Quando entrei na Tanzânia, também conhecida por país do Mambo pelo uso desta palavra como cumprimento generalizado entre todos, não antevi aquele que seria o mês mais difícil de toda a minha viagem em África.
Apesar das belezas das savanas, nos seus mais diversos tons de verde, e da simpatia e prontidão daquelas gentes, foi um tormento atravessar o país. Os meus pensamentos apontavam constantemente para o futuro quase imediato que seria atravessar o Quénia de seguida, e depois entrar na Etiópia e no Sudão. Sabia que estes dois países seriam muito difíceis de cruzar e, eventualmente, poderiam colocar um ponto final na minha viagem.
Ansiedade ofuscou parte da viagem
A busca de soluções para conseguir entrar nestes países ocupou a minha cabeça, de tal forma, que fico agora com a ideia de que atravessei a Tanzânia sem usufruir da paisagem que me foi dada.
Lembro-me apenas da tranquilidade e do cuidado das pessoas, dos tons, os cheiros e as cores, mas muitos dos detalhes ficaram ofuscados pela ansiedade dos meus pensamentos que me causaram um sofrimento por antecipação perfeitamente desnecessário.
De súbito, durante a travessia da Tanzânia, a irritabilidade foi aumentando, provavelmente, também, pelo cansaço acumulado que se juntou aos péssimos pensamentos que me povoavam a cabeça numa mistura explosiva de impaciência que fazia todas as qualidades daquele país e daquelas pessoas serem, de repente, incomodativas.
Mesmo assim, aproveitando a vantagem de atravessar o país numa bicicleta elétrica e conseguindo observar muitas das mais de 120 tribos e grupos étnicos que a Tanzânia tem, tive a oportunidade, nos últimos dias, naquele país, de conhecer melhor o seu povo e uma das tribos mais conhecidas naquela região: a tribo Massai. Foi a ver como viviam em comunidade que me voltei a motivar e a arranjar forças para continuar.
Apesar de já conhecer muitas das tradições e costumes do povo daquela tribo, aqueles momentos foram fundamentais e mostraram-me outras formas de viver com tranquilidade e com o tempo que nos parece cada vez mais fugaz.
Assaltado numa das ruas caóticas de Nairobi
À chegada ao Quénia fotografei os projetos da EDP de acesso à energia limpa em escolas. E logo após a minha chegada a Nairobi fui assaltado em andamento numa das ruas caóticas desta capital africana. Por puxão, levaram-me o telemóvel o que me fez passar três dias seguidos a caminhar para uma esquadra da polícia que, como seria de esperar, nada resolveu. O tratamento do caso, pela polícia, seria digno de um filme.
Aproveitei aqueles dias em Nairobi para encetar contactos e estudar uma alternativa para chegar ao Egito evitando o Sudão, que continua, infelizmente, em guerra civil e com as fronteiras fechadas.
Considerei a Etiópia, como alternativa, mas aquele país tem sofrido, também, nos últimos meses, vários ataques de guerrilhas nas estradas, e mesmo que eu arriscasse essa estratégia, colocando-me em perigo, teria de pagar alguns milhares de euros para me deixarem passar com a bicicleta na fronteira. Essa alternativa levar-me-ia a arriscar pedalar diariamente pelas colinas verdes na esperança de que nenhum ataque acontecesse pelo caminho.
O espírito de exploração e a busca por um mundo melhor persistem
Se, eventualmente, chegasse a Djibouti atravessaria o Mar Vermelho de barco até ao Iémen, outro país instável e pouco convidativo a travessias de bicicleta elétrica, para chegar à fronteira com a Arábia Saudita em direção a Jeddah para apanhar outro barco para o Egito, onde poderia, ou não, ser barrado à entrada por causa da bicicleta ou outra qualquer razão do momento.
Não havia solução. Descobri isso nos dias que passei em Nairobi à espera que alguma luz se fizesse para eu continuar a viagem. A vontade de terminar o que me propus fazer era imensa, mas muito menor que a vontade de viver e poder contar esta “meia” aventura na primeira pessoa.
Apesar da frustração e tristeza, a essência desta viagem permanece. O espírito de exploração e a busca por um mundo melhor persistem. Vou continuar a contar todas as histórias que vivi ao longo dos últimos quatro meses, relembrar todas as pessoas fantásticas que tive a oportunidade de conhecer e, principalmente, continuar a alertar para as alterações climáticas e lutar por um mundo melhor.
Neste fim inesperado, olho para trás e sinto-me feliz, realizado e transformado, não apenas por ter embarcado num projeto incrível, nunca antes feito, mas porque durante este caminho aprendi a olhar para a sustentabilidade de uma forma mais real e prática.
Esta crónica marca o fim de uma viagem que gostava de ter cumprido como a sonhei. Mas como nem sempre os sonhos se realizam ficam as lembranças deste percurso de mais de seis mil quilómetros, de Cape Town a Nairobi numa bicicleta elétrica, a fim de promover a luta por um mundo melhor.