O consumo de bebidas alcoólicas está a crescer em Portugal. As situações de embriaguez são cada vez mais frequentes, sobretudo entre os jovens, tendo aumentado quase 40% entre 2016/2017 e 2022, segundo o mais recente relatório do SICAD — Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências — sobre a “situação do país em matéria de álcool”, divulgado no início deste ano. Mais preocupantes ainda são os dados relativos ao consumo abusivo e à dependência de álcool, que quase quadruplicou nos últimos dez anos. O que o poderá explicar?
Ana Neto, psiquiatra na Unidade de Alcoologia de Lisboa com competência em adictologia clínica, aponta a “falência de respostas de prevenção”. “Estamos a falhar na prevenção junto da população jovem. É a que deveria merecer mais atenção, mas temos sinais de estar cada vez mais desprotegida.”
Segundo a psiquiatra, algumas políticas de controlo de álcool ainda não são devidamente aplicadas, nomeadamente “no que diz respeito à disponibilização e venda de bebidas alcoólicas". “Assistimos a um desinvestimento ao nível da fiscalização. Há uma grande exposição ao álcool, para o que contribuiu a pressão enorme exercida por alguns grupos económicos com um peso muito grande no nosso país. Portugal depende muito da produção de bebidas como o vinho."
Maria João Bettencourt, 55 anos e nascida em Lisboa, começou a beber na adolescência, "sempre mais" do que os seus amigos e colegas. Mas nunca achou que isso fosse um problema. Já em adulta, por volta de 2019, quando ficou desempregada e enfrentou dificuldades a nível familiar, o consumo agravou-se, tornando-se diário e necessário. “Nesse momento, já não consigo parar de beber. Levanto-me, tomo o pequeno-almoço e bebo. Sento-me à frente do computador e bebo. Estou a cozinhar e bebo. Estou a ler e bebo. Todo o meu dia é passado a beber.”
A saúde mental ficou afetada, a física também. “O álcool levou-me a uma degradação completa.” Em 2022, pediu finalmente ajuda.
Neste que é o mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?", foram abordados ainda outros assuntos, como as razões que podem estar na origem da dependência de álcool, o impacto do consumo abusivo na saúde, os progressos — e retrocessos — que aconteceram nos últimos anos ao nível do tratamento, as barreiras que ainda persistem no acesso aos cuidados especializados e a importância de garantir que os doentes têm um acompanhamento contínuo.
“Que voz é esta?” é o nome do podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento dão voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, ouvindo igualmente os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, fala-se de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.