Além Fronteiras

Estigmas, carências e passar do 8 ao 80: Pedro Gonçalves conta como é ser selecionador de Angola

O Além Fronteiras viaja esta semana até Angola para falar com o homem ao leme da seleção angolana, o português Pedro Gonçalves. O treinador fala sobre a vida na capital, Luanda, o estigma que sofreu nos primeiros tempos e como está o futebol angolano.

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Ainda a jogar a CAN (Taça das Nações Africanas), Pedro Gonçalves conta-nos como tem sido a experiência de treinar em Angola. Chegou ao país em 2015, depois de muitos anos a orientar a formação do Sporting, para trabalhar na formação do Grupo Desportivo 1.º de Agosto. O caminho fez-se rápido até à seleção de Angola, primeiro nos sub-17, onde foi campeão da África Austral pela primeira vez, e depois na equipa principal.

É aí que está há cerca de quatro anos e meio a trabalhar com jogadores que primam pela “destreza motora assinalável” que muitos ganharam a brincar na rua. Há uma riqueza motora que os jovens acabam por canalizar para o futebol, afirma, lembrando que as exigências em Angola são outras.

“As exigências estão noutro patamar. Muitos jogadores passaram juventudes complicadas, com carências alimentares e educativas”, aponta.

Como é viver em Angola?

Luanda é uma cidade efervescente, como energia, conta Pedro Gonçalves. Agita-se com o nascer do sol e está “sempre a fervilhar” até ao cair da noite. É gente por todo o lado - "são milhões - que deambulam de um lado para o outro. O trânsito é, muitas vezes, caótico, mas existe uma grande alegria. Viver em Angola é viver com grande sentido de comunidade e partilha, comenta o treinador português, apesar de muitas pessoas viverem com dificuldades.

“Por muito que a vida seja dura, existe sempre uma perspetiva de satisfação e de valorizar as pequenas conquistas”, declara, acrescentando que os portugueses tendem a ser mais pessimistas.

Os primeiros tempos no país africano não foram, no entanto, fáceis. Quando chegou, não tinha qualquer relação com Angola e, na altura, ainda existia na sociedade angolana, segundo relata, "alguns estigmas fruto de circunstâncias históricas".

“Vivi esses estigmas no início, mas acredito que tenho contribuído para quebrar estigmas entre angola e Portugal”, acrescenta.

“Andamos sempre com a casa às costas”


Pedro Gonçalves considera que a falta de infraestruturas é um problema para a seleção angolana, que carece de espaço próprio, dependendo sempre da boa vontade de outros clubes para treinar.

Também considera que a relação entre os clubes e a seleção “nem sempre tem sido fácil” e “acaba por ser um pouco concorrencial”, o que “não é nada benéfico”, explica.

Mas o Girabola, campeonato nacional de futebol de Angola, “é a alegria do povo”, apesar de a mobilização do público aos estádios ser ainda muito fraca. Há clubes grandes que acabam por ter entre 500 a 1.000 adeptos nas bancadas, o que “não é estimulante”.

Com a seleção tem tido mais sorte, com o público a mobilizar-se cada vez mais aos estádios para apoiar Angola.


“O angolano que vai do 8 ao 80”

Pedro Gonçalves considera que, em Angola, rápido se passa de um estado de euforia a um estado depressivo, e vice-versa. E, por isso, conta uma história que ilustra este sentimento.

Estava em 2017, a integrar a primeira competição em Angola (a COSAFA), ainda nem tinha partido para a viagem e já tinha recebido o bilhete de regresso, que era logo a seguir à fase de grupos. Perguntou ao supervisor o que se passava: ‘Mas já temos o bilhete de regresso da fase de grupos? E se passarmos?’.

Isso não vai acontecer, disseram-lhe. Quando participou na CAN, aconteceu o mesmo e foram, mais uma vez, obrigados a mudar o bilhete de regresso.

“É para se perceber o que é passar do 8 ao 80. Quando fomos para o Mundial, aí sim já tínhamos o bilhete para depois da final. Reflete um bocadinho o que é o pensamento em Angola”, concluiu.

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