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Conceição faz um favor mas tem uma obrigação

Opinião de João Rosado. No dia em que o Sporting bateu um recorde, Sérgio “escondeu” 50 milhões que precisa de recuperar.
Conceição faz um favor mas tem uma obrigação
Zac Goodwin - PA Images

Se houvesse um troféu para cada recorde, o museu de Alvalade já tinha mais uma peça, tão discreta quanto a cobertura mediática da proeza registada ontem na sede da Euronext, em Lisboa.

Numa cerimónia que contou com a presença de Frederico Varandas e dos administradores Francisco Salgado Zenha e André Bernardo, o Sporting anunciou um empréstimo obrigacionista que chegou aos 50 milhões de euros graças à subscrição das “Obrigações Sporting SAD 2024-2027”.

Sporting CP

Nunca a emissão de dívida pelo clube tinha atingido um montante semelhante e nunca a dispersão da subscrição tinha chegado a um número (4242) tão elevado de investidores.

Num país mais sensível às vitórias na pasta das Finanças, o “excedente” leonino não teria sido esbatido pelas surpreendentes notícias que vieram de Espanha e que envolveram Sérgio Conceição, acusado de agressão a um autarca de Cartaya (Huelva) durante a final de um torneio de benjamins em que participava o seu filho Moisés Conceição.

Mas Portugal não é esse país e... Frederico Varandas agradece que assim seja. Como sempre tem acontecido nesta temporada, o Sporting faz passar competência e bom futebol pelos pingos da chuva e reza para ser o foco das atenções apenas e só quando estiver concluída a 34.ª jornada.

Em certa medida, o líder do campeonato até preferiria que Gonçalo Inácio continuasse hoje no banco de Portugal, deixando para António Silva, Danilo e Diogo Leite a disputa pelos lugares ainda em aberto na defesa que Roberto Martínez vai escalar para o confronto em Liubliana.

Na véspera de uma exigente deslocação à Amadora e de dois confrontos seguidos com o Benfica (o primeiro a contar para as meias-finais da Taça de Portugal), Rúben Amorim emprestaria o seu aplauso à poupança de Inácio, em respeito por uma espécie de anonimato que tantos pontos têm proporcionado ao mais sério candidato ao título.

VERDY E BRANCO

E isto em nada colide com a intenção de a médio prazo tirar partido da exposição internacional do central que aos 22 anos tem tudo para figurar no lote de finalistas do Euro’2024. Tenha ou não muitos minutos nos jogos de preparação, Gonçalo, em condições normais, será escalado por Portugal a 20 de maio próximo e arrisca-se a regressar a casa por um curtíssimo período.

Com uma cláusula de rescisão estipulada em 60 milhões de euros, o jovem canhoto, formado em Alcochete, reúne um perfil muito requisitado e ao lado de Ousmane Diomande (dois anos mais novo e resgatado ao Mafra, emblema da II Liga) constitui-se como a prova provada quer de um inteligente planeamento quer de uma abordagem no mercado das transferências que não deixa pistas e que não gosta dos holofotes.

As “descobertas” de Viktor Gyokeres (contratado no segundo escalão inglês) e de Morten Hjulmand (que estava num clube que luta para não descer em Itália) representam outros exemplos do ótimo trabalho feito na “clandestinidade” pelo departamento de prospeção. Nesta altura da época, um jogador como Manuel Ugarte, face à liderança exercida por Hjulmand, parece ter caído no esquecimento dos sportinguistas, enquanto Gyokeres dispensa grandes projeções ou grandes dúvidas sobre o protagonista de 2023/24.

SOPA Images

Levando em conta as características atléticas, a invulgar capacidade de finalização, a qualidade técnica e a imparável fogosidade ante os defesas, o futebol português não rejubilava com um artilheiro com o ADN do sueco desde os tempos do incrível Hulk.

Resgatado em 2008 pelo FC Porto ao Tokyo Verdy (tinha de ser verdy, diria Gyokeres...) a troco de míseros 5 milhões de euros, Hulk acabaria por custar mais 14 milhões à SAD azul e branca, compensando todo o dinheiro que saiu da Invicta com um retorno dentro de campo que fez saltar da cadeira André Villas-Boas e todos os portistas que vibraram com uma Liga Europa, quatro Campeonatos, quatro Supertaças e três Taças de Portugal.

Paulo Duarte

DO ATLÉTICO AOS URAIS

Não por acaso, o Zenit, um ano antes de contratar... Villas-Boas, pagou 40 milhões pelo avançado brasileiro, permitindo que Jorge Nuno Pinto da Costa achasse “baixos” os 19 milhões de euros que traduziram o custo total da aquisição de um atleta que em 2026 fechará o ciclo no Atlético Mineiro. Há um mês, o possante Givanildo Vieira de Souza renovou contrato com o “Galo” mais famoso do Brasil e quando tiver 40 anos ver-se-á se também concluirá uma carreira que se tem estendido assim, quase do Atlético aos Urais.

Hulk, em Belo Horizonte, faz de Pepe, com a vantagem de usufruir de um precioso distanciamento face à poluição sonora que tem caracterizado o clima eleitoral no FC Porto. Pinto da Costa já deu a entender várias vezes que a equipa de 2011 com os Hulks, os James e os Falcões dispensava treinador, Villas-Boas vaticinou a incapacidade física do atual presidente para aguentar mais um mandato, Jorge Nuno não reconheceu nenhuma espécie de “paternidade” ao grande rival de sufrágio e até o nome de José Maria Pedroto foi inacreditavelmente envolvido num combate sem tréguas e sobretudo desprovido de ética.

Para todo este cenário ficar completo, só faltava mesmo a intromissão de uma terceira potência, prestando-se Frederico Varandas ao trabalho de aumentar o volume do ruído em casa alheia, algo que escaparia à compreensão de um Orkun Kokçu destas andanças. No rescaldo da tristemente famosa Assembleia Geral de 13 de novembro de 2023, Varandas considerou que os “adeptos (portistas) acordaram para a vida”, não escondendo a preferência a propósito do nome do vencedor das eleições marcadas para 27 de abril.

O pior que podia acontecer ao presidente do Sporting era assistir na tribuna do Dragão à festa de aclamação do octogenário Pinto da Costa na linha do 16.º mandato. Menos de 24 horas depois do despejo das urnas, convém recordar, realiza-se um FC Porto-Sporting que tem tudo para ser um desafio decisivo na luta pelo título e pela qualificação para as pré-eliminatórias da Liga dos Campeões.

Garantir um lugar na prova rainha da UEFA assegura a grandeza dos maiores clubes nacionais e deixa no ar a possibilidade de um encaixe superior a 50 milhões de euros. Ou seja, não se trata de um empréstimo. Trata-se da maior obrigação. E a essa nem Sérgio Conceição pode escapar.

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