Saúde e Bem-estar

"Somos razoavelmente competitivos, mas é necessário investimento" na investigação científica

O investigador português Ramiro de Almeida conquistou uma das bolsas de investigação entregues pela Angelman Syndrome Alliance (ASA) na edição deste ano, no valor de 120 mil euros. A verba vai permitir ao cientista continuar a sua investigação para o reaproveitamento de medicamentos para tratar a Síndrome de Angelman. É Ramiro de Almeida quem explica, nesta entrevista, de que se trata esta doença genética rara e os desafios que os investigadores enfrentam no País. Em Portugal, estima-se que esta síndrome afete cerca de 500 crianças.
"Somos razoavelmente competitivos, mas é necessário investimento" na investigação científica
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- O que é a Síndrome de Angelman? Quantas pessoas afeta em Portugal?

A Síndrome de Angelman é uma condição genética rara que provoca um atraso global de desenvolvimento intelectual e psicomotor.

Entre as características desta síndrome, podemos destacar as que são mais comuns a todos, como o atraso severo no desenvolvimento; ausência de fala; incapacidade de equilíbrio e coordenação dos movimentos, dificultando a marcha; convulsões; personalidade facilmente excitável, com movimentos aleatórios das mãos, hipermotricidade; incapacidade de manter a atenção e problemas de sono.

A causa deste distúrbio é genética, causada pela ausência ou imperfeição no gene UBE3A no alelo materno do cromossoma 15. O produto deste gene é uma proteína chave na passagem de sinais elétricos e químicos entre os neurónios.

Num neurónio humano típico o gene UBE3A, presente no alelo paterno do cromossoma 15, está naturalmente silenciado sendo que a produção desta proteína ocorre através do alelo materno do cromossoma 15.

A Síndrome de Angelman desenvolve-se quando há uma ausência ou imperfeição no alelo materno (quer seja por deleção, imperfeição ou mutação) que impossibilita a produção da proteína UBE3A.

- Quantas pessoas afeta em Portugal?

Estima-se que a prevalência da Síndrome de Angelman seja de 1:20.000 pessoas. Em Portugal, a ANGEL – uma associação sem fins lucrativos que presta auxílio, informação e apoio aos familiares de pessoas com Síndrome de Angelman (SA), bem como a profissionais, técnicos de saúde, investigadores e demais interessados já identificou cerca de 80 casos sendo que, estatisticamente, estima-se que existam cerca de 500 pacientes com SA.

- Em que consiste o seu projeto de investigação sobre a Síndrome de Angelman, agora distinguido com uma bolsa? Que metas procura atingir?

O objetivo deste projeto de investigação é compreender as alterações que ocorrem ao nível das células nervosas na Síndrome de Angelman. O desenvolvimento de estratégias para tratar ou reduzir os sintomas negativos da Síndrome de Angelman só será possível depois de obtermos um conhecimento profundo sobre estas alterações.

Neste sentido, é da maior importância desvendar os mecanismos moleculares e celulares que ocorrem no interior de uma célula nervosa, em particular aqueles que levam à formação de sinapses, as estruturas de comunicação entre os neurónios.

Presentemente já sabemos que na Síndrome de Angelman as sinapses estão “doentes” por isso o desenvolvimento de uma abordagem para a recuperação da conectividade das células nervosas nas regiões cerebrais afetadas é uma área de investigação importante e uma potencial estratégia terapêutica.

Este projeto irá contribuir para identificar os mecanismos moleculares que desencadeiam o aparecimento da Síndrome de Angelman. Com este financiamento vai ser possível continuar a desenvolver uma estratégia de reposicionamento de fármacos para tratar a Síndrome de Angelman.

- Quais têm sido as principais dificuldades no desenvolvimento desta investigação?

O principal obstáculo que temos tido nos estudos sobre a Síndrome de Angelman é sem dúvida a falta de financiamento. Este projeto, agora financiado pela Angelman Syndrome Association, vai-nos permitir finalmente avançar com as nossas ideias que infelizmente estavam estagnadas devido à falta de fundos.

- Como avalia a investigação científica que se desenvolve em Portugal? O que gostaria de ver alterado ou qual pensa ser o caminho a seguir?

A investigação científica em Portugal teve uma evolução muito significativa nos últimos 25 a 30 anos. Neste momento somos razoavelmente competitivos a nível internacional, seja ao nível da investigação realizada seja ao nível da captação de financiamento competitivo.

No entanto, ainda existe um longo caminho a percorrer, o sistema científico nacional depara-se permanentemente com baixos níveis de financiamento, as nossas infraestruturas científicas, principalmente ao nível do equipamento, são pouco desenvolvidas e em muitos casos desatualizadas, para usar um eufemismo.

Os professores universitários são mal pagos e têm uma carga letiva e administrativa enorme, que os impede de dedicarem mais horas aos projetos de investigação. É por isso necessário um investimento significativo em equipamento científico, em recursos humanos e na valorização a vários níveis da carreira docente, só assim poderemos recuperar pelo menos uma parte da disparidade que existe em relação aos nossos parceiros Europeus.

Além de Ramiro de Almeida, outros dois cientistas - Carmen de Caro e Matteo Possati - foram distinguidos com bolsas de apoio à investigação na edição deste ano, no valor de 100 mil e 120 mil euros, respetivamente.

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