Geração 70

A partir da habitação “podemos salvar a democracia”, mas Portugal falhou no desenho das cidades

Uma conversa com o arquiteto Tiago Mota Saraiva em formato de casa, com várias divisões, onde não podia faltar a da política, onde encaixa o comunismo, o fascismo e o resultado das últimas eleições legislativas, mas também o crescimento do Chega e os problemas do país há várias décadas.

A partir da habitação “podemos salvar a democracia”, mas Portugal falhou no desenho das cidades
José Fernandes

Tiago Mota Saraiva nasceu em 1976, cresceu e viveu no Estoril. O pai trabalhou em vários sindicatos, nomeadamente no sindicato do metalúrgicos, foi artista gráfico e plástico e desenhou alguns dos autocolantes do PPD que fazem parte da coleção de José Pacheco Pereira. Mas era nos centros de congressos do PCP que em criança passava as tardes. Foi através do partido que os pais se conheceram, numa associação de moradores.

Da infância recorda as viagens de carro que fazia “atrás do pai”, no mini vermelho da família. Foi assim que conheceu o país. As viagens eram longas, não havia autoestradas e “se calhar ainda bem”, diz.

Filho de comunistas, garante que nunca foi pressionado a entrar no partido, mas com 18 anos, em 1994, seguiu as pisadas dos pais e tornou-se militante do PCP - até hoje.

“O Partido Comunista vive um momento muito difícil, com causas internas e externas, mas creio que há alguma burguesia a votar no PCP”.

O sonho de construção de uma sociedade igual

As artes sempre estiveram na família e o avô bem que tentou impingir a arquitetura ao pai, mas sem sucesso. Acabou por ser a escolha do neto e está muito ligada ao pensamento comunista, ao “sonho de construção de uma sociedade igual”.

“Se não fosse arquiteto seria matemático”. Tiago Saraiva confessa que quando pensa no momento em que percebeu que queria ser arquiteto lembra-se do bloco de desenhos de “casas de luxo” de um colega de escola de quem até tinha “um certo medo”.


Na faculdade os colegas comentavam que só queriam um atelier aos 50 anos. Hoje, admite que a arquitetura é uma profissão incerta. Trabalha muito para o Estado e confessa que os pagamentos são demorados.

“Passo grande parte da minha vida nessa dor, fica difícil sustentar um escritório e as pessoas que trabalham comigo”.

A pressa nas construções de Pedrógão Grande

Tiago fez parte da equipa responsável pela reconstrução de casas em Pedrógão Grande, depois dos incêndios, e recorda a “pressão” que teve para “despachar tudo” porque o “Presidente Marcelo queria inaugurar”. “O valor da arquitetura é sempre muito desqualificado”, desabafa.

É também professor na Universidade de Lisboa e nos últimos anos tem sido muito crítico do peso que o turismo tem em Portugal. “Há sempre um receio de entrarmos numa turismofobia, mas as sociedades estão, todas elas, feitas e viradas para o turismo”, explica.

“Antes Lisboa inteira sabia que ia à Baixa e encontrava um pouco de tudo, agora não se encontra nada, 'turistificou' e ficou muito cara”.

Os tempos do cavaquismo e do PER

Tiago Saraiva considera que a partir da habitação “podemos salvar a democracia”. Reconhece que é um problema que afeta muitos portugueses e recorda os tempos do cavaquismo e do PER. Acredita que “foram construídas casas que estão agora a ser intervencionadas”.

“Habitação não é só o que está da porta de casa para dentro. Viver em comum é habitação e falhámos no desenho das cidades”.

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.

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