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António Simões: “O Benfica é o clube mais português de Portugal, é o oito ou o oitenta, a euforia ou a depressão” 

Pôs-se em perigo durante o Estado Novo e chegou mesmo a ser avisado pela PIDE. Sobre Salazar garante que não gostava de futebol e até confundiu o Eusébio com o Coluna. Uma conversa com António Simões, um dos grandes nomes do Benfica e do futebol português, que não deixa de fora Ronaldo, Messi, Eusébio, Roger Schmidt e Rui Costa.

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António Simões conquistou uma Taça dos Campeões Europeus (atual Liga dos Campeões) ao lado de Eusébio, na época 1961/62, e fez parte da seleção que atingiu as meias-finais do Mundial de 1966, em Inglaterra.

“Salazar nunca gostou de futebol, nem sabia o nome dos jogadores, até confundiu o Eusébio com o Coluna”

Boa parte da carreira em Portugal aconteceu durante o Estado Novo. Diz que António Oliveira Salazar nunca gostou de futebol, nem sequer era adepto, e que a ditadura apenas usou os sucessos desportivos para tentar limpar a má imagem internacional do país.

“Os jogadores nunca quiseram servir o regime, mas o regime serviu-se de nós e do nosso sucesso. Visitei 84 países. Em muitos deles, Portugal era um país ostracizado por causa da Guerra Colonial. O 25 de Abril foi fundamental para a democracia e liberdade, mas a parte mais importante foi o fim de uma guerra que estava a mutilar uma geração num confronto patético e estúpido.”

No meio da ditadura e da ausência de direitos, Simões lutou pela criação do Sindicato dos Jogadores mesmo com a permanente ameaça do Estado Novo: “Coloquei-me em perigo, fui avisado pela PIDE quando disse que os jogadores não tinham quaisquer direitos, mas fazia tudo outra vez.”

O antigo jogador desmonta também o mito de que Eusébio foi tornado “património nacional” por Salazar para que não saísse de Portugal quando teve uma proposta do Inter.

“Não houve qualquer influência do governo. O Benfica é que não quis negociar porque o presidente da época sabia que iria ter um problema com os adeptos se o Eusébio saísse. Salazar nada teve a ver com isso. Depois do Mundial de 1966, quando fomos recebidos como heróis, ele nem conhecia os jogadores. Até confundiu o Eusébio com o Coluna.”

“Ronaldo é o objetivo do jogo, Messi é a essência do jogo, Eusébio tinha as duas coisas”


António Simões ainda era júnior do Benfica quando viu Eusébio jogar pela primeira vez. “Ia ver os seniores a treinar e tive oportunidade de assistir a um treino conjunto, logo pouco tempo depois de o Eusébio ter chegado, num jogo entre reservas e titulares.”

Simões explica que Eusébio jogou nas reservas porque, nessa altura, havia um diferendo com o Sporting sobre quem é que tinha direito a ficar com ele e Eusébio ficou oito meses sem poder ser inscrito. Mesmo assim, naquele jogo, mostrou logo a sua diferença: “Marcou quatro golos a jogar pelas reservas. O Béla Guttmann [então treinador] só dizia: ‘Temos aqui um diamante’.”

Simões prefere deixar de fora a comparação com Cristiano Ronaldo devido à distância entre gerações, mas sublinha algumas diferenças.

“Eusébio nasceu atleta e tinha o dom do futebol. No habitual duelo entre Ronaldo e Messi, por exemplo, costumo dizer que Ronaldo é o objetivo do jogo, o golo, e Messi é a essência do jogo. O Ronaldo vai fazendo anos e sobe cada vez mais no terreno. Já o Messi, faz anos e vai recuando. Isto quer dizer que o Ronaldo é o goleador e Messi é o pensador. O Eusébio tinha as duas coisas."

“Benfica é o clube mais português de Portugal. É o oito ou o oitenta, a euforia ou a depressão”


“O português é um povo de oito ou oitenta. E qual o clube mais português nas suas características? É o Benfica, disso não tenho qualquer dúvida. Por isso, terá sempre mais dificuldade em lidar com o insucesso.”

Simões dá o exemplo da mudança de estado de graça de Roger Schmidt da época passada para esta: “Um treinador que fez um grande trabalho agora é considerado uma desgraça. Talvez a renovação de Rui Costa tenha sido precipitada, mas estou de fora e não sei se ele tinha um clube que pudesse levá-lo. Mas essa passagem da euforia para a depressão é uma marca muito portuguesa e mais evidente no Benfica do que nos outros clubes.”

Simões faz a comparação com o país: “Muitas vezes damos mais valor aos defeitos do que às virtudes e isso é um problema no futebol e não só.”

Em relação ao Sporting, Simões diz que, a determinada altura, os leões tiveram um erro histórico: “Quiseram ser maiores do que o Benfica em vez de serem melhores. É impossível ser maior. O Benfica está em todo o lado.”

Sobre os dragões, o antigo internacional diz que os dragões são um reflexo de Pinto da Costa: “O sucesso do FC Porto deve-se à grande figura do seu presidente, mas também é graças à cultura desenvolvida por este que o FC Porto cresceu menos do que devia em relação a tudo o que ganhou. Ficou muito preso na sua região.”


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