Cabo Verde quer candidatar o antigo campo de concentração do Tarrafal à UNESCO até 2026, num processo que envolve Portugal, Angola e Guiné-Bissau e que espera "equilibrar" a distribuição continental da lista de património mundial.
"Da lista atual de sítios classificados como património mundial, apenas 8% são africanos", salientou a presidente do Instituto do Património Cultural (IPC) cabo-verdiano, Samira Baessa, durante a apresentação da estratégia do país para a candidatura do sítio a Património Mundial.
A candidatura decorrerá na categoria cultural e será a primeira transnacional - ao juntar outros países - de um sítio africano. Para isso, o país já enviou um memorando de entendimento a Portugal, Angola e Guiné-Bissau, que espera ser assinado até 10 de maio, quando terminam as celebrações dos 50 Anos do 25 de Abril e do encerramento do Campo de Concentração do Tarrafal.
Uma candidatura do “povo”
Além do "diálogo" internacional, Cabo Verde quer envolver a sociedade civil para que a candidatura seja "do povo" e para homenagear os antigos presos políticos.
"O trabalho duro será comprovar que o sítio tem valor que ultrapassa as fronteiras nacionais", frisou a presidente do IPC, citada pela agência Lusa, estimando que o dossiê possa ser submetido na UNESCO entre 2025 e 2026.
"Será um processo relativamente complexo e longo", avisou Samira Baessa, vincando que será uma "candidatura vencedora" e que vai "valorizar a memória".
A presidente do IPC apontou como "condições básicas" da candidatura, a classificação do sítio a património nacional, em 2004, a sua integração na lista indicativa de património da UNESCO, bem como a sua reabilitação e musealização e a "convergência de vontade" com os quatros países.
50 anos da libertação do Tarrafal
Os presidentes de Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau e Portugal, os quatro países de origem dos presos, celebram a 1 de maio os 50 anos da libertação do Tarrafal - uma placa memorial no local assinala os nomes dos 36 mortos pela ditadura colonial portuguesa.
A maioria, 32 mortos, eram portugueses que contestavam o regime fascista, presos na primeira fase do campo, entre 1936 e 1956. Reabriu em 1962 com o nome de Campo de Trabalho de Chão Bom, destinado a encarcerar anticolonialistas de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde - e onde morreram dois angolanos e dois guineenses.
Ao todo, mais de 500 pessoas estiveram presas no "campo da morte lenta".
Portugal apoia candidatura
Em junho de 2022, o então ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, garantiu que Portugal iria apoiar tecnicamente o processo de candidatura, recordando a importância e o “trauma” daquele espaço para os dois países.
“É um projeto que nos une no sentido em que a memória normalmente não une dois países. Porque o Tarrafal corresponde à história e à memória do combate à ditadura portuguesa, corresponde também à memória do combate ao colonialismo. E quer a ditadura, quer o passado colonialista resolveram-se de certa forma com a transição para a democracia em Portugal e é importantíssimo para nós projetarmos o futuro, preservarmos sempre a memória”, afirmou Pedro Adão e Silva.