Saúde Mental

A vida nunca mais foi a mesma desde aquela noite

"Quis contar a minha história ao pormenor por vários motivos: não por ser um drama razoavelmente bom, mas porque não quero que outros se sintam sozinhos nesta difícil jornada. Não sou especialista para vos aconselhar de forma certeira, mas posso enumerar algumas coisas que tenho aprendido". Este é um testemunho, sem nome, sem rosto, que aqui é o menos importante, de quem aceitou partilhar momentos intímos com o objetivo de ajudar os outros.

A vida nunca mais foi a mesma desde aquela noite
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O pânico instalou-se na minha cabeça

A minha vida nunca mais foi a mesma desde aquela noite. Estava deitada na cama quando comecei a sentir muito calor. Ao mesmo tempo que a temperatura aumentava, os batimentos cardíacos faziam-se sentir de uma forma demasiado intensa. Virava-me para um lado, para o outro, afastava os lençóis, volta-me a cobrir. Até que as pernas começaram a tremer de forma involuntária e descontrolada.

O pânico instalou-se na minha cabeça. Levantei-me para beber um chá de camomila e já de madrugada, tal era o desconforto, decidi ligar à minha mãe à espera que ela tivesse uma solução (como costuma ter para todos os problemas).

Bebi uma caneca de chá em minutos, com bastante açúcar, e continuei ali, sentada à janela a tremer. Palavra após palavra, não conseguia deixar de pensar que estava a morrer. O pânico voltou a aumentar. Fui chamar o meu namorado quando percebi que o que estava a sentir não podia ser solucionado com um chazinho ou com as palavras doces e tranquilas da minha mãe.

Peguei no carro, voltei para casa e chorei. Revoltei-me.

O primeiro passo foi ligar para a Saúde 24. Depois de ter medido a tensão - que estava em níveis completamente normais apesar de sentir que o coração me ia saltar do peito - a enfermeira disse: “Isso é uma crise de ansiedade”. E ponto. Diagnóstico apresentado e agora? O que faço com isto? Vestimo-nos e fomos ao hospital. Tirei sangue, fiz um raio-X ao peito e tudo estava normal.

Na enfermaria deram-me um pequeno comprimido e pouco mais me lembro dessa noite. Adormeci ainda nas cadeiras do hospital e voltei para casa com uma receita de compridos naturais que me iriam ajudar a dormir.

No dia seguinte, não conseguia ignorar o aperto que sentia no peito, como se os músculos me estivessem a apertar de tal forma que chegava a ser doloroso. Ainda fui trabalhar, mas, quando lá cheguei, comecei a sentir de novo os calores. Peguei no carro, voltei para casa e chorei. Revoltei-me. Que raio era aquilo que se estava a passar comigo? Mas o que é uma crise de ansiedade? Não fiquei assim tão convencida com o diagnóstico da enfermeira e da médica na altura. Pensei que uma patologia do foro psicológico nunca me poderia condicionar desta maneira.

Passaram duas semanas até à segunda crise. Nessa noite estava na casa da minha madrinha. O episódio dos calores, batimentos, aperto no peito, corpo a tremer repetiu-se. Tentei controlar-me durante horas, com os abraços apertados da minha madrinha, e com as promessas de que aquilo iria passar, que era apenas uma crise de ansiedade.

Acabei essa noite também no hospital, dessa vez com os meus pais a assistirem assustados ao que se estava a passar. Seguiram-se as típicas análise ao sangue, o típico comprimidinho para me acalmar - dessa vez mais fraco, que me manteve acordada e consciente do processo. O diagnóstico do médico foi igual aos anteriores: ansiedade. Pedi-lhe que me explicasse os resultados das análises ao sangue e ele, pacientemente, foi-me dizendo que os valores estavam todos normais. Fiz muitas perguntas, estive dentro do gabinete cerca de uma hora. E ele respondeu-me a todas.

Entrei num ciclo negro

No final da consulta, apresentou-me os ansióliticos, aqueles comprimidos que ninguém quer tomar porque causam habituação. Perguntei-lhe se era mesmo necessário, mas ele explicou-me que, se a medicação anterior não tinha resultado, tinha que avançar para outra fórmula. A medo comecei a terapêutica. Estes dois dias foram os piores da minha vida. Não conseguia controlar os meus pensamentos negativos. Só pensava que algo de mal me iria acontecer. E o aperto no peito não me largava. Todos os dias, a revolta era maior.

A sensação era de que me tinham roubado a minha inocência, a minha alegria, a minha vontade de estar com os meus amigos, de estar com a minha família. Senti que algo transcendental me tinha sugado. Entrei num ciclo negro. Fui mantendo as consultas com o segundo médico que me atendeu nas urgências pela empatia que criei com ele. Numa dessas visitas, lembro-me de desatar a chorar simplesmente porque não me sentia bem, não me reconhecia. E aí conheci mais uma família de compridos: os antidepressivos.

“A sua cabeça está num ciclo negro, tem que contrariar. Se partisse uma perna, tinha que usar muletas. Estas são as suas muletas”, disse-me o médico.

Até hoje não me esqueço dessa conversa

Nesse mesmo dia, fui à farmácia, meia envergonhada e muito cansada, comprar a medicação. Cheia de boas intenções, mas com um discurso moralista demais, a farmacêutica começou a falar sobre a quantidade de jovens que vão lá pedir aquela medicação e o quão agressiva é. Entregou-me o saco e disse-me para me desligar do telemóvel, das redes sociais.

Até hoje não me esqueço dessa conversa - meia surreal - que me fez sentir culpada e responsável por não saber cuidar de mim própria. Facto é que, com a terapêutica do médico, a vida foi melhorando. Havia dias mais leves, outros mais duros. Ainda hoje os há. Mas vivo agora consciente da minha condição. Tinha que me esforçar para sair daquele lugar.

Entrei no ginásio, tal como o meu médico me fez prometer que faria, antes sequer de me receitar os químicos dos quais ainda hoje dependo. Comecei a fazer psicoterapia, e são tantas as coisas que já aprendi.

A nutrição psicológica foi uma das minhas maiores descobertas. Ensinou-me que, tal como o físico, o psicológico tem que ser nutrido. Ensinou-me que não posso controlar este mundo e o outro. Ensinou-me a expor o que sentia. Ganhei mais alguma força ao mesmo tempo que o meu medo foi perdendo força. O medo de que aquelas noites se pudessem repetir.

Não tenham medo de pedir ajuda

Quis contar a minha história ao pormenor por vários motivos: não por ser um drama razoavelmente bom, mas porque não quero que outros se sintam sozinhos nesta difícil jornada. Não sou especialista para vos aconselhar de forma certeira, mas posso enumerar algumas coisas que tenho aprendido.

O tempo pode ajudar, assim como aqueles comprimidos demoníacos e como a psicoterapia. Encontrem uma solução boa para vocês próprios. Só não desvalorizem a ansiedade. Isto é uma doença, como outra qualquer, que necessita de tratamento, das tais “muletas”.

Não tenham medo de pedir ajuda, de falar sobre a situação com quem vos rodeia para que possam compreender da melhor forma alguns comportamentos que podem ser atípicos.

Não desistam da terapêutica sem consultar o médico. Não se culpem. Não procurem incessantemente a origem do problema, porque pode ter muitas.

Aprendam mais sobre vocês mesmos e de que forma podem viver uma vida mais tranquila. Eu fui aquela pessoa que sempre pensou: “A mim nunca me vai acontecer isso, tenho uma vida boa, sou feliz”. E eis que comecei a pertencer ao grupo dos que falam da ansiedade porque a sofreram - e sofrem - na pele.

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