Investigadora nigeriana estuda coerção na Saúde Mental

É investigadora, veio da Nigéria e quer contribuir para promover os direitos humanos das pessoas com doença mental, reduzindo a coerção e o estigma a que estão sujeitas.

Muitas pessoas que sofrem de doenças mentais continuam a ser internadas e medicadas contra a sua vontade. De que forma é que a coerção nos cuidados de saúde mental atenta contra os direitos humanos fundamentais?

A nigeriana Deborah Aluh escolheu Portugal para estudar esta questão, no âmbito do seu doutoramento. Concretamente, o Instituto de Saúde Mental Global (ISMG), em Lisboa.

Até 2023 vai mapear a organização do sistema de saúde mental português sob a supervisão do psiquiatra José Caldas de Almeida e investigar os principais motivos da coerção nos cuidados prestados às pessoas que sofrem de doença mental.

Licenciada e Mestre em Farmácia, conseguiu uma bolsa da Fundação “la Caixa” para um doutoramento internacional em saúde pública global.

O tema da coerção interessa-lhe particularmente porque é “uma combinação de dois importantes temas pelos quais sou apaixonada: saúde mental e direitos humanos”, explica, sublinhando que um dos objetivos desta investigação é “aumentar a compreensão desse problema complexo” e contribuir para “a redução dessas práticas coercivas não apenas na Europa, mas na Nigéria e em outros países de poucos recursos.”

O facto de o instituto fazer parte de uma rede europeia, a FOSTREN, foi mais uma motivação para a investigadora.

Participar no projeto para promover os Direitos Humanos das Pessoas com Problemas de Saúde Mental em Portugal, reforça em Deborah a convicção de como é importante respeitar esses direitos fundamentais e como a coerção os “derrota e nega.”

Medidas para reduzir a coerção

Em Portugal, “a coerção nos cuidados de saúde mental existe como em todos os outros países do mundo”, diz a investigadora. “Pode envolver internamento compulsivos, uso de contenção física e mecânica, contenção química e medicamentos forçados.”

Para reduzir este problema foram já tomadas medidas noutros países, de índole legislativo, tendo em vista aumentar os direitos das pessoas que sofrem de patologias mentais.

Uma dessas medidas consiste no registo de declarações destes doentes “indicando qual tratamento que desejam (e não desejam) se a sua situação se tornar mais grave”. Esta tomada de decisão apoiada permite que as vontades e preferências das pessoas sejam respeitadas.

Se a nova legislação portuguesa de saúde mental, atualmente em debate público for implementada, poderá contribuir para reduzir os internamentos compulsivos e outras formas de coerção e, por outro lado, o estigma em relação à saúde mental, considera a investigadora.

Ela desenvolve atualmente as suas pesquisas em alguns serviços de saúde mental de Lisboa, Porto e Beja, incluindo o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E., o Serviço de Psiquiatria do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E., o Centro Hospitalar de Lisboa Norte EPE, e o Serviço de Psiquiatria do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja.

O objetivo principal consiste em compreender os fatores que influenciam o uso da coerção nos cuidados de saúde mental.

Sob a supervisão e em conjunto com o psiquiatra José Caldas de Almeida, Deborah Aluh, está atualmente envolvida num estudo que visa recolher um conjunto de informações, como legislação de saúde mental, políticas e características dos serviços dos países da UE, bem como o nível de medidas coercivas empregadas. Portugal, que faz parte do estudo-piloto, será um dos primeiros países a responder ao inquérito.

A falta de recursos e o risco das recaídas

Para a investigadora, o principal problema em Portugal, relaciona-se com a insuficiência de recursos humanos, sobretudo de enfermeiros especializados em saúde mental, psicólogos clínicos e terapeutas ocupacionais.

Acrescem os problemas decorrentes da falta de espaço físico e de áreas de lazer nos serviços de saúde mental, “que tornam os internamentos” experiências muito desagradáveis para os pacientes. Outro problema importante referido por Deborah Aluh prende-se com a situação de grande parte das pessoas, após a alta hospitalar. “Sem emprego e sem continuidade de cuidados, o risco de recaída e de novo internamento é alto, especialmente para as pessoas com problemas mais graves.”

Para fazer face a estes problemas é imprescindível “a colaboração entre os diferentes setores da saúde mental”, considera a investigadora. Nesse âmbito, está em curso um projeto de investigação do Instituto de Saúde Mental Global de Lisboa que visa apoiar essas pessoas após a alta.

Apesar de considerar que, em teoria, a organização do sistema de saúde mental no país “é muito boa” e de elogiar o facto de ser gratuito, Deborah Aluh sublinha que “há muito espaço para melhorias.”

Desde que Portugal começou a reformar o seu sistema de saúde mental em 1998, desenvolvendo um “excelente plano de saúde mental”, este ainda não foi totalmente implementado, nota a investigadora, apontando as dificuldades levantadas pela burocracia que contribuem para dificultar o acesso à saúde mental.

“Pessoas com problemas de saúde mental que não são vistas regularmente, têm maior probabilidade de se apresentar nas emergências em estado grave. E se isso acontecer com frequência e com muitos pacientes, a equipa da emergência é sobrecarregada e a probabilidade de usar a coerção aumenta”, diz a investigadora.

Deborah Aluh sublinha a necessidade de reduzir o estigma e de acabar com a vergonha de procurar ajuda. “Há necessidade de intervenções dirigidas a professores, pais, empregadores e populações vulneráveis.” E defende: “As ações de promoção e prevenção da saúde mental, melhores competências parentais e ambientes de apoio no trabalho, também são essenciais”.