De Cape Town ao Cairo

Um Botswana distante do que tinha imaginado, valeu-me a companhia de elefantes, girafas e antílopes

Observar leões a um metro de distância, centenas de elefantes a beberem água junto ao rio, o rugido dos hipopótamos e a graciosa corrida das girafas enriqueceram a minha memória, e a minha máquina fotográfica captou momentos que nunca irei esquecer. Mas também houve dias de tristeza, desânimo e falta de motivação.

Um Botswana distante do que tinha imaginado, valeu-me a companhia de elefantes, girafas e antílopes
DANIEL RODRIGUES

Ao atravessar a fronteira entre a Namíbia e o Botswana, fui recebido por um dia de calor após noites de frio intenso e ventos rigorosos que me trouxeram à lembrança a nortada da Póvoa.

O calor que senti e as saudades de casa davam-me agora novo fôlego para entrar no Botswana, o meu terceiro país nesta aventura africana e pelo qual guardava maior expectativa.

DANIEL RODRIGUES

A perspetiva de descobrir vida selvagem exuberante e a experiência de encontros inesperados com elefantes, girafas ou zebras, entre outros animais que sabia por ali existirem, eram motivos para pedalar país adentro.

Contudo, a viagem foi revelando um Botswana muito distante do que tinha imaginado. E embora tivesse encontrado os mais diversos animais selvagens nas beiras de muitas das estradas que percorri, não me senti tão envolvido por esta travessia como acontecera noutras paragens.

O Chobe National Park, uma das atrações deste país, é um lugar único pela beleza da vida selvagem que ali encontrei. Os dias lá passados ficarão, certamente, guardados na minha memória, ao lado da tristeza crescente que me foi invadindo ao longo de quilómetros pelas estradas deste país.

DANIEL RODRIGUES

Encontros desagradáveis no Botswana

Tinha deixado um país onde a simpatia, a atenção e a alegria das pessoas eram contagiantes. Agora, no Botswana, deparava-me com estradas ladeadas de lixo e pessoas, de forma geral, hostis. À medida que os dias avançavam, percebi que a falta de cuidado com o lixo, e as atitudes daqueles habitantes, eram uma marca do país.

Esse padrão manifestou-se logo nos primeiros 8 km de solo botswaniano, na primeira localidade onde parei para pernoitar. A funcionária do posto de combustível, de sorriso ausente, foi a pessoa mais amarga que encontrei desde o início da minha viagem.

De seguida, ao chegar perto de uma guesthouse fui expulso pelos gritos de uma senhora que nem me deixou aproximar do edifício dizendo que não me queria ali. Estes dois episódios foram apenas os primeiros numa série de encontros desagradáveis com aquele povo.

DANIEL RODRIGUES

Poucos gestos amáveis resultavam daqueles encontros, mas as excepções, uma vez mais, confirmavam a regra, através das pessoas que me permitiam carregar as baterias da minha BEEQ, montar a minha tenda para pernoitar ao longo da viagem ou oferecerem-me Shima (farinha de milho) como fizeram os seguranças das antenas telefónicas que encontrei numa das viagens naquele país.

“Saltei da bicicleta, encostei-me a uma árvore e chorei durante algum tempo”

A paisagem monótona, o lixo acumulado na berma das estradas, os encontros hostis, os ventos persistentes e as horas de reflexão solitária acabaram por corroer a minha resistência.

Seguiram-se dias de tristeza, desânimo e falta de motivação. Aquela era a minha rotina. Sentia-me empurrado apenas pela necessidade de alcançar o próximo destino, a norte do país, enfrentando as retas infindáveis do Botswana.

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A cada quilómetro, afundava-me mais em pensamentos que minavam as minhas forças num turbilhão de angústia que culminou numa manhã em que desisti e parei. Saltei da bicicleta, encostei-me a uma árvore e chorei durante algum tempo. Não tinha força para continuar a pedalar.

Sei agora que esse momento de exaustão e fragilidade emocional foi o ponto de viragem. A partir dali a minha atitude em relação ao que restava daquele percurso começou a mudar.

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Os dias tornaram-se menos sombrios e até me lembro da felicidade que senti quando dezenas de zebras e elefantes surgiram à beira da estrada. As zebras, naturalmente assustadas, fugiam de mim, mas eu apenas as via correrem ao meu lado durante minutos, como companheiras de viagem.

Essa corrida, ao entardecer, com aquela poeira ocre que se levantava do rasto, revitalizou a minha motivação e auto-estima.

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Esse momento tornou-se inesquecível, um marco na minha jornada. Os elefantes, girafas e antílopes a surgirem na berma da estrada, com regularidade, como se fizessem a viagem comigo, lembravam-me da importância de continuar. Foram momentos de tão pura alegria que nem uma manada de elefantes, a atravessar a estrada à minha frente, me causava medo, ao contrário, era uma alegria.

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A maior população de elefantes no mundo

Finalmente, cheguei ao lar da maior população de elefantes no mundo; o Chobe National Park. Ali fiquei instalado no Chobe Game Lodge, um exemplo pioneiro de sustentabilidade e compromisso ambiental.

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Aquele lodge é mais do que um local de estadia. Desde a energia solar, utilizada para movimentar os barcos que proporcionam aos hóspedes a oportunidade de observar elefantes e outros animais selvagens junto ao rio, até aos veículos todo-o-terreno elétricos, usados para os safaris matinais nas visitas aos leões, tudo é pensado para minimizar o impacto ambiental.

As garrafas de vidro dos hóspedes não são apenas descartadas; são transformadas em tijolos que contribuem para a construção das diversas estruturas do edifício, demonstrando como os resíduos podem ser utilizados de forma criativa e sustentável.

DANIEL RODRIGUES

O Chobe Game Lodge também promove a igualdade de género sendo o primeiro lodge a ter exclusivamente guias femininas nos safaris, destacando o papel fundamental das mulheres na conservação e educação ambiental.

DANIEL RODRIGUES

A minha máquina fotográfica captou momentos que nunca irei esquecer

Desde os tempos em que assistia, aos domingos de manhã, a documentários sobre vida selvagem na SIC, sonhava com um safari. Esse sonho concretizou-se, e de forma sustentável.

Observar leões a um metro de distância, centenas de elefantes a beberem água junto ao rio, o rugido dos hipopótamos e a graciosa corrida das girafas enriqueceram a minha memória, e a minha máquina fotográfica captou momentos que nunca irei esquecer.

A experiência junto destes animais e das pessoas calorosas do Chobe National Park dissiparam as sombras dos dias difíceis no Botswana. Foram momentos duros e tristes, os mais intensos desde o início da minha viagem.

Momentos que me fizeram pensar, por várias vezes, em desistir, que me fizeram chorar e gritar na vastidão das retas do país.

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A minha jornada não vai ser um caminho sem obstáculos e eu sei disso desde o início. Felizmente agora estou bem, recuperado, feliz e cheio de energia para enfrentar os milhares de quilómetros que ainda me esperam.

Agora, despeço-me das retas desertas e vou entrar na África profunda, repleta de vida. O próximo destino é a Zâmbia, mas antes disso, faço um pequeno desvio que não estava previsto; vou ao Zimbabué visitar as Victoria Falls.

Atravessar África numa bicicleta elétrica para promover o uso dos meios de transporte sustentáveis, reduzir a pegada ecológica e conscientizar a sociedade para as alterações climáticas. Daniel Rodrigues relata a viagem De Capetown ao Cairo, pioneira, de 14 mil quilómetros.

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