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Cristiano “pornográfico”, não obsceno

Opinião de João Rosado. Habituado a pulverizar recordes e a atingir números estratosféricos, Ronaldo não deveria dar ouvidos à claque de Messi.

Cristiano “pornográfico”, não obsceno
Yasser Bakhsh

Só os números garantem a unanimidade no futebol.

Não conseguem mentir. Quando muito, uns são classificados como “pornográficos” e outros entram na categoria dos “obscenos”.

Se a França consegue no caminho para o Alemanha’2024 vencer Gibraltar por 14-0, o mundo curva-se perante a superioridade gaulesa e só se preocupa em saber quantos Kylian Mbappé anotou no rochedo de papel. Estamos no domínio da “pornografia”, dos recordes que se pulverizam. Poucos se interessam em chamar a atenção para a falta de competitividade de um torneio que cresce quantitativamente e que logo à nascença faz aumentar o fosso entre países.

Portugal também tem na pele as suas responsabilidades. A seleção nacional, no Grupo J de apuramento, ajudou o Liechtenstein a marcar... um golo em 10 jogos e a sofrer outras tantas derrotas. Aconteceu o mesmo com Andorra no Grupo I, com San Marino no Grupo H, e até a Bulgária, há 30 anos semifinalista do Campeonato do Mundo organizado pelos Estados Unidos, concluiu o Grupo G com... zero vitórias e quatro empates depois de cumpridos oito desafios.

Romelu Lukaku fez o dobro (14) dos golos apontados por outra irreconhecível geração pós-Stoichkov e o mundo só se preocupou em saber se o recorde de David Healy e Robert Lewandowski estava quase a cair.

Para gáudio dos mestres do algoritmo, foi uma questão de (pouco) tempo. Os 14 tentos do antigo artilheiro de Roberto Martínez na Bélgica permitiram ao... antigo artilheiro de José Mourinho na Roma estabelecer um novo máximo no quadro de qualificação para um Campeonato da Europa, deixando para trás a proeza (13 tiros certeiros) do norte-irlandês Healy na campanha para o Euro’2008 (onde não esteve a... Irlanda do Norte) e do polaco Lewandovski na procura de um bilhete para o Euro’2016.

Continuamos no domínio da “pornografia”, dos recordes que se pulverizam. Não interessa se o magnífico Lukaku marcou quatro dos 14 golos em 21 minutos de intenso assalto à baliza do frágil Azerbaijão e tão-pouco importa se a “traição” de Mbappé a Nasser Al-Khelaifi, a Emmanuel Macron, ao PSG e quiçá a toda a França vai ser à custa de qualquer coisa como 500 milhões de euros, contabilizando já todas as despesas inerentes aos cinco anos de fidelização ao Santiago Bernabéu.

CHAMA-O O FIGO

Por uma verba que quase dava para pagar de uma assentada os maiores passivos do futebol português (Benfica e FC Porto são os... recordistas), o Real Madrid prepara-se para satisfazer os pedidos de Luís Figo e iluminar de branco a Torre Eiffel numa operação que encontra um paralelo perfeito com aquela que há 15 anos desencadeou quando foi a Manchester convencer um galáctico chamado Cristiano Ronaldo.

Tetracampeão europeu, tricampeão mundial e bicampeão de Espanha ao serviço de um clube em que figura como o maior goleador de todos os tempos (451 golos em... 438 jogos), Cristiano espatifou todos os feitos que estavam por espatifar e foi preciso deixar a Europa e jogar na Arábia Saudita para passar de registos “pornográficos” a registos “obscenos”.

Ao festejar com a camisola do Al Nassr 54 golos em 59 jogos, CR7 cotou-se como o melhor marcador mundial do último ano civil (à frente do inévitable Mbappé e de Haaland), mas o mundo lembra-se muito mais daquilo que em abril de 2023 foi captado por uma câmara discreta num dos vários duelos escaldantes com o Al Hilal. Incapaz de lidar com a derrota por 2-0 na 25ª jornada da Liga saudita e sobretudo incapaz de lidar com os gritos provocatórios a venerar Lionel Messi, o capitão de Portugal teve os primeiros gestos condenáveis perante os adeptos rivais, repetindo a dose no último domingo frente ao Al Shabad apesar do triunfo por 3-2.

Num confronto que opôs dois antigos treinadores do FC Porto, a equipa de Luís Castro acabou por levar a melhor (3-2) sobre o recém-chegado Vítor Pereira, cabendo até a Cristiano inaugurar o marcador na sequência da transformação de uma grande penalidade. Ao bater com êxito o penálti, o melhor marcador de todas as seleções celebrou o 34º golo em 35 encontros, performance que surge ainda associada a 11 assistências e deixa estabelecer uma semelhança com a eficácia evidenciada nos camarins de Chamartín em 2016/2017 (42 tentos e 11 passes letais).

Nada disto foi suficiente para evitar que Ronaldo fosse outra vez com as mãos à parte da frente dos calções depois de ouvir a claque de Messi, um pouco a exemplo do que sucedera no túnel de acesso aos balneários depois de ter perdido (0-2) no dia 8 deste mês a Riade Season Cup para... Jorge Jesus.

Segundo notícia posta a circular ontem à noite e considerando o histórico de episódios, Cristiano foi castigado com dois jogos, desfalcando o Al Nassr frente ao Al Hazm e também diante do Al Ain, sendo que a segunda partida em agenda para Luís Castro corresponde à primeira mão dos quartos de final da Liga dos Campeões Asiáticos.

A Champions da Ásia, por sinal, é uma das poucas provas feitas à medida para o homem com mais seguidores na Terra. Se este recorde não basta para ter a unanimidade no futebol, chega e sobra para CR7 continuar a dedicar-se apenas e só aos números “pornográficos”.

Manter viva La Pulga atrás da orelha é que é uma intolerável obscenidade.

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