“SenteMente”, o teatro a cuidar da saúde mental das mulheres

“SenteMente”, o teatro a cuidar da saúde mental das mulheres

Através do teatro, muitas mulheres que sofrem de depressão e de outras perturbações psicológicas têm conseguido melhorar o seu bem-estar. Este é o objetivo do projeto “SenteMente” dirigido a mulheres com problemas de saúde mental residentes em dois bairros da freguesia de Algueirão-Mem Martins.

Pelo seu exemplo de superação, Luísa Francisco, artesã de 29 anos, é uma importante referência para os outros elementos do grupo teatral. “Contei-lhes as minhas experiências, os meus sofrimentos, mostrei-lhes como não há que ter vergonha de ir ao psicólogo e acho que inspirei muitas delas”, diz.

A ideia de direcionar o projeto para mulheres com perturbações psicológicas que a pandemia agravou foi de Elisabete Borges, presidente da Jangada d’Emoções, ela própria com bipolaridade e depressão crónica.

Depois das vivências no teatro na Tapada das Mercês entre 2012 e 2013, “ficou a vontade de retomar a atividade teatral no bairro”, conta Susana Gaspar, sobre a história da criação do projeto. “O Chão de Oliva, através da sua experiência de teatro em comunidade, a Fundação Aga Khan (AKF Prt) através do projeto de desenvolvimento comunitário (desde 2009) e o grupo informal Clube das Mulheres, agora formalizado como Jangada d’Emoções, entre outros parceiros, juntaram-se para retomar o teatro no bairro, numa perspetiva de inclusão social, ao abrigo do programa PARTIS & Art for Change, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação “la Caixa”.”

O projeto foi então desenhado “a pensar num grupo de mulheres de dois bairros – Casal de São José e Tapada das Mercês – para falar sobre saúde mental e bem-estar e sensibilizar a comunidade para essa temática”.

Com o principal financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação “la Caixa”, no âmbito do programa PARTIS & Art for Change, este projeto conta também com o financiamento do Chão de Oliva (entidade promotora) e da Fundação Aga Khan (entidade parceira).

Práticas artísticas para promover a saúde mental

Utilizando “práticas artísticas pluridisciplinares, de afirmação e bem-estar que potenciam novas rotinas sociais e novas redes de suporte”, segundo Susana Gaspar, promove-se a qualidade de vida das participantes. “Através da ligação entre o teatro, a comunidade, a igualdade de género e a saúde mental e da mobilização de diferentes práticas artísticas para um processo criativo.”

Luísa Francisco nunca tinha feito teatro. Mas considera que a sua experiência “tem sido boa, muito enriquecedora e não só pelo teatro mas também pela música composta em conjunto.”

Apesar do sentimento gratificante que experimenta por “poder ajudar”, diz que também se tem sentido muito ajudada pelas outras pessoas do grupo e defende que o projeto “deveria existir noutros pontos do país.”

Susana Gaspar explica como o teatro pode contribuir para ajudar as mulheres a ultrapassar perturbações psicológicas.

“Já existem muitos estudos que comprovam os efeitos positivos da prática teatral ou de outras práticas artísticas para o bem-estar e melhoria da saúde mental de qualquer pessoa. No nosso projeto, tem sido possível observar diretamente a melhoria na autoestima, desenvolvimento da confiança em si e no outro, mais espaço de partilha e sentimento de reciprocidade.”

No teatro – nota – “há um espaço livre de julgamento e um espaço de escuta ativa que é muito importante para a confiança num grupo.”

Exemplo disso, é o caso de algumas mulheres que estavam muito isoladas e com pouca motivação para sair de casa e que, através do teatro, ganharam uma nova motivação, conheceram novas pessoas e estabeleceram novas redes de apoio. Houve também outro elemento importante, frisa Susana Gaspar: A possibilidade “de contarem as suas próprias histórias e vivências e participarem num processo de criação colaborativa, em que as suas ideias são ouvidas e valorizadas.”

“Mentes que Sentem” com 16 mulheres em palco

Os textos que o grupo interpreta foram recolhidos através de improvisações e de outros jogos teatrais desenvolvidos no decorrer das sessões, bem como através de rodas de conversa e/ou momentos de escrita criativa, esclarece a responsável do “SenteMente”. “Os textos refletem as experiências das mulheres do grupo e foi também um processo importante, o da decisão sobre o que queriam comunicar a um público.”

Atualmente semanais, os ensaios são dirigidos por três pessoas da equipa artística – Susana Gaspar e Paula Pedregal, na área do teatro e Inês Silva, na área da música.

Todo este trabalho já deu frutos. No dia 7 de maio, estreou-se o espetáculo “Mentes que Sentem” no Centro Cultural Olga Cadaval com 16 mulheres em palco. “A reação foi muito intensa e positiva”, diz Susana Gaspar. “Não só existiu um grande reconhecimento da coragem de cada mulher em palco, bem como da importância das temáticas levantadas no texto. Com o público a saber que o guião foi criado a partir das próprias histórias de quem estava em palco, as reações foram ainda mais comoventes. Houve muitos aplausos e muitas das participantes partilharam conversas que tiveram após o espetáculo, com pessoas do público a agradecer a partilha e a dizer que foi muito importante, pois sentiram-se representados/as também.”

Para a criação deste espetáculo foi fundamental o apoio da Direção-Geral das Artes ao Chão de Oliva, da Câmara Municipal de Sintra, através da cedência de espaços de ensaio e de representação, da Junta de Freguesia de Algueirão Mem-Martins, da associação ACAS no Casal de São José e da Santa Casa da Misericórdia de Sintra para o acompanhamento psicológico de algumas participantes e acompanhamento técnico do projeto. A Escola Superior de Educação de Lisboa deu o seu contributo no âmbito da investigação.

“Se conseguir conciliar o teatro com a minha atividade profissional, quero continuar a representar” diz Luísa Francisco. “Criamos laços ao partilhar coisas muito nossas e isso é muito bom.”