A contagem decrescente para o regresso à Lua já se faz sentir algures entre Washington e Pequim - e à medida que avança há uma questão que se impõe: afinal, quem é o dono do satélite natural da Terra? “Então temos que fazer um tratado de Tordesilhas para a Lua? Será que passa por aí? Vamos dividir a lua entre fatias? Isto é meu, aquilo é teu. Isto é complicado”, responde Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, em entrevista ao podcast Futuro do Futuro.
Estados Unidos e China preveem regressar à Lua com missões tripuladas antes de 2030, e esses projetos não só pressupõem um acréscimo de tráfego, como levantam questões sobre a necessidade de policiamento. “Isso é o grande elefante na sala, que é a militarização do espaço e a conquista do espaço”, confirma Ricardo Conde, admitindo o potencial de atritos em órbita.
Numa entrevista que atravessa atualidade aeroespacial, Ricardo Conde confirma que, depois de uma primeira “descolagem” fracassada, o Porto Espacial da ilha de Santa Maria prepara-se agora para nova contagem decrescente no que toca à escolha da entidade que deverá gerir a futura base de lançamento de pequenas missões espaciais nos Açores.
Estima que o anúncio da escolha final sobre a exploração do futuro Porto Espacial seja anunciada “em abril ou maio” e que ela deverá recair sobre “uma empresa ou uma entidade puramente comercial” e não haverá parcerias público-privadas.
“Não é um concurso. O que vamos ter é um período em que vamos receber propostas de interesse”, esclarece o presidente da Agência Espacial Portuguesa.
Segundo Ricardo Conde, esse período de recolha de demonstrações de interesse deverá arrancar em fevereiro. O futuro Porto Espacial não deverá acolher qualquer descolagem em 2024, mas também é possível que venha a assistir, ainda este ano, às duas primeiras “reentradas”, com a aterragem de veículos espaciais no aeroporto ou com amaragens, nas imediações da pequena ilha açoriana.
Se tudo correr como previsto, a ilha de Santa Maria poderá ser escolhida para o lançamento do veículo espacial Space Rider, que é um dos projetos mais emblemáticos da Agência Espacial Europeia.
Quanto ao impacto que motivou resistência de parte da população da ilha açoriana, Ricardo Conde considera que se trata de “um mito” e sublinha que as emissões poluentes de missões espaciais de pequenas dimensões são apenas uma fração das emissões que já se regista em aterragens e descolagens no aeroporto local.
A Agência Espacial Portuguesa foi lançada em 2019 – mas na verdade não é a primeira iniciativa do género. Ricardo Conde recorda a primeira tentativa de constituição da “Portugal Space SA” entre 2000 e 2002 que haveria de ser abandonada por decisão política. E a este dado junta-se o facto de o PoSAT-1, que é o primeiro satélite de bandeira portuguesa, ter sido descontinuado bem antes de ser lançado um sucessor, que só deverá descolar para o espaço a 1 de março, com a denominação de Aeros.
“Assim como houve pessoas com responsabilidade política para olhar com um pensamento estratégico sobre esta área em particular, também houve os que não tiveram e ignoraram”, responde o presidente da Agência Espacial Portuguesa.
Em resposta aos desafios que geralmente são colocados aos entrevistados do Futuro do Futuro, Ricardo Conde trouxe o livro “Crescimento Zero”, de Alfred Sauvy, e o tema musical “The Great Gig in the Sky”, dos Pink Floyd.
Depois de um hiato de 30 anos, que Ricardo Conde considera ter sido demasiado longo, perfilam-se oito os lançamentos de bandeira portuguesa até 2026. O presidente da Agência Espacial Portuguesa admite que nem todos consigam realmente vir a descolar, mas também lembra que o fracasso faz parte do processo – e revela-se valioso pelos ensinamentos produzidos, que permitem a venda de tecnologias, mesmo quando os projetos não chegam a sair de terra-firme.
A mesma lógica de avanços e recuos é aplicada na forma como encara a exploração de Marte que, ao contrário daquilo que preveem os planos americanos e chinês, é enquadrada em horizontes de “100 ou 150 anos”, refere o presidente da Agência Espacial Portuguesa.
Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos