Saúde Mental

Alzheimer: a polémica sobre o medicamento aprovado nos EUA e as dúvidas acerca da origem da doença

O processo patológico que afeta o cérebro na doença de Alzheimer pode começar na meia-idade, mas alguns cuidados podem ajudar a diminuir o risco de desenvolver este tipo de demência. Saiba quais.

Alzheimer: a polémica sobre o medicamento aprovado nos EUA e as dúvidas acerca da origem da doença
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A doença de Alzheimer pode começar décadas antes de surgirem sinais de declínio da memória, esta é a opinião de vários investigadores. A notícia de um novo medicamento contra o Alzheimer aprovado nos Estados Unidos, o primeiro em quase duas décadas, fez agitar a comunidade científica. As dúvidas sobre a eficácia deste fármaco são muitas e questiona-se também aquela que tem sido a teoria mais consensual para a origem da doença, que é a forma mais comum de demência e atinge cerca de 35 milhões em todo mundo.

Perminder Sachdev, professor de Neuropsiquiatria da Universidade Nova Gales do Sul, na Austrália, e especialista na área da demência, acredita que o processo patológico que afeta o cérebro na doença de Alzheimer pode começar na meia-idade, admitindo mesmo que possa ter início aos 40 anos. Assim, tudo indica que esta não seja uma situação que só surja na terceira idade. Sabe-se que o Alzheimer não tem cura, mas há formas de atrasar a deterioração da memória e da perda de autonomia.

A origem deste tipo de demência também continua a levantar dúvidas. As investigações indicam que os doentes de Alzheimer apresentam placas de proteínas, designadas por beta-amiloides, que se desenvolvem em torno dos neurónios acabando por os destruir. O que continua por perceber é se essas placas são causa ou consequência da patologia.

Durante muito tempo, a teoria da “cascata amiloide” explicava que o Alzheimer se devia à formação destas placas de beta-amiloides, mas recentemente esta hipótese formulada pelo biólogo britânico John Hardy, há cerca de 30 anos, tem sido questionada.

Um estudo publicado no início deste mês na revista Nature Neuroscience questiona o papel destas placas de proteínas e defende que a doença de Alzheimer tem origem no interior dos neurónios e não no exterior. Esta investigação, feita com base em testes em pequenos roedores geneticamente modificados, terá ainda de ser confirmada em humanos, pelo que abala mas não altera para já a teoria mais consensual na comunidade científica sobre o Alzheimer.

Tem sido com base na teoria de que a beta-amiloide é uma das principais causas do Alzheimer que a indústria farmacêutica tem tentado desenvolver medicamentos para a doença. Os fármacos visam retardar ou interromper o processo neurodegenerativo, removendo o excesso de proteína.

Pelo menos durante duas décadas, todas as drogas anti-amiloides produzidas pela indústria farmacêutica foram incapazes de provar que podem interromper ou retardar o declínio cognitivo. Uma das hipóteses é que os testes dos medicamentos tenham sido realizados muito tarde, numa altura em que a doença já tenha causado danos irreversíveis.

“Agora entendemos que devemos começar mais cedo, antes do início do comprometimento cognitivo nos estágios pré-clínicos da doença”, disse ao jornal australiano ABC Colin Masters, pioneiro da pesquisa sobre a proteína beta-amiloide, do Florey Institute, instituição australiana de referência na área da Neurociência e da Saúde Mental.

Estudos recentes já têm incluído pessoas que não apresentam sintomas da doença de Alzheimer, mas que podem estar em risco devido ao histórico familiar e outros indicadores, incluindo um estudo do cérebro que mostre alguma acumulação da proteína beta-amiloide.

Aducanumab, o fármaco aprovado pela agência norte-americana do medicamento

Nos Estados Unidos, ensaios clínicos da Biogen com o medicamento aducanumab foram interrompidos em 2019 porque um comité independente concluiu que não havia evidência clínica suficiente de benefícios para os doentes de Alzheimer.

A Biogen voltou a reanalisar os dados e garantiu que encontrou benefícios, solicitou à Food and Drug Administration (FDA, agência norte-americana do medicamento) a aprovação do fármaco. O comité independente de especialistas rejeitou a solicitação quase por unanimidade por receio de efeitos colaterais, dado que foram reportados casos de inchaço e hemorragia no cérebro de alguns participantes.

Apesar do conselho do comité independente de especialistas, a FDA deu luz verde ao aducanumab. A decisão polémica foi alvo de protesto, o professor da Universidade de Washington, Joel Perlmutter, renunciou ao cargo no comité de especialistas em reação à decisão.

“Eu não iria prescrever este medicamento para mim, nem para qualquer pessoa da minha família pela ausência de benefício e pelo risco substancial de efeitos colaterais”, considerou Joel Perlmutter, citado em vários jornais norte-americanos.

Apesar de toda a polémica e de vários especialistas consideraram que os dados disponíveis são insuficientes para confiar na eficácia do tratamento, o aducanumab foi o primeiro novo medicamento para a doença de Alzheimer aprovado nos Estados Unidos nos últimos 18 anos e o primeiro que visa tratar a própria doença e não apenas os sintomas.

“O aducanumab é um anticorpo humano mono‑clonal para o tratamento da doença de Alzheimer, desenvolvido pela Biogen. Este anticorpo é dirigido seletivamente para as formas agregadas do amiloide beta (Aβ), incluindo os oligómeros solúveis e as fibrilhas insolúveis. Foi desenvolvido de forma inovadora, a partir de linfócitos sanguíneos de uma população de idosos sem sinais de deficiência cognitiva ou com declínio cognitivo invulgarmente lento”, pode ler-se num artigo da especialidade, de João Paulo Rema e Frederico Simões do Couto, publicado na Revista Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.

A FDA deu luz verde ao medicamento, mas exigiu um novo ensaio clínico, pós-autorização. A agência norte-americana admite que há poucas provas sobre a eficácia do medicamento, daí a aprovação ser condicional. O ensaio clínico pós-comercialização exigido à Biogen pode levar anos a ser concluído. De acordo com o The New York Times, a FDA poderá vir a retirar a autorização ao fármaco, caso os resultados não sejam satisfatórios.

O que pode ajudar a diminuir o risco de desenvolver Alzheimer?

Enquanto não existe um fármaco consensual para o tratamento da doença, há algumas estratégias que podem ajudar a atrasar a deterioração da memória e da perda de autonomia. O Alzheimer afeta aos poucos as funções cognitivas. A doença atinge nomeadamente a capacidade mental, a fala e a realização de atividades quotidianas.

É mais comum a partir dos 65 anos, mas a ciência tem demonstrado que a adoção de um estilo de vida saudável pode ajudar na prevenção do Alzheimer. Várias pesquisas indicam que os seguintes cuidados podem ser eficazes:

  • Praticar exercício físico que, entre outros benefícios, é fundamental para a saúde do cérebro. Cuidar da alimentação e fazer exercício regularmente contribuem para retardar o aparecimento da doença.
  • Além da inatividade física, também a mental pode contribuir para o surgimento do Alzheimer. Assim, é importante exercitar a mente, seja através da leitura, jogos de palavras cruzadas, puzzles, xadrez ou outros exercícios cognitivos e de memória.
  • É importante manter o peso e pressão arterial em valores normais. A hipertensão arterial e a hiperglicemia estão entre os fatores de risco, pelo que devem ser controladas.
  • Os relacionamentos sociais são relevantes para evitar ou retardar o aparecimento da doença. O convívio entre familiares e amigos e a participação em atividades culturais são uma ajuda para manter o cérebro mais ativo e combater o Alzheimer.
  • O tabagismo e o consumo excessivo de álcool também surgem como fatores de risco, sendo mais um dos motivos pelos quais são totalmente desaconselhados.

De acordo com uma publicação da Acta Médica Portuguesa, Revista Científica da Ordem dos Médicos, o número estimado de portugueses com demência, com mais de 60 anos, foi superior a 160 mil, dos quais 50 a 70% com Alzheimer, segundo dados relativos a 2013.

Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado em setembro do ano passado indicava que 55 milhões de pessoas em todo o mundo com mais de 65 anos tinham demência (cerca de 35 milhões com Alzheimer), projetando 139 milhões para 2050.

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