Saúde Mental

Opinião

Os dr. Bayard do séc. XXI 

Estou triste, tomo um antidepressivo, sinto-me inquieto, tomo um ansiolítico. Será este estado que queremos manter? O do autoengano? Auto anestesiarmo-nos?

Os dr. Bayard do séc. XXI 
Canva

Quando falamos dos rebuçados Dr. Bayard arrisco-me a dizer que todos sabemos do que se trata. Desde tenra idade que lhe conhecemos o sabor, quer por guloseima, mas sobretudo porque quando começávamos com aquela tosse que nos impedia de falar, ou que começava a irritar, alguém rapidamente retirava do bolso ou da mala um rebuçado que funcionava sempre como milagre/cura.

Hoje em dia, quando falamos de Victan ou de Fluoxetina talvez também sejamos bastantes os que os conhecemos, talvez mais do que os que devíamos. Não me refiro a quem os toma por prescrição do médico especialista que consultou a pessoa, falou com ela, teve a oportunidade de lhe fazer um diagnóstico e que se disponibilizou para a seguir. Alguns conhecem-nos através de amigos, da internet, ou mesmo através do médico assistente que, ao escutar algumas queixas, rapidamente prescreve este tipo de medicamento.

É notícia frequente que Portugal é o 5º da OCDE em que mais se consome ansiolíticos e antidepressivos e, segundo o estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental 1º relatório, tem em, conjunto com a Irlanda do Norte, a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas na Europa, sendo que a ansiedade apresenta a prevalência mais elevada (16,5%), seguida das perturbações do humor (7,9%).

Como vai mal a nossa saúde mental

Este tipo de informação e estatística é-nos apresentada regularmente para dar conhecimento aos portugueses de como vai mal a nossa saúde mental. Como, por exemplo, quando, passados três meses de covid-19, as notícias referiam que tinham sido vendidas mais 433 214 embalagens que em igual período em 2019.

Lamentavelmente, vemos estes números a aumentar todos os anos, mas sem qualquer aplicabilidade prática. Associo esta falta de análise de conteúdo aos chavões dos dias de eleições, em que todos os comentadores referem que temos de analisar as taxas de abstenção, as percentagens são muito elevadas e que nos devemos debruçar na sua análise, mas pelo que percebemos só mesmo nesse dia nos dedicamos a falar sobre elas.

O denominador comum é a nossa falta de profundidade e de seriedade na abordagem de assuntos sérios. Somos ávidos em criticar e comentar sem saber, porque consideramos que temos e devemos sempre dizer qualquer coisa.

A saúde mental em Portugal é um problema

De volta aos antidepressivos e ansiolíticos, porque são eles usados por tantas pessoas?

Às primeiras queixas de tristeza, melancolia, desesperança, taquicardia, suores e ideia de morte são prescritos, de forma fácil, e acalmam rapidamente os sintomas físicos sentidos, como ameaçadores do bem-estar.

Os especialistas da saúde mental são na sua maioria consonantes na opinião que muitos destes medicamentos são prescritos sem conhecimento profundo da situação clínica da pessoa, e que grande parte das situações podiam ser resolvidas sem a toma destes medicamentos. Muitos casos podiam ser tratados através de terapêuticas adequadas e acompanhadas de forma individual. Parece estar na génese dos clínicos o ter de passar algum medicamento, e de alguns doentes em não sair da consulta sem a receita mágica.

Se antes da covid-19 já existia nos portugueses uma alta prevalência de problemas de saúde mental, a pandemia apenas se encarregou de agudizá-la e de expor de forma mais visível para o próprio e para os outros. A saúde mental em Portugal é um problema, é um facto, o seu tratamento e acompanhamento é urgente, é um facto, mas na realidade nada de diferente se faz.

Quem pode esperar 6 meses por uma consulta de psicologia?

As queixas das pessoas são reais, as pessoas sofrem e não querem sofrer, é justo. Contudo, os serviços de saúde mental não estão a acompanhar as necessidades reais. Quem pode esperar 6 meses por uma consulta de psicologia, quem pode fazer quilómetros para ir a uma consulta num hospital central? Quem pode pagar os valores pedidos numa clínica privada? Apenas alguns, esses são os privilegiados. Os restantes aderem rapidamente ao comprimido ou comprimidos que colmatem os seus sofrimentos.

Quando perguntamos às pessoas o que mais querem na vida, de forma geral, dizem que querem ser felizes, saúde e paz no mundo. Desconstruindo, querem generalidades.

Nunca ouvi ninguém dizer que quer ser infeliz, nem tão pouco sofrer. Contudo, ouvimos muitas vezes que após uma situação difícil de vida, uma perda, por exemplo, vem sempre uma aprendizagem. Então porque não sentirmos? É difícil, por vezes insuportável. Logo, de forma rápida e muitas vezes não pensada, queremos anestesiar os nossos sentimentos, incluindo o sofrimento e para tal tomamos o comprimido.

Não andamos felizes todo o dia, nem tristes, nem ansiosos, temos bons e maus momentos

Quando me refiro à toma de antidepressivos e ansiolíticos, refiro-me aos que são tomados e prescritos de forma desajustada, refiro-me à facilidade com que tomamos e com que nos são receitados medicamentos que nos levam a ficar dependentes uma vida, sem irmos ao âmago da questão. Parece-me cada vez mais preocupante, que num grupo alguém não tome medicamentos para dormir, para relaxar, para acordar … e quando questionamos o porquê, a resposta é breve e assumida como normativa.

Não andamos felizes todo o dia, nem tristes, nem ansiosos, temos bons e maus momentos todos os dias. Neste aspeto pouco nos difere. A pandemia trouxe-nos a possibilidade de estarmos em casa, mais recolhidos, mais connosco, porque não nos escutamos? Andamos arduamente em busca do paraíso perdido, que sabemos à partida que não existe, mas pensamos que existe para nós.

Parece-me que somos pouco sérios para connosco e pouco exigentes em compreender e viver o nosso sentir. Desta forma, não há dúvida, um comprimido traz alívio imediato. Estou triste, tomo um antidepressivo, sinto-me inquieto, tomo um ansiolítico. Será este estado que queremos manter? O do autoengano? Auto anestesiarmo-nos?

Precisamos de estratégias para a saúde mental em Portugal

Os comportamentos são caracterizados por padrões e hábitos, que no caso de trazerem alguma paz, mesmo não sendo a do mundo, rapidamente nos habituamos a ela e quando chega o momento da consulta de psicologia ou psiquiatria, passados meses de espera, já não faz sentido, porque os medicamentos têm ajudado.

Não precisamos de mais medicamentos, precisamos de ação e implementação de políticas ao nível da prevenção primária na saúde mental. Quantos jovens portugueses se encontram atualmente a tomar medicação para a depressão e ansiedade? Precisamos que as estratégias para a saúde mental em Portugal sejam implementadas, precisa-se de acompanhamento efetivo das pessoas e sobretudo tempo e disponibilidade para as ouvir. É urgente, é para ontem.

Queremos manter-nos em rankings e compararmo-nos com outros países da Europa, queremos manter a economia em alta, quando não cuidamos do elementar e básico, a saúde mental das pessoas. Quando mais bem-estar sentirmos, mais produtivos seremos, melhor qualidade de vida teremos e por consequência mais equilíbrio em todas as esferas da vida.

A toma de antidepressivos e ansiolíticos de forma não acompanhada é a mesma questão da abstenção preocupa-nos, mas pouco. Sejamos sérios! Termino citando Fiódor Dostoiévski “Toda a gente se arranja como pode e, de todos, aquele que melhor vive é o que melhor sabe iludir-se a si próprio”.

Últimas notícias
Mais Vistos
Mais Vistos do