Os irlandeses rejeitaram em referendo propostas para substituir as referências constitucionais à composição da família e aos "deveres domésticos" da mãe, numa derrota significativa para o Governo.
A Constituição da Irlanda foi elaborada em 1937 e é herdeira da longa e forte influência da Igreja Católica na vida do país.
Em declarações à imprensa o primeiro-ministro Leo Varadkar, cujo Governo de centro-direita propôs a reforma, comentou:
“Acho que está claro nesta fase que as alterações (...) foram rejeitadas. Era nossa responsabilidade convencer a maioria das pessoas a votar 'sim' e não o conseguimos".
- Os resultados do referendo realizado na sexta-feira.
Contrariamente a uma classe política cujos principais partidos defenderam o voto "sim", os eleitores irlandeses desaprovaram uma modificação da Constituição que pretendia alargar o conceito de família além da noção de casamento, e apagar o papel prioritário das mães na garantia dos "deveres domésticos".
Abstenção de 50%
O referendo suscitou pouco entusiasmo, com uma participação que não ultrapassou os 50% na maioria dos 39 círculos eleitorais, segundo estimativas publicadas pelos meios de comunicação social irlandeses.
Antes de o primeiro-ministro se pronunciar, vários outros membros do Governo já tinham admitido a derrota, como o ministro da Igualdade, Roderic O'Gorman, citado pelo Irish Times, que disse estar dececionado e lamentar que o povo "não tenha visto a urgência de mudança" da Constituição.
Antes da votação, o primeiro-ministro afirmou que uma vitória do "não" levaria o país "um passo atrás" e "enviaria a muitas pessoas a mensagem de que não constituem uma família segundo a Constituição".
A Irlanda, um país da União Europeia com 5,3 milhões de habitantes, legalizou o casamento para casais do mesmo sexo em 2015 e o aborto em 2018.
O Governo contava com este referendo, organizado no Dia Internacional dos Direitos da Mulher e numa altura em que a França ratificava a inclusão do direito ao aborto na sua Constituição, para apagar ainda mais a marca deixada pela Igreja Católica nas instituições e vida social e privada.
"As pessoas falaram. Fizeram ouvir a sua voz e devem ser ouvidas. As propostas do governo falharam", declarou a líder do Sinn Fein, Mary Lou MacDonald.
Até poucos dias antes da votação, as sondagens previam uma vitória bastante fácil para o lado "sim", mas as últimas pesquisas revelaram uma incerteza crescente.
As duas questões do referendo
Os eleitores tiveram de decidir sobre duas questões. A primeira dizia respeito à definição de família, propondo alargá-la além daquela baseada no casamento, para incluir também "relações duradouras", como os casais que coabitam e os seus filhos.
A segunda questão propunha a eliminação de uma referência considerada ultrapassada sobre o papel da mulher no lar.
Uma formulação nova e mais ampla atribuiria a todos os membros de uma família a responsabilidade de cuidar uns dos outros.
Os opositores destas mudanças criticaram a formulação vaga, especialmente na segunda questão, e o desaparecimento das palavras "mulher" e "mãe" do texto.
"Ninguém sabe exatamente o que é um 'relacionamento duradouro', enquanto todos sabem exatamente o que é um casamento", criticou David Quinn, fundador do Instituto Iona, um grupo que defende os interesses da comunidade católica.