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O que dizem os seus olhos, senhor Presidente?

“Olhem para os olhos dos políticos que falam na televisão. Se olharem para os olhos percebem logo se acreditam mesmo, ou não, naquilo que estão a dizer”. Foi este o truque que o Presidente da República partilhou, há uns dias, com um grupo de jovens que o questionava numa livraria em Lisboa sobre a transparência e o mediatismo na política. Fiquei a pensar nisso. Tenho muitas dúvidas sobre a infalibilidade da dica presidencial, ainda mais, quando aplicada ao próprio.

O que dizem os seus olhos, senhor Presidente?
PEDRO NUNES

Não tenho, por exemplo, a certeza de que o país tenha percebido nos olhos do Presidente da República se o Comandante Supremo das Forças Armadas acredita, de facto, que o ministro da Defesa não tinha obrigação de o informar sobre a investigação de tráfico que envolve militares portugueses. “Pelos vistos, o erro é meu”, atirou Marcelo Rebelo de Sousa, quando confrontado com declarações de João Gomes Cravinho, que tinha acabado de desmentir o Presidente no parlamento.

Depois de o Chefe de Estado ter andado duas semanas a justificar o facto de não ter sido informado com a existência de pareceres jurídicos que recomendavam esse silêncio, o ministro foi dizer aos deputados que afinal não pediu nem recebeu qualquer parecer jurídico e simplesmente não informou o Primeiro-ministro e o Presidente da República, porque considerou que essa comunicação não se impunha.

Perante isto, o que fez o Presidente?

Sorriu e fez um mea culpa. Marcelo Rebelo de Sousa não hesitou um segundo antes de defender que foi o Presidente que ficou com a impressão errada e que apesar de o ministro da Defesa não ser jurista e não ter ouvido a opinião de juristas, teve a interpretação jurídica correta.

Pouco mais de um mês depois de o mesmo Comandante Supremo das Forças Armadas ter puxado dos galões e ter desautorizado o mesmo ministro da Defesa, quando não foi informado de que estava em marcha, nos bastidores, uma substituição antecipada do Chefe do Estado-Maior da Armada, agora o equívoco não parece incomodar o Presidente da República.

Sendo assim, já ninguém deve um pedido de desculpas a ninguém? Não percebi pelo discurso. Os olhos do Presidente também não me ajudaram a perceber.

Mas não é caso único. Também já tinha ficado sem saber o que diziam os olhos do Presidente da República quando antecipou (ou precipitou?) uma crise política, a dissolução do parlamento e o cenário de eleições, duas semanas antes de o Orçamento do Estado ser chumbado e com negociações a decorrer.

Ou o que diziam os olhos do Presidente, quando não quis responder a uma única pergunta dos jornalistas, mas decidiu pagar contas no multibanco, em frente às câmaras de televisão, horas depois de o país saber que acabava de mergulhar numa crise política. Percebi ainda menos quando, já depois do chumbo consumado, o mesmo Presidente que o antecipou em primeira mão disse que acreditou, até ao fim, no desfecho contrário.

Pergunto-me, sobretudo, o que dirão os olhos do Presidente se das próximas eleições sair um parlamento idêntico ao que agora dissolve?

Se recuar ainda mais, também terei de confessar que os olhos do Presidente da República não me esclareceram muito quando Marcelo Rebelo de Sousa chamou a Belém o candidato à liderança do maior partido da oposição, na véspera do chumbo do Orçamento, antes de receber o líder do partido e, acima de tudo, sem o avisar. Ainda menos quando a explicação do Presidente para o episódio foi um sugestivo: “eu sou como sou”.

Marcelo Rebelo de Sousa, 72 anos, até pode estar como é, numa Presidência em alta definição. Mas o que dizem afinal os seus olhos, senhor Presidente?

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