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Pinto da Costa ou Villas-Boas? Entre a emoção e a razão decide-se o futuro do FC Porto

De um lado, Pinto da Costa pede um 16.º e “certamente último” mandato. Do outro, André Villas-Boas diz que é preciso salvar o clube da “ruína”. A análise das eleições do FC Porto mais aguardadas desde 1982.

Pinto da Costa e André Villas-Boas
Pinto da Costa e André Villas-Boas
Inês M. Borges

11 de maio de 2011. Dia de festa no Porto, onde a cúpula do Dragão ouvia com atenção o discurso do líder. Estavam lá cerca de 500 convidados, entre os quais o então secretário de Estado da Saúde, Manuel Pizarro, e o presidente da Liga de futebol, que ainda era Fernando Gomes. Pinto da Costa, no mesmo lugar que ainda hoje ocupa, abria as celebrações do Jantar dos Campeões com uma dedicatória especial: "No dia em que o nosso treinador foi apresentado tive a certeza que hoje estaríamos aqui".

Aqui, no caso, era a festejar o 25.º campeonato do clube, o segundo dos quatro títulos (Supertaça, Liga, Taça de Portugal e Liga Europa) que viriam a ser conquistados, naquela temporada, pelo homem que fora contratado à Académica de Coimbra, um ano depois de quase ter parado no Sporting. André Villas-Boas estava no que dizia ser a sua "cadeira de sonho" e, se dependesse do presidente, lá ficaria "por muitos anos". "Vi-o nascer para o futebol, sabia das suas capacidades, mas acrescenta à sua competência o facto de ser dragão como todos nós", frisava um emocionado Pinto da Costa.

Depois de 13 anos, os elogios melosos contrastam com as críticas vorazes que são lançadas no mesmo sentido. Villas-Boas foi de aliado à ameaça, porque já não quer a cadeira, mas sim o trono. O antigo treinador é o primeiro a colocar verdadeiramente em causa um reinado que perdura há 42 anos.

“Não há um vencedor seguro”

De um lado, erguem-se as bandeiras da continuidade e da história. Do outro, mudança e modernidade são as palavras de ordem. Aos 86 anos, Pinto da Costa escora-se no passado vencedor – não fosse ele o presidente mais titulado no mundo do futebol - para pedir aos sócios um 16.º e “certamente último” mandato, enquanto Villas-Boas, de 46, só olha para trás para dizer que, a continuar a “gestão danosa” atual, não há “dívida de gratidão” que salve o clube da “ruína”.

Para compreender a dimensão das eleições que decorrem este domingo - em que Nuno Lobo também é candidato -, convidámos Luís Cristóvão, comentador da SIC Notícias, que também foi chamado a destrinchar a época dos dragões dentro das quatro linhas.

“Baseado, sobretudo, na forma como os candidatos se têm comportado e apresentado, creio que existem todos os sinais de que podemos ter uma disputa a sério pela vitória. Não há à partida um vencedor seguro”, diz o comentador sobre a disputa entre os dois principais candidatos às eleições do FC Porto. “O discurso de Pinto da Costa parece dar sinais de alguma insegurança e ansiedade, algo que nem lhe era muito característico”.

Uma sondagem – realizada pela Intercampus para o Correio da Manhã – diz que Villas-Boas será melhor presidente que Pinto da Costa, na opinião de 64% dos inquiridos. A amostra, no entanto, não é limitada ao universo portista e poderá não refletir a real intenção de voto para as eleições, que implicam uma série de dilemas.

Qual é o peso da instabilidade financeira? Qual a influência de uma época negativa no futebol? Quanto valem os troféus que foram sendo colocados no museu durante as últimas décadas? “A gratidão não paga dívidas”, como diz Villas-Boas, ou o que conta é o “Portismo” e a experiência, como repete Pinto da Costa?

Luís Cristóvão acredita que estas eleições estão em algum lugar entre a razão e a emoção, onde o discurso de Pinto da Costa, sempre muito forte, carregado de sentimentos, e muitas vezes na lógica do ‘todos contra nós’, “pode colher ainda alguma simpatia dentro de determinados grupos de associados”, mas onde também a visão de Villas-Boas “faz cada vez mais sentido para o público que vai ao Dragão”.

Pinto da Costa é presidente há 42 anos, período em que aconteceu muita coisa no futebol português, entre as quais o domínio e o grande crescimento do FC Porto. Mas muito mudou na forma de ver o futebol, na forma como vários clubes construíram academias, aumentaram o número de modalidades e de equipas nessas mesmas modalidades, com forte presença de planteis femininos - e a tudo isto Pinto da Costa foi fechando os olhos. Em 2024, alguém que está no poder há 42 anos apresentar uma academia [a tão prometida academia da Maia] e uma equipa de futebol feminina como trunfos eleitorais joga mais contra ele do que a favor, porque, no fundo, é o reconhecimento de um atraso em relação aos rivais”, afirma o comentador.

Contas certas ou “cosmética contabilística”?

Villas-Boas e Pinto da Costa
MIGUEL RIOPA

As contas do clube têm sido um dos pontos mais discutidos em toda a campanha. Depois dos resultados negativos a fechar a época 2022/2023, com o FC Porto a registar capitais negativos de 175.980 milhões de euros (ME), Pinto da Costa garantiu, na apresentação da sua recandidatura, que iria apresentar “resultados francamente positivos” no primeiro semestre de 2023/2024.

Efetivamente, a sociedade anunciou um lucro de 35 milhões de euros, ainda com os capitais próprios negativos a 8,5 ME, na expectativa de torná-los positivos com a entrada dos 9.6 ME dos oitavos de final da Liga dos Campeões. Uma notícia que à primeira vista é claramente positiva para o FC Porto. No entanto, é importante compreender como o clube chegou nestes valores e recuperou quase 170 ME.

Segundo dados públicos retirados de comunicados enviados à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), há três fatores que podem ter influenciado os resultados apresentados: a reavaliação do Estádio do Dragão e dos seus ‘cash flows’, solicitada a “uma conceituada empresa internacional - Crowe Advisory PT – que apurou o valor de 279 milhões de euros”, superando a anterior avaliação de 167 ME; a renovação da titularização dos direitos televisivos, que resultou na antecipação de 54,3 ME; o acordo com a empresa espanhola Ithaka Infra III SL, que vai pagar 65 ME por 30% dos direitos económicos do Estádio do Dragão durante os próximos 25 anos.

Para José Pereira da Costa, candidato a administrador financeiro da lista de Villas-Boas, as contas apresentadas são “uma operação ou cosmética meramente contabilística”, que poderá prejudicar o clube no futuro. Pinto da Costa, quando decide abordar o tema das finanças, faz questão de desmentir as acusações. “Não é para nos salvar as contas, nem para resolver problemas”, respondeu sobre o acordo da exploração comercial do Dragão.

Na última semana, uma notícia do Record deu conta de que o FC Porto incumpriu as regras do fair-play financeiro entre outubro de 2023 e janeiro de 2024 e está exposto a sanções pesadas da UEFA – duas coisas que o clube prontamente negou – tendo mesmo de pagar uma multa em torno dos dois milhões de euros.

Villas-Boas frisou, em entrevista exclusiva à SIC, que “o presidente continua a esconder a realidade dos sócios”, já depois de Pinto da Costa dizer que “o fair play financeiro é uma arma de arremesso da lista rival, com patrocínio de jornais que tudo fazem para eu não seja eleito”, alegando ter “o documento da UEFA a dizer que está tudo em ordem”.

As “lacunas” da pior época da era Conceição

Se a questão financeira é um tanto quanto complexa - e ficam por saber ainda os detalhes da construção da academia da Maia e as conclusões da investigação da CMVM que visa Pinto da Costa pela compra de 1.350 ações da SAD portista a 1 de fevereiro -, há outros fatores que estão à vista de todos: a redução de talento no plantel do FC Porto e as negociações insatisfatórias de jogadores nos últimos tempos.

“Creio que o FC Porto tem lacunas muito evidentes, mas também vejo isso como uma limitação no mercado. Não foi uma boa opção atacar a época com dois centrais [Pepe e Marcano] que, por idade e historial, sabíamos que dificilmente conseguiriam fazer uma época inteira. Nem Fábio Cardoso, nem Zé Pedro, nem David Carmo mostraram nível para serem titular. Otávio [que chegou do Famalicão] é melhor do que todos os outros e por isso joga, mas talvez em outra fase demoraria meses para entrar na equipa”, analisa Luís Cristóvão.

O comentador recorda que, apesar “de uma melhora em termos exibicionais em janeiro”, quando Francisco Conceição e Nico González entram no onze e Sérgio Conceição aposta num 4-2-3-1 como formação base, esta foi uma época “com muitos problemas desde o início”.

“Quando a equipa começa a acertar, já sente claramente que Sporting e Benfica precisavam de perder pontos, e isso nunca aconteceu. Ao nunca ter acontecido - recuperando a frase de Rúben Amorim - o FC Porto foi perdendo a esperança de que poderia chegar ao título”.
O título é uma realidade impossível, que o próprio Pinto da Costa já tinha afastado na última entrevista exclusiva que deu à SIC - quando também disse que “a arbitragem mudou com a candidatura de Villas Boas” -, e a Liga dos Campeões é cada vez mais improvável. A quatro jornadas do fim, o FC Porto está a 18 pontos do Sporting e a 11 do Benfica, com os mesmos 62 do SC Braga, que também luta pelo terceiro lugar.

A equipa do FC Porto, pouco habituada a estar tão prematuramente arredada da disputa pelo título, mostrou-se emocionalmente instável nesta reta final. Quem o diz não é o jornalista, mas um dos principais jogadores da equipa, depois de três jogos consecutivos da Liga (Estoril, Vitória de Guimarães e Famalicão) em que pelo menos um atleta dos dragões viu o cartão vermelho.

“O nosso estado emocional não é o melhor. Temos de olhar para nós. Há muita coisa a melhorar, principalmente na nossa cabeça. Esta não é a melhor forma de representar o Porto”, afirmou o guarda-redes Diogo Costa, após o empate com o Famalicão. Minutos depois, na conferência de imprensa, Sérgio Conceição adotaria um discurso completamente antagónico: “Acho que querem pôr a região Norte um bocadinho fora do mapa do sucesso desportivo”.

Luís Cristóvão considera que “Diogo Costa fez uma autocrítica que o Conceição nunca fez esta temporada e que se calhar já devia ter feito”. A retórica contra os árbitros e contra o “centralismo” de Lisboa não é exclusiva do treinador. É a mesma que Pinto da Costa utilizou várias vezes ao longo das últimas décadas e voltou a repetir após o desaire no Estoril.

“As expulsões são quase incontestáveis, são por protestos, intimidação aos árbitros. Se o Porto tem queixa de arbitragens - e aceito que possa ter em alguns lances - não são esses lances que levam às expulsões. Tem que ver com a forma como a equipa está a reagir aos momentos do jogo. A equipa técnica nunca tentou resolver isso e até mete mais gasolina, a dar razão aos jogadores e a culpar o árbitro”, frisa o comentador da SIC.

Como pagar dívidas e ganhar títulos?

Entre o atual presidente e o postulante ao cargo, existem duas formas de olhar para a mesma realidade. Como em toda eleição, quem está no poder tende a desvalorizar os problemas, enquanto a oposição usa-os como combustível de campanha.

Pinto da Costa reconhece a época negativa do FC Porto, mas garante que a casa está arrumada dentro e fora das quatro linhas, no “bom caminho” para voltar às vitórias, lançando como trunfos a permanência de Sérgio Conceição - que renovou contrato com uma cláusula especial - e de Pepe na próxima temporada, caso seja reeleito.

Para Villas-Boas, que tem alertado para uma “ruína” iminente caso a gestão do clube não se altere, uma das questões mais colocadas tem sido: Como melhorar a situação financeira e, ao mesmo tempo, aumentar a competitividade e lutar por títulos? A solução passa por mudanças estruturais e tem, como o próprio admite, riscos inerentes.

“Tem a ver com olhar primeiro para dentro antes de ir ao mercado. Temos de olhar de outra forma para a nossa formação, precisamos de ter uma cultura de formação bem delineada”, afirmou o antigo treinador à SIC, citando o Barcelona e o Ajax como exemplos. “Há um risco competitivo aliado a isto, mas este é o futuro da sustentabilidade financeira do clube”.

Quem são os nomes fortes das listas?

Para ajudar a cumprir esses objetivos, Villas-Boas aposta no antigo internacional espanhol Andoni Zubizarreta como diretor-desportivo, algo que o FC Porto nunca teve, e Jorge Costa, antigo capitão dos dragões, na liderança do futebol profissional.

A direção de Villas-Boas é composta por Rui Pedroto [filho de José Maria Pedroto, antigo treinador e aliado de Pinto da Costa], João Borges, Tiago Madureira, Francisco Araújo e José Luís Andrade, para vices da direção, e por Alberto Babo, Teresa Figueiras e Joana Machado como vogais.

António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto e ex-deputado do PSD, candidata-se à Mesa da Assembleia Geral pela lista B, ao passo que o Conselho Fiscal e Disciplinar vai ser disputado pelo economista Angelino Ferreira, antigo administrador financeiro da SAD do FC Porto e vice-presidente do clube. Fernando Freire de Sousa, presidente do Conselho Geral da Universidade do Porto e ex-secretário de Estado, encabeça o lote de nomes para o Conselho Superior.

Já Pinto da Costa tem ao lado António Oliveira, João Rafael Koehler, Marta Massada, Vítor Baía, Vítor Hugo e Nuno Namora, para a vice-liderança da direção, e António Borges, Eurico Pinto, Luís Fernandes, Alípio Jorge, Rodrigo Barros ou Rita Moreira como vogais.

José Lourenço Pinto recandidata-se à Mesa da Assembleia Geral, ao passo que Ricardo Valente, vereador da Câmara Municipal do Porto, procura suceder a Jorge Guimarães à frente do Conselho Fiscal e Disciplinar, numa lista A em que Américo Aguiar, cardeal e bispo de Setúbal, sobressai como primeiro elemento indicado para o Conselho Superior.

“Antes de Villas-Boas apresentar o seu programa, não via a sua candidatura tão forte. Um confronto com Pinto da Costa não parecia sequer competitivo, mas as listas, as ideias e as equipas tornam essa eleição muito concorrida. Ele conseguiu encaixar uma série de perfis, todos com provas dadas em áreas diferentes - nas finanças, nos negócios, com experiência na Liga portuguesa - que são fundamentais para a gestão de um clube de futebol de elite (…) Do lado de Pinto da Costa, reconheço que há uma melhora na lista [em relação à do último mandato] e que existem nomes com mais força junto dos adeptos, mas em termo de perfis não sei se está à altura do que Villas-Boas está a construir. Pinto da Costa tenta fazer uma lista que apela muito ao emocional”, considera Luís Cristóvão.
As eleições do FC Porto decorrem este sábado, entre as 09h00 e as 20h00, no Estádio do Dragão. O perímetro em torno do recinto terá acesso exclusivo a sócios do clube, que não podem entrar na fila depois desse período, mas, se estiverem nela à hora limite, podem levar a votação a alongar-se por mais algum tempo.
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