Música para humanizar os hospitais

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Empurrado por dois músicos, o carrinho distingue-se de todos os outros que circulam pelos corredores do hospital. Não leva medicamentos, álcool ou seringas, mas instrumentos musicais. Transporta a melhor companhia para quem está doente: música

Durante algumas horas, uma ou duas vezes por semana, um grupo de músicos distribui-se, dois a dois, por vários hospitais e instituições. Utilizam um repertório variado e diversos tipos de instrumentos para comunicar com doentes e seus familiares, bem como os profissionais de saúde. Numa linguagem musical, vão contribuindo para a humanização dos serviços de saúde.

Os músicos fazem parte do projeto “Música nos Hospitais” iniciado em 2002, com o objetivo de “humanizar contextos de cuidados de Saúde”, explica Ana Paula Góis, coordenadora de projetos da associação com o mesmo nome, violoncelista e mestre em Psicologia Comunitária.

A ideia surgiu a propósito de uma conferência do professor Victor Flusser, da Universidade de Marc Bloch (Estrasburgo), numa reunião do Instituto de Apoio à Criança.

“Humanizar os espaços nas instituições de saúde, melhorar a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas (utentes, acompanhantes e profissionais), bem como o ambiente sonoro e utilizar a música como mediadora das relações humanas” foram os grandes objetivos definidos para este projeto. A estes, se acrescentava a ideia de “possibilitar ruturas na rotina institucional”, criando “tempos e espaços de criatividade e interação artística” e estabelecendo “uma comunicação harmónica e partilha construtiva de emoções”, adianta Ana Paula Góis.

Dezanove anos depois, músicos profissionais com formação para intervir em contextos ligados aos cuidados de saúde, prosseguem a missão de “levar a música aos serviços pediátricos nos hospitais, instituições de idosos, Unidades de Cuidados Paliativos e Continuados e instituições de Acolhimento Temporário”.

Atualmente, 20 músicos, instrumentistas ou cantores, são recebidos no Instituto Português de Oncologia (IPO-Lisboa), no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, na Unidade de Cuidados Continuados Integrados Maria José Nogueira Pinto, na Unidade de Cuidados Continuados Integrados São Roque e no Lar Granja Luís Rodrigues. Na Póvoa de Varzim, tocam na Unidade de Cuidados Paliativos We Care.

Para manter este trabalho de intervenção musical junto de quem está doente e só, a associação tem contado com o apoio de várias instituições: as fundações La Caixa-BPI, D. Pedro IV e GDA, a Apifarma, as Misericórdia de Lisboa e de Almada, o Hard Rock Café de Lisboa e Porto, a Altice, a Unilab, Vieira de Almeida, IPO Lisboa, We Care, APEG Saude, APDH, Arte Sonora, United Creative e a Escola Superior de Educação de Lisboa.

200 mil beneficiários, 30 instituições

Decorreram já seis edições do curso de formação de músicos e a intervenção em 30 instituições desde a realização do protocolo de parceria entre os Hospitais Garcia de Orta e de D. Estefânia, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, a Liga dos Amigos do Hospital Garcia de Orta e o Instituto de Apoio à Criança e a organização da primeira formação de músicos, em outubro de 2004.

Os estágios desses músicos foram realizados nos serviços de pediatria dos hospitais Garcia de Orta (HGO), D. Estefânia (HDE), Prof. Doutor Fernando da Fonseca (HFF), e nos lares de idosos Mansão de Marvila, ARIFA e S. Lázaro da Santa Casa da Misericórdia de Almada.

Desde 2004, a Música nos Hospitais tocou mais de 200.000 beneficiários,entre crianças, idosos, familiares e profissionais de saúde.

“O projeto é muito querido junto dos utentes e as equipas de saúde e, num estudo de investigação feito em 2010 junto de médicos e enfermeiros de um hospital de referência em Portugal acerca do impacto do nosso projeto como Recurso das Saúde e Promoção do Bem-Estar foi de resultados muito bons”, sublinha Ana Paula Góis, adiantando que os profissionais de Saúde elegeram o projeto “como um item de Qualidade na sua instituição, de ser um elemento crucial na Humanização dos Cuidados, de ser um parceiro mediador positivo no contacto entre equipas de saúde e utentes.”

Há muitos pedidos para os músicos se deslocarem a mais instituições, mas Ana Paula diz que precisam de “mais apoios para poderem chegar a todos” os que os contactam.

A pandemia veio interromper o trabalho realizado nos hospitais e outras instituições, ao impossibilitar a proximidade, a base deste projeto. “Depois de tanta investigação que temos sobre a importância destes “extras” nestes espaços, a pandemia fez tudo voltar a trás”, diz Ana Paula Góis. “Mas as necessidades e vontades estavam lá na mesma e, devagarinho, fomos adaptando o que fazemos com o uso da tecnologia”. Foram criadas várias soluções: “Música Online”, vídeos de música personalizada dirigida às pessoas de determinadas instituições ou sessões online de construção de objetos sonoros.

Chegar a mais pessoas e contribuir para melhorar a sua qualidade de vida mantém-se hoje, como ontem, no maior objetivo da “Música nos Hospitais”. Mas o crescimento do projeto está condicionado pela falta de apoio financeiro, segundo Ana Paula Góis. Por isso, ela inclui nos planos para futuro, o desafio de conseguir o financiamento “que nos possibilite crescer, certificar a nossa formação que é de qualidade e bem estruturada, formar mais músicos, investigar o impacto da nossa ação, criar mais parcerias, divulgar o nosso trabalho para poder chegar a mais pessoas”. E para que “a música possibilite o encontro interpessoal para além das dinâmicas institucionais, fortalecendo redes de convivência solidária.”