Opinião

Temos tudo e não temos nada

O que interessa ir à Lua e organizar um mundial quando vivemos em tendas, medicados com antidepressivos ou ansiolíticos, ou com o que não nos faça sentir. Quando temos um país com um número horrível de crianças e idosos maltratados, tristes e sem esperança... mais valia Sermos Tudo e Não Termos nada.

Temos tudo e não temos nada
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Temos a possibilidade de ir à Lua, temos acesso à informação através de um clique, temos acesso a comida que nos é entregue em minutos. Temos tudo isto e muitas coisas mais. Assim sendo, porque é que sentimos tantas vezes que nos falta algo?

Colocadas as minhas lentes e observando a sociedade atual, parece que na maior parte do tempo vivemos ou sobrevivemos numa realidade que se apresenta em extremos. Cada vez mais, vivemos no 8 ou 80 e não é raro as pessoas referirem que o tempo/clima está bipolar.

Talvez por casualidade…, por se sentir tão presente esta vivência em opostos, o que é certo é que a expressão bipolar se usa cada vez mais no dia a dia.

A perturbação bipolar é uma doença psiquiátrica que se caracteriza por variações do humor, com crises recorrentes entre o humor depressivo e a mania. Faz pensar se os padrões comportamentais que adotamos nos direcionam para estes estados de espírito? Parece que muitas vezes só nos sentimos vivos quando estamos a consumir algo, lícito e/ou ilícito, e deprimimos quando não o fazemos. Que em determinados momentos nos sentimos senhores todos-poderosos, querer é poder, e nos seguintes estamos paralisados e nem sequer conseguimos socializar e sair de casa.

Ao contrário da maioria das pessoas que têm diagnóstico de bipolaridade, que é acompanhada, medicada e de forma geral bastante consciente da sua enfermidade, os restantes vivem em torno de uma bolha, centrados em si, nas suas vidas, nos seus problemas e com uma indiferença perante o outro. Sou eu, ou não é mais ninguém. Tão pouca capacidade de empatia, autorreflexão e autocrítica.

Não temos professores, médicos e enfermeiros, mas isto não nos dá vergonha...

O que é verdade é que temos cada vez mais cientistas e novos talentos nacionais reconhecidos fora do país, o que nos deixa cheios de orgulho e merece honras nacionais, mas não temos professores, médicos e enfermeiros, mas isto não nos dá vergonha...

Somos os escolhidos para organizar mais um evento internacional, o próximo mundial, sim, porque como país já demos provas que somos bons, a JMJ não podia ter corrido melhor, até gastámos menos que o previsto. Então porque não conseguimos resolver a crise da habitação, da pobreza que afeta, dia a dia, um maior número de famílias? Que maus que somos.

A nossa resignação é o fado, temos sempre ao que recorrer, ao fado, às expressões que nos autoconvencem, é o destino, ao conformismo, sempre fomos assim, somos o povo do desenrasca e orgulhamo-nos disso, mas depois gostávamos de ser como os nórdicos… um oposto entre o que fazemos e o que queremos ser. Também é certo que os interesses intrínsecos ao poder e à economia prevalecem aos humanos e cada vez mais essa é a triste realidade. Uma sociedade que se encontra numa clivagem crescente entre ricos e pobres e isso não é destino.

Temos falta dos alicerces, das bases que sempre foram e são o sustento de uma sociedade. A educação, a saúde, o respeito pelos mais velhos, enfim dos valores básicos. Todos, e na sua medida, desde as gerações mais novas às mais velhas, se perguntam para onde caminhamos, qual o motivo da nossa luta diária, o que nos move e motiva?

Teremos resposta para esta pergunta?

Acredito que a maioria não pensa nela e metade não tem tábua de salvação. Escondemo-nos atrás de ecrãs a criticar e a despojar agressividade até que o outro se sinta mal, agredido, deprimido para que eu me sinta melhor. Que triste vivência e pobre busca de felicidade. Enquanto olharmos somente para o nosso umbigo, enquanto olharmos os demais, como ameaça, indiferença … a humanidade não prevalecerá. Somos uma espécie em extinção, pelo menos a de valores.

Temos tudo, temos todas as possibilidades, ferramentas, capacidades, ilusões e não temos nada, não sabemos gerir o que nos é dado e nem sabemos bem, porquê e para que lutamos toda a vida.

O que interessa ir à Lua e organizar um mundial quando vivemos em tendas, medicados com antidepressivos ou ansiolíticos, ou com o que não nos faça sentir. Quando temos um país com um número horrível de crianças e idosos maltratados, tristes e sem esperança... mais valia Sermos Tudo e Não Termos nada.

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