50 anos do 25 de Abril

Um barómetro da democracia: o 25 de Abril nos discursos dos Presidentes

Dos anos turbulentos pós-revolução à atualidade: 50 anos de discursos de Eanes, Soares, Sampaio, Cavaco e Marcelo no aniversário do 25 de Abril.

Um barómetro da democracia: o 25 de Abril nos discursos dos Presidentes

É uma tradição cumprida todos os anos: no aniversário do 25 de Abril, o Presidente em exercício dirige um discurso à nação. Uma forma de recordar a Revolução, alertar para as ameaças da democracia, diagnosticar os problemas do país e apelar à ação, sempre com uma mensagem de esperança.

Ramalho Eanes (1976-86): a geração dos sacrifícios

O primeiro a fazê-lo foi António Ramalho Eanes, no terceiro aniversário do 25 de Abril, em 1977. “Nos dois anos anteriores o povo celebrou-o exercendo os direitos reassumidos: votou – e através do seu voto ergueu as traves-mestras da nova sociedade”, afirmou o então chefe de Estado no seu discurso na Assembleia da República, disponível na Biblioteca da Presidência da República.

Vivia-se no país um período conturbado, de “desencanto”, “ansiedades e medos”, nas palavras de Eanes, marcado por “três anos de hesitações e erros”. Estavam ainda por cumprir “as promessas de uma vida melhor”, com mais fraternidade, tolerância, respeito, segurança, paz, justiça, habitação, saúde, educação, trabalho e riqueza.

Num discurso dirigido à que apelidou “geração de sacrifícios”, Eanes apelava ao esforço de todos para que os ideais de Abril não acabassem por transformar-se num “sonho traído”.

Com palavras duras, o Presidente admitiu a necessidade de uma “reavaliação” da “função do Estado” em 1978, e no ano seguinte mantinham-se os “tempos de confusão e perplexidade”, com Eanes a apelar ao “entendimento entre os partidos”.

“Os mais temíveis adversários da democracia não são os antidemocratas, mas os próprios democratas, quando se deixam prender na teia de conflitos secundários e esquecem o campo real de entendimento que melhor responderia aos interesses de Portugal.”

O apelo seria infrutífero: meses depois, em setembro de 79, o Parlamento era dissolvido pela primeira vez pelo Presidente da República.

Em 1980, a preocupação com a economia somou-se às ameaças de instabilidade política. O regresso aos “tempos difíceis” marcou todo o discurso de 1982, ano em que, concluída a “fase de transição” que culmina com a primeira revisão da Constituição, a vida política atingiu “a maturidade”, nas palavras de Ramalho Eanes.

Com uma nova dissolução da Assembleia da República, em fevereiro de 1983, Eanes decide marcar eleições legislativas para o dia da Liberdade, por isso não há discurso comemorativo do 25 de Abril nesse ano.

O aniversário do 25 de Abril de 1984 celebra “dez anos de democracia”. Eanes “resiste à tentação” de preencher o seu discurso com as conquistas positivas – “o fim do regime autoritário, a democracia renascida”, a descolonização, as mudanças sociais, a paz, a liberdade - e em vez disso escolhe ser “polémico”.

“Resisti a essa tentação ao pensar no que vai ser o 25 de Abril de 84 dos portugueses que se debatem no seu quotidiano com carências acrescidas - a atingir, por vezes o limiar de uma sobrevivência digna.”

Eanes apela à “autocrítica”: “Cabe-nos reconhecer que, por vezes, seguimos caminhos errados, que prometemos o que não sabíamos como cumprir, que nos enganámos nos diagnósticos das situações, que nos iludimos na esperança de que haveria soluções fáceis para os problemas do país.” Dez anos depois da Revolução, “a democracia entra numa fase vital e decisiva”, alerta Eanes, “porque já não há espaço para novos erros.”

Mário Soares (1986-96): Portugal na CEE, a caminho do futuro

A adesão de Portugal às Comunidades Europeias marca o último discurso de 25 de Abril de António Ramalho Eanes, em 1985, assim como o primeiro de Mário Soares, um ano depois. E nunca mais, desde aí, os discursos do dia da Liberdade se limitaram às fronteiras nacionais.

“Vencidos os estigmas do ostracismo a que estivemos sujeitos durante tantas décadas, restaurada a dignidade e o nosso prestígio externo, tendo hoje uma presença e uma voz indiscutíveis na comunidade internacional, recuperados os valores da liberdade e da tolerância, que identificam a cultura humanista e o universalismo português, sejamos, orgulhosamente, portugueses”, apelou Soares.

Seguem-se anos de construção da “República moderna”, assente “na liberdade, no desenvolvimento, na igualdade de direitos e oportunidades, na justiça social, no direito à diferença, no reconhecimento da qualidade e do mérito e na solidariedade para com os mais pobres e esquecidos”, nas palavras de Soares, em 88, à boleia de uma “hora feliz de inovação científica e tecnológica, de criação cultural e artística”.

Com pontuais notas para os principais problemas do país - como as “enormes desigualdades e significativas manchas de pobreza”, e a “grande vulnerabilidade estrutural” da economia, apontadas em 89, - os discursos de Mário Soares no 25 de Abril espelham sempre uma visão otimista do futuro, que o próprio reconhece, onde nunca faltam evocações ao “desenvolvimento” e ao “progresso”.

Num “mundo em acelerada transformação, convulso, desorientado e inseguro”, como descrito no discurso de 92, com “reflexos negativos que começam a fazer sentir-se em Portugal” (em 93), o Presidente mantém a confiança num “futuro melhor”.

“Ao medo que paralisa devemos responder com a ação que confia. Aos reflexos de isolamento e exclusão com a solidariedade — essa ternura dos povos, como alguém disse — e com generosidade. Ao autoritarismo com o aprofundamento da democracia. À arrogância com o diálogo e a humildade democrática.”

Vinte anos depois de Abril, surgem pela primeira vez, nos últimos discursos de Soares, referências a questões como “os perigos do racismo”, as preocupações com o ambiente, a “difusão instantânea da informação” e a globalização.

Jorge Sampaio (1996-2006): novos tempos, novos problemas

Jorge Sampaio mantém a visão global nos discursos de Abril e ao longo dos anos evoca os PALOP e a CPLP, Timor-Leste e o Kosovo, Afeganistão e o Iraque, a crise internacional quando o século XXI “começou mal”, as “separações e ódios” em Gaza.

“A Guerra é o que é. A Guerra é o que sempre foi. A Guerra é uma coisa horrível.”

No plano nacional, “é preciso responder com novas ideias, novos valores e novas formas de ação a novíssimas questões”, defende, no discurso de 1996, onde alerta para os perigos do “racismo, xenofobia, nacionalismo agressivo e populismo”, assim como para as ameaças da “droga e criminalidade”.

Também nesse ano surge o primeiro estrangeirismo nos discursos presidenciais de 25 de Abril: “marketing”.

Ao leme de Portugal, agora “um país moderno”, a adesão à moeda única e a EXPO são motivos de “orgulho” para Jorge Sampaio em 1998, enquanto em Abril de 2001 o quarto de século da Constituição está em destaque.

No novo século, somavam-se novas preocupações: a diminuição da taxa de natalidade, a integração dos imigrantes, a SIDA, o tráfico humano, os fundamentalismos religiosos, o terrorismo. A “educação” é, para Sampaio, a melhor resposta.

Cavaco Silva (2006-16): o regresso dos “tempos difíceis”

Nos últimos anos de Sampaio em Belém regressa um velho problema ao discurso de Abril - a situação económica nacional - herdado por Aníbal Cavaco Silva.

Cavaco é ainda o primeiro a evocar os problemas da violência doméstica, “casos de crianças vítimas de negligência e de maus-tratos físicos e psicológicos”, a exclusão dos idosos e a “fuga das gentes, ora para os centros urbanos do litoral ora para destinos mais longínquos”, no discurso de 25 de Abril de 2006.

Tal como vários chefes de Estado antes de si, Cavaco Silva assumiu a dificuldade de assinalar o 25 de Abril com o mesmo ritual ano após ano, sem cair na banalidade, especialmente para aqueles que já nasceram num país livre.

“Pode mesmo afirmar-se que, na sociedade portuguesa, coexistem duas maneiras de sentir a liberdade. De um lado, a liberdade daqueles que tiveram de a conquistar e de batalhar por ela; do outro lado, a liberdade daqueles que a têm como uma realidade natural da vida, tão inquestionável e adquirida como o ar que respiram.”

Depois de dois anos de discursos integralmente dirigidos aos jovens (incluindo a apresentação de um estudo pedido por si), em 2009 regressa à cerimónia do 25 de Abril a expressão tantas vezes repetida pelos chefes de Estado democraticamente eleitos: “tempos difíceis”.

Os “tempos muito difíceis” estão agora intrinsecamente ligados uma nova expressão: “crise”. ‘Nova’, porque, pela primeira vez, não surge associada um setor específico - crise económica, crise internacional, crise social - é apenas A crise.

Em 2011, poucas semanas depois de ter convocado eleições legislativas antecipadas na sequência do pedido de demissão de José Sócrates, o Presidente deixava recados no discurso de 25 de Abril, condenando “querelas inúteis" e “um estilo agressivo de atuação política, feito de trocas constantes de acusações e de tensões permanentes".

Já no ano seguinte, apelou à “concertação” e focou-se no lado bom, evocando a língua portuguesa no mundo e invenções lusas como o cartão pré-pago para telemóveis e a Via Verde. “O 25 de Abril dos nossos dias está também em mostrar ao mundo o muito de positivo que o país tem e o respeito que merecemos das outras nações”, argumentava. “O nosso melhor ativo são as pessoas.”

Já em 2013 chega ao discurso de Abril “o equilíbrio das contas externas” e o reconhecimento de uma "fadiga de austeridade, associada à incerteza sobre se os sacrifícios feitos são suficientes e, mais do que isso, se estão a valer a pena”.

No ano seguinte voltam os recados: “É tempo de abandonarmos a política de vistas curtas, ditada pelo taticismo e pelos interesses de ocasião”. Enquanto em 2015 há uma nova mensagem de esperança na situação económica, mas também um alerta para a corrupção, que põe em causa “a coesão do tecido social”, e para os “atrasos do sistema de justiça”. Cavaco Silva pedia “diálogo e consenso”.

Marcelo Rebelo de Sousa (desde 2016): a importância de uma boa aula de História

Nos vários discursos de 25 de Abril proferidos por Marcelo Rebelo de Sousa enquanto Presidente da República, nunca faltam as suas outras duas facetas: o professor Marcelo não resiste a uma pequena aula de História e o comentador Marcelo não dispensa os recados políticos.

Em 2016, o Presidente apelou à estabilidade política, defendendo que Portugal não podia continuar “a viver, sistematicamente, em campanha eleitoral”; em 2018 alertou para “messianismos” que se escondem "por detrás das aparências democráticas” para “prometer caminhos impossíveis, alimentar ilusões irrealizáveis e sacrificar liberdades essenciais” e em 2019 pediu "mais ambição”.

Com o país em estado de emergência em 2020, os portugueses cantaram “Grândola Vila Morena” à janela e Marcelo Rebelo de Sousa discursou num Parlamento com um número reduzido de deputados.

“Em tempos excecionais de dor, de sofrimento, de luto, de separação, de confinamento, é que mais importa evocar a Pátria, a independência, a República, a liberdade e a democracia”, justificou. “Deixar de evocar o 25 de Abril, no tempo em que ele, porventura, mais está a ser posto à prova nos últimos 46 anos, seria um absurdo cívico”.

Em 2021, o Presidente decidiu por o dedo em todas as feridas do passado, dos descobrimentos à guerra colonial, para pedir que se fizessem as pazes com a História. “É prioritário estudar o passado e nele dissecar tudo, o que houve de bom e o que houve de mau. É prioritário assumir tudo, todo esse passado, sem autojustificações ou autocontemplações globais indevidas, nem autoflagelações globais excessivas”, defendeu.

No ano seguinte, com a guerra na Ucrânia, Marcelo deixou uma mensagem especial para as Forças Armadas e afirmou que “Portugal são os portugueses, mais os que se acolheram ou por eles foram acolhidos. E, cada qual, diferente, diverso, irrepetível”.

Já no ano passado, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o povo é “o supremo Senhor do 25 de Abril, da liberdade e da democracia, e por isso efetivo garante da estabilidade”.

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