava numa posição visivelmente enfraquecida ao nível da política externa. Aliás, foi nesse ano, em 1946, que foi impedida a entrada de Portugal para as Nações Unidas por se tratar de um regime fascista similar a Espanha. O desejo do governo português foi chumbado pela União Soviética, a Polónia e o México.

O destino da edição da Time de 22 de julho de 1946 não surpreende ninguém. A revista foi retirada de circulação e a venda foi proibida durante os seis anos seguintes. Piero Saporiti acabou por sair de Portugal e ir para França.

Em 1951, tal como refere Vasco Ribeiro no estudo, Salazar sentiu a necessidade de melhorar a imagem do regime e contratou uma empresa de relações públicas norte-americana, com sede em Nova Iorque.

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