50 anos do 25 de Abril

"Digo, muitas vezes, que não concordo. E a minha professora zanga-se? Não! Somos livres"

Simão tem 8 anos e já sabe que, há 50 anos, os portugueses viviam sem liberdade, numa ditadura, protagonizada por Salazar que acabaria por “cair de uma cadeira e bater com a cabeça”. A mãe, Marta, tem 39 anos e, apesar de não ter presenciado o 25 de Abril, dá voz no seu mais recente livro a milhares de portugueses que no pós-revolução foram obrigados a começar de novo. Uma conversa entre diferentes gerações para perceber o que fica do 25 de Abril.
A escritora e jornalista, Marta Martins Silva, com o filho, Simão, de 8 anos, no Largo do Carmo, local histórico do 25 de Abril, em Lisboa.
A escritora e jornalista, Marta Martins Silva, com o filho, Simão, de 8 anos, no Largo do Carmo, local histórico do 25 de Abril, em Lisboa.
Ana Luísa Monteiro / SIC

No Largo do Carmo, em Lisboa, sítio histórico do 25 de Abril, Marta Martins Silva, escritora e jornalista, conversa com o filho mais velho, Simão, de 8 anos, que já tem ouvido falar do 25 de Abril em casa e na escola. Aliás, sempre que se assinala a data vão em família até àquele local e levam cravos.

Sentados numa mesa, rodeados de turistas que percorrem os Lugares de Abril de cravo ao peito, Marta pergunta ao filho se sabe porque se fala tanto do 25 de Abril. Prontamente, Simão responde que "foi uma data muito importante" porque as pessoas “não tinham liberdade e não podiam fazer o que quisessem”.

Os dois, num exercício de imaginação, conjeturam sobre um país “cinzento” preso numa ditadura, um país “triste”, em que o Simão não tinha colegas meninas na escola e em que, aos 18 anos, seria mandado para a guerra, podendo ser um dos protagonistas das histórias que Marta escreve - “Madrinhas de Guerra” e “Cartas de Amor e de Dor”, livros editados pela Desassossego, sobre a troca de correspondência entre os rapazes enviados para a guerra colonial e os seus amores e famílias, que ficavam na metrópole.

A guerra colonial (1961-1974) deixou vidas em suspenso e o seu fim foi uma das maiores conquistas da revolução de Abril. “Os rapazes, na altura, foram para a guerra, com 18 anos. Alguns morreram, outros ficaram feridos e outros viram-se marcados para a vida toda por essa experiência”, conta Marta.

Esta história não é nova para Simão. Já a ouviu nas conversas da mãe, dos avós, das tias. Mas também já a ouviu na escola, através de uma amiga cujo avô “levou um tiro no braço” e ficou ferido na guerra. “Quando veio para Portugal estava ferido, mas ela disse-me que ele já tinha ficado melhor”, diz Simão.

Cerca de 90% da população masculina foi chamada a servir no conflito armado que Portugal travou com as ex-colónias africanas, como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Estima-se que, na guerra colonial, tenham morrido cerca de 100 mil civis e 10 mil soldados portugueses, tendo mais de 20 mil ficado inválidos.

Os prejuízos da guerra e as alegrias que Abril trouxe a uma grande parte da população portuguesa ainda chegam às mais novas gerações portuguesas. Na escola, o 25 de Abril faz-se em festa, “com muitos trabalhos artísticos”, afirma Simão, desde cravos de papel até ao plano de lançar um balão com cravos perto do Panteão.

“Não podias escrever. Corrias o risco de ser perseguida”

Em conversa com o filho, Marta revela que gostava de ter sido jornalista no 25 de Abril para entrevistar todos aqueles que seguiam “tão contentes” os militares pelas ruas da capital na revolução pacífica. E, Simão, lembra:

“[Na ditadura], não podias escrever porque corrias o risco de ser perseguida e apanhada. Riscavam os textos todos e isso não era muito fixe”.

A liberdade é conquista de Abril, mas não é uma conquista absoluta, conta a mãe ao Simão. “Sabes que se tem que lutar pela liberdade todos os dias”, aponta, para “manter sempre viva a chama da liberdade e para que não venha ninguém dizer que nós não podemos fazer isto ou aquilo".

“E agora o Presidente é bom, não é?”, pergunta Simão.

A rir-se, a mãe responde que sim, “felizmente”, numa altura em que “todas as pessoas podem votar em quem mais gostam”.

“Sim, agora há muitos partidos, tipo 20”, aponta Simão.

No dia 25 de Abril de 2024, Marta e Simão vão estar no Largo do Carmo, 50 anos depois de Marcello Caetano, então Presidente do Conselho de Ministros, se ter ali rendido ao movimento militar que liderou a revolução.

“E depois, a mãe vai descer a Avenida da Liberdade para festejar a liberdade”, diz Marta.

“Depois, eu vejo-te nos vídeos do Youtube”, responde Simão.

Marta Martins Silva é também autora do livro “Retornados - E a Vida Nunca Mais foi a Mesma”, editado pela Contraponto, que dá voz a milhares de portugueses que, no pós 25 de Abril, foram obrigados a começar de novo, uma realidade que nunca lhe foi estranha por ser (orgulhosa) neta de retornados.

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