A Beleza das Pequenas Coisas

“Os prémios permitem filmar, mas não dizem nada sobre a qualidade. Não teria dado prémios a metade dos que ganharam os Óscares”

Há dez anos que o realizador João Salaviza, e a companheira Renée Nader Messora, filmam o povo indígena Krahô, no Brasil. A sua nova longa-metragem, “A Flor do Buriti”, que ganhou o “Prix d´Ensemble”, em Cannes, é o resultado dessa longa relação e tem estreia marcada a 23 de março nos cinemas. Salaviza, que já foi premiado por outros filmes com o “Urso de Ouro” e a “Palma de Ouro”, conta-nos nesta entrevista como tudo mudou na sua vida e na sua obra, depois de conhecer Renée e o povo Krahô, que o inspiraram a mudar o foco do seu cinema. Ouçam-no aqui nesta conversa em podcast com Bernardo Mendonça

Matilde Fieschi

Esta conversa com o realizador João Salaviza vai até à Amazónia, mais concretamente até à comunidade da aldeia Pedra Branca, na região Tocantins, no Brasil, onde vive o povo indígena Krahô. Passaram dez anos desde que Salaviza conheceu esta comunidade, através da sua companheira, a realizadora brasileira Renée Nader Messora e, desde aí, a dupla filma os Krahô.

Salaviza começa aqui por recordar o ritual de batismo a que se submeteu, junto com a família, para celebrar a ligação íntima que o une até hoje a este povo.


Como resultado desta troca, surge agora a longa metragem “A Flor do Buriti”, com estreia marcada em todo o país no próximo dia 23 de maio, que integrou a secção “Um certo olhar” e venceu o “Prix d´Ensemble”, que distingue o melhor elenco no Festival de Cannes.

Antes João e Renée realizaram com esta mesma comunidade o “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”, em 2018, também distinguido com o prémio do júri da seção “Um certo olhar”, em Cannes.

“A Flor do Buriti” começa com as dores de parto de uma mulher indígena, na sua cabana, acompanhada pelo som de fundo de um canto de celebração da vida, de toda a aldeia. “É preciso ter filhos, senão o nosso povo acaba” - afirma uma mulher mais à frente.

Esta é a história da luta de resistência de um povo indígena pela terra de onde são originários e que vai até 1940, onde duas crianças Krahô encontram na escuridão da floresta um boi perigosamente perto da sua aldeia.

Eis o prenúncio de um violento massacre, perpetuado pelos fazendeiros da região. Depois, em 1969, durante a Ditadura Militar, o Estado Brasileiro incita muitos dos sobreviventes a integrarem uma unidade militar. E seguem-se muitas décadas de abusos, violências e ataques contra estes povos originários.

Hoje, diante de velhas e novas ameaças, os Krahô seguem a caminhada sobre a sua terra sagrada - e sangrada - reinventando diariamente as infinitas formas de resistência contra as ameaças, invasões, roubos e assassinatos dos “Coupé”, como são chamados os fazendeiros e peões brancos, movidos pela ganância do lucro e pelo desmatamento e exploração cega da região, sem regras e sem limites, que compromete a vida dos seus povos, do seu país e do planeta.

Neste episódio, João Salaviza conta como a sua vida e o seu cinema mudaram profundamente desde que conheceu Renée, e esta comunidade indígena brasileira, os Krahô. Olhando pelo retrovisor, recorde-se que “Montanha” foi a primeira longa-metragem de João Salaviza, estreada no Festival de Veneza, em 2015, no seguimento das curtas-metragens RAFA (que foi Urso de Ouro na Berlinale 2012) e de ARENA ( que foi Palma de Ouro em Cannes, em 2009).

Filmes que abordavam as dores de crescimento da adolescência e suas prisões, desafios na cidade, nos bairros e nos lugares onde João cresceu e se movimentou. Foi a fase do fascínio por filmar os edifícios de Lisboa e uma certa juventude. E, desde 2014, quando Salavisa conheceu o povo Krahô mudou radicalmente a temática e ângulo dos seus filmes.

Tudo passou a ganhar mais sentido, mais significado e intensidade assim? Como passou João a encarar o seu papel na arte e na indústria do cinema, feita tantas vezes de concursos, financiamentos e prémios, de egos e vaidades, de Óscares e ursos, depois de conhecer de perto a filosofia de vida dos Krahô? Salaviza responde a tudo isto e ainda mais.

Nesta segunda parte, o realizador João Salaviza partilha mais sobre a experiência imersiva de viver durante parte do ano numa aldeia de povos indígenas, que já o batizaram com o nome de um guerreiro mítico Krahô, é o “Ua-Ua”. João fala ainda de como a sua filha, a Mira, lhes permitiu aceder ao mundo mágico das crianças indígenas, o que trouxe mais densidade e verdade ao filme. Como tem sido essa troca? O que tem ganho o seu cinema com isso? Qual a grande lição que os Krahô lhe passaram e que trouxe para a vida e para a forma como filma? Salaviza responde fala ainda dos desafios vividos durante os 15 meses das filmagens de “A Flor do Buriti” e reflete sobre o período difícil que os Krahô enfrentaram durante a problemática governação de Bolsonaro e a pandemia.

E há ainda lugar para boas sugestões: Salaviza revela qual o último filme que o arrebatou, qual o livro que o marcou recentemente (sobre o qual lê um excerto) e as músicas que o acompanham. SPOILER: Uma delas é um canto do povo Krahô.

Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Tomás Almeida. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.

Até para a semana e boas escutas!

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