Que Voz é Esta?

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“Na toxicodependência o psicodrama tem sido usado para reconstruir o caminho de cada pessoa e, nesses casos, nada melhor do que um palco”

Sabe o que é o psicodrama e como funciona? Uma forma de terapia em grupo desenvolvida na década de 1920, com raízes no teatro, na psicologia e na sociologia, é “particularmente indicado para pessoas com dificuldades nas relações interpessoais, com perturbações da personalidade, impulsividade e dificuldade em exprimir sentimentos e emoções”, explica Fernando Vieira, psiquiatra no Hospital Júlio de Matos e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Psicodrama. Oiça aqui o mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”

Uma mãe está em sofrimento psicológico porque o filho, segundo ela, tem comportamentos agressivos. No palco, perante um conjunto de pessoas, é convidada pelo terapeuta que dirige a sessão a representar um momento de discussão com o filho, personagem assumida por uma das pessoas presentes. Depois trocam de papéis e a mãe coloca-se no lugar do filho e vice-versa. Ao fazê-lo, percebe que ela própria, na realidade, também é agressiva com o filho, o que não tem ajudado a que os conflitos entre os dois terminem.

A situação é hipotética, mas exemplificativa do que é o psicodrama, diz Fernando Vieira, psiquiatra no Serviço de Psiquiatria Forense no Hospital Júlio de Matos, que integra a Unidade Local de Saúde São José, e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Psicodrama.

Nuno Fox

Convidado a participar no mais recente episódio do podcast "Que Voz é Esta?", o psiquiatra explica que o psicodrama é uma forma de terapia em grupo que, através da ação, visa o desenvolvimento de competências como a espontaneidade e a criatividade da pessoa para lidar com determinadas situações.

“O psicodrama já foi definido como uma forma de praticar a vida sem se ser punido pelos erros daí decorrentes.” As pessoas são convidadas a recriar acontecimentos que, no passado, causaram sofrimento psicológico ou acontecimentos futuros que geram, por exemplo, alguma ansiedade. “Em termos terapêuticos, o que se pretende é transformar um drama interior num drama exterior que possa, desse modo, ser operacionalizado e trabalhado terapeuticamente.”

Isso permitirá ao paciente vivenciar os diferentes papéis das pessoas com quem interage no dia a dia e ter acesso a diferentes pontos de vista, “o que poderá ajudá-lo a compreender melhor os seus problemas e lidar com eles de outra forma”. Ao mesmo tempo, são desenvolvidas capacidades como a empatia. "A pessoa vê-se a si mesma pelos olhos do outro e sente na pele o que o outro sente."

O grupo, constituído por outros pacientes, desempenha um papel importante. Partilha igualmente as suas experiências e reflete sobre as situações da vida real recriadas em palco, fornecendo, dessa forma, novas perspetivas e suporte emocional e social. “A partilha entre todos ajuda a reprocessar a situação que causa sofrimento.”

“Agir em relações enfermas”

O psicodrama pode ser utilizado para abordar uma grande variedade de questões psicológicas. É particularmente indicado para pessoas com dificuldades nas relações interpessoais, com perturbações da personalidade, impulsividade e dificuldade em exprimir sentimentos e emoções, entre outros problemas. “Não se trata de agir em pessoas enfermas, mas em relações enfermas entre pessoas", descreve Fernando Vieira.

Também é muito usado nas questões do trauma, uma vez que, sendo uma terapia de ação, que integra o corpo de forma decisiva no processo terapêutico, pode ser útil para uma patologia que está associada a uma resposta fisiológica intensa, com sintomas físicos evidentes.

Em pessoas com ansiedade, pode ajudar a enfrentar medos e preocupações, sendo exploradas novas formas de lidar com as situações que causam stress; na depressão, pode promover a partilha de sentimentos de tristeza e desamparo, e o apoio e “feedback” do grupo e do terapeuta; e, nas pessoas com perturbações da personalidade, pode permitir que sejam explorados padrões de relacionamento disfuncionais e desenvolvidas novas formas de interagir com os outros.

Implementado em consultórios e em serviços hospitalares, mas também, cada vez mais, em contextos educativos, o psicodrama está a ter um ressurgimento, depois de vários anos de relativo interesse e investimento, diz o psiquiatra. “Esta terapia fornece respostas adequadas às principais questões que, desde o início deste século, se têm vindo a colocar, como os conflitos, as desigualdades sociais e a problemática da saúde mental. Há uma necessidade premente de encontro com o outro, de partilhar com o outro e de conhecer diferentes vivências, o que nos permite pensar que há um caminho a percorrer nesta área.”

“Que voz é esta?” é o nome do podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento dão voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, ouvindo igualmente os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, fala-se de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.

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