Que Voz é Esta?

“Para os filhos a separação dos pais muitas vezes é um alívio, há cada vez mais casais com divórcios positivos e crianças felizes”

Confronto das expectativas com a realidade, falta de investimento na relação conjugal, gestão das carreiras e tensões com os avós levam muitos casais a recorrer à terapia familiar depois de entrarem na parentalidade. No mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”, a psicóloga clínica e presidente da Associação Portuguesa de Terapia Familiar, Catarina Rivero, fala sobre este e outros motivos que mais frequentemente levam as famílias a procurar apoio e explica a forma como funciona esta abordagem terapêutica

A presidente da Associação Portuguesa de Terapia Familiar, Catarina Rivero, foi a convidada do mais recente episódio do podcast "Que Voz é Esta?"
José Fernandes

A chegada dos filhos obriga a uma “redefinição de papéis” quer entre o casal, quer na relação com as famílias de origem e levanta questões que muitas vezes geram conflitos, como a conciliação com a vida profissional e a gestão das carreiras e do dinheiro. É uma fase particularmente desafiante que leva muitos casais a procurar o apoio da terapia familiar.

“O nascimento de um bebé, mesmo que desejado, planeado e cheio de saúde, não deixa de ser uma crise, no sentido em que obriga o casal a reorganizar-se, a colocar-se num novo patamar, numa nova forma de estar. A vida não volta a ser o que era e isso pode ser causador de grandes tensões e ansiedades”, explica a terapeuta familiar Catarina Rivero no mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”, citando estudos internacionais que concluíram que mais de 60% dos casais passam por uma crise após a entrada na parentalidade.

A psicóloga Catarina Rivero é presidente da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária
José Fernandes

Nas últimas décadas, houve mudanças profundas nas dinâmicas sociais e familiares que geraram uma grande alteração de expectativas, nomeadamente no que diz respeito à relação conjugal. "As pessoas hoje casam-se não só para criar e manter uma família, mas também para serem felizes e sentirem-se realizadas. Não aceitam manter um casamento durante 40 ou 50 anos se não sentem amor. A liberdade individual que conquistámos trouxe novos desafios. E o papel de cada um já não está desenhado à partida”, diz a presidente da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária.

A mudança de expectativas e o que se exige hoje de uma relação faz com que muitos casais se questionem, a partir de um certo ponto, “se ainda faz sentido estarem juntos, se estão numa fase de crise e se conseguem ou não dar a volta”.

Nestes casos, o papel dos terapeutas familiares não é atuar como “casamenteiros ou descasamenteiros”, sublinha Catarina Rivero. "Não estamos lá para moralizar, mas para perceber com as famílias qual é o caminho que funciona”, adianta. E a reconciliação não é necessariamente o objetivo último desta forma de psicoterapia.

“Mais vale um bom divórcio do que um mau casamento", defende a terapeuta, congratulando-se com o facto de “cada vez mais ex-casais encontrarem uma dinâmica muito interessante e positiva” após a rutura, mantendo uma boa comunicação e apostando, sobretudo, em "educar crianças felizes”.

Os casais com filhos pequenos são dos que mais procuram a terapia familiar, mas há também muitos casos de pais mais velhos, na casa dos 60/70 anos, que pedem apoio para lidar com a situação de filhos adultos com problemas de adição ou saúde mental e que vivem numa situação de dependência em relação à família.

O aumento do preço das rendas e das casas e os baixos salários também fazem com que muitos jovens adultos não consigam autonomizar-se, permanecendo em casa dos pais até bastante tarde, o que tem gerado situações de conflito que cada vez mais aparecem nos consultórios de terapia familiar.

“A permanência em casa dos pais obriga a uma definição e redefinição de dinâmicas e de regras, que às vezes gera tensões e alguns pais sentem-se a perder o bom que tinham com os filhos.”

“O pai sempre gostou mais de ti”

Além da relação pais-filhos, também a relação entre irmãos está muitas vezes presente nas consultas de terapia familiar. Em situações de partilhas, por exemplo, é comum surgirem conflitos que extravasam em muito as questões de património e que têm sobretudo a ver com afetos, diz Catarina Rivero.

É nessas alturas que muitas vezes vêm ao de cima questões que são vividas com sofrimento e em silêncio durante anos: “Porque é que o pai sempre gostou mais de ti? Porque é que ele era o filho preferido? Porque é que eu sempre estive em último plano?”, exemplifica.

Seja qual for o tipo de conflito que leva a família a procurar apoio, é comum que cada membro da família inicie a terapia com a expectativa de que o terapeuta reconheça a sua razão e atribua a culpa ao outro(s). Mas Catarina Rivero deixa claro que esse não é o papel do terapeuta.

“Não há bicicletas para ninguém; ninguém vai ganhar ou perder. A ideia é encontrar uma dinâmica onde todos possam sair a ganhar, se for preciso dando um passo atrás ou um passo à frente, para encontrar o caminho para sair do jogo de atribuição de culpas”, explica a especialista, no último episódio do podcast, desta vez dedicado à Terapia Familiar.

“Que voz é esta?” é o nome do podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento dão voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, ouvindo igualmente os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, fala-se de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.

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