Saúde Mental

"Não há o mínimo dos recursos". As lacunas e os números da saúde mental em Portugal

Mais de um quinto dos portugueses tem uma perturbação mental. O bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses reconhece não haver "o mínimo dos recursos" nos centros de saúde e contou à SIC Notícias que há esperas de dois anos para uma primeira consulta.

"Não há o mínimo dos recursos". As lacunas e os números da saúde mental em Portugal

Os números em Portugal

As doenças mentais e do comportamento são as segundas mais comuns em Portugal. Representam 11,8% do total das doenças. De acordo com a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria Mental, mais frequentes que as perturbações mentais e do comportamento, só as doenças cérebro-cardiovasculares, com 13,7%. Em terceiro lugar, surgem as oncológicas, que representam 10,4% das doenças no país.

Mais de um quinto dos portugueses apresenta perturbações mentais. As que estão relacionadas com a ansiedade são as que têm uma prevalência mais elevada (16,5), seguidas das perturbações do humor (7,9%).

Em relação aos adultos, 4% apresentam uma perturbação mental grave, 11,6% uma perturbação de gravidade moderada e 7,3% ligeira. Ao nível europeu, Portugal tem a segunda taxa de prevalência de doenças psiquiátricas mais elevada. É apenas ultrapassado pela Irlanda do Norte.

Quase 30% das mortes em Portugal devem-se a doenças cardiovasculares, que têm o stress como um dos grandes fatores de risco. O número é da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

"Não há o mínimo dos recursos"

Questionado sobre estes números, o bastonário da Ordem dos Psicólogos reconhece que as principais falhas estão nos cuidados de saúde primários. "Não existe o mínimo possível, como é que se pode dar uma resposta?". Francisco Miranda Rodrigues contou, em entrevista à SIC Notícias, que há casos de pessoas à espera durante dois anos para uma primeira consulta de psicologia.

"Qual é que é o tempo para uma segunda sessão? Quando se consegue a primeira, quanto tempo depois para se conseguir a segunda? São mais seis meses, mais um ano, mais dois anos nalguns casos? Isto é uma realidade que está presente em muitos sítios do país", acrescentou.

O representante dos psicólogos apontou ainda questões burocráticas como uma das lacunas. "É mais fácil marcar uma consulta de osteopatia com cobertura de seguro do que marcar uma consulta de psicologia, que é uma coisa que eu acho absolutamente inconcebível. Outra coisa também que estamos à espera de resolução é da ADSE, onde também existem alguns obstáculos. Temos aí uma promessa de ser eliminado agora um dos obstáculos existentes, que é uma barreira também anacrónica: é preciso uma prescrição médica para ir à consulta e ter financiamento da ADSE", afirmou.

As reuniões do Governo com os especialistas. O que está a falhar?

A Ordem dos Psicólogos alertava, em setembro, para a falta de psicólogos na Direção-Geral de Saúde e nas reuniões de peritos com o Governo sobre a pandemia. Na altura, reuniu-se com o Presidente da República, no Palácio de Belém. À SIC Notícias, disse que o alerta é "global" e que os psicólogos vão continuar a insistir.

"Estamos a falar de comportamentos e de processos mentais que são importantes. No entanto, não temos psicólogos, que são precisamente os especialistas que trabalham e que são formados na ciência psicológica. Falha aqui qualquer coisa. Como é que os psicólogos não estão no âmago dos contributos e da consultoria e do acompanhamento das decisões das autoridades?", questionou o bastonário.

"Está a referir-se à pandemia?", perguntou a SIC Notícias. Francisco Miranda Rodrigues confirmou. E acrescentou: "a todas as reuniões de especialistas".

Saúde mental no trabalho

De acordo com a Ordem dos Psicólogos, os portugueses faltam até 6,2 dias por ano ao trabalho devido ao stress e a problemas na saúde mental. Os principais fatores são as exigências quantitativas, cognitivas e emocionais e ainda o ritmo do trabalho.

Os funcionários a tempo inteiro em empresas portuguesas trabalham mais horas do que a média europeia. Em 2016, o número de horas semanais era uma das mais elevadas, ultrapassando as 41 horas por semana. Era o quinto mais alto entre 29 países.

Para as empresas e para o Estado, a diminuição da produtividade dos trabalhadores resulta em perdas de milhões de euros. A Ordem dos Psicológos fez as contas: podem ir até 3,2 mil milhões de euros por ano, ou seja, três vezes mais do que custou a Ponte Vasco da Gama.

No entanto, a prevenção da saúde mental nas empresas pode reduzir essas perdas, pelo menos, em 30%, o que resultaria numa poupança de cerca de mil milhões de euros por ano. A investigação da Ordem dos Psicólogos Portugueses, "Prosperidade e Sustentabilidade das Organizações. Relatório do Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho, em Portugal", refere-se a 2019.

A Ordem conclui que Portugal enfrenta a este nível "grandes desafios" porque, ao impacto na economia, acresce o aumento de erros dos funcionários, conflitos e intenção de saída da empresa. Em Portugal, pouco mais de 10% das empresas têm estratégias para lidar com os riscos psicossociais.

"Vamos chamar-lhe a comunidade das organizações"

O nome não é "comunidade das organizações", mas foi assim que o bastonário dos Psicólogos lhe chamou para explicar à SIC Notícias em que é que consiste o novo site direcionado às empresas. De acordo com Francisco Miranda Rodrigues, o website "Mais Produtividade" pretende "encontrar respostas nos locais de trabalho. Por isso, destina-se aos "empresários, trabalhadores, psicólogos que trabalham para as empresas, portanto, para os vários intervenientes dentro de uma organização". O website foi lançado dia 10 de outubro, Dia Internacional da Saúde Mental.

O bastonário anunciou também o lançamento "em breve" do portal "eu sinto-me".

"Vai agregar muito daquilo que existe de informação trabalhada e disponível de uma forma simples para a população nas mais diversas áreas relacionadas com a saúde psicológica. Vai ter um mecanismo de ajuda perante o que a pessoa sente naquele momento: o que é que pode estar a precisar mais perante aquilo que está a sentir e depois de outro tipo de respostas a seguir", explicou.

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