“Mudar muitos pequenos mundos”

“Mudar muitos pequenos mundos”
NUNO FOX

Fátima Ferrão

Inovação: de norte a sul do país há ideias que deram origem a negócios apoiados pelo terceiro sector. São milhares de pessoas para quem um pequeno ‘empurrão’ pode significar uma vida nova

O fervilhar de ideias na cabeça de Lilian Quintas alimenta a sua veia empreendedora e dá fôlego à resiliência que não perde mesmo em alturas menos felizes. A brasileira, natural de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, no Sudeste do Brasil — terra do cantor Roberto Carlos, como faz questão de frisar —, chegou a Portugal em 2017, tal como muitos emigrantes, à procura de uma vida melhor. Mulher de trabalho, arregaçou as mangas e lançou-se às limpezas domésticas, sem nunca pôr de lado o sonho de ter o seu próprio negócio.

Com a pandemia e os confinamentos, as limpezas ficaram em suspenso e Lilian teve de se reinventar. Sozinha, com dois filhos, depois da separação, tinha que encontrar uma fonte de receita alternativa. Com o dinheiro contado, compra os ingredientes para fazer os primeiros sacolés — gelados típicos da sua região — e aposta tudo para fazer vingar a sua ideia de negócio. “Telefonei à minha rede de contactos, vendi porta a porta e o meu filho vendeu na rua”, conta, recordando a dificuldade de aceitação inicial.

Mas a empreendedora, agora com 38 anos, nunca desistiu. Com a ajuda do filho, começou a divulgar nas redes sociais, com o passa-palavra a dar o empurrão de que precisava. Hoje, a Lili Geladinhos — a marca que Lilian criou — oferece 42 sabores, divididos por diversas linhas, entre as quais a 100% natural, a pet (para cão) ou a alcoólica, que faz muito sucesso em festas e despedidas de solteiro.

A sede de aprender para que o negócio continuasse a crescer levou-a até à Tamo Junto, uma plataforma de certificações online vocacionada para apoiar micro e pequenos empreendedores imigrantes de língua portuguesa que vivem em Portugal. “Foi muito importante para me ajudar a organizar o negócio e a crescer”, revela Lilian Quintas.

O projeto, que nasceu no Brasil através da Aliança Empreendedora, uma organização sem fins lucrativos que tem como missão levar inovação e tecnologia a pequenos empresários, chegou a Portugal em 2021, através de uma parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian. Em pouco mais de um ano, a plataforma já emitiu 480 certificados em dois cursos. Cristina Filizzola, diretora da filial de S. Paulo, que falou ao Expresso via Zoom, mostra-se muito satisfeita com os resultados. Já este ano foram lançados mais dois cursos, que, diz, “estão a ter muita procura”.

Em Portugal esta formação é feita online, ao ritmo de cada estudante. No entanto, a Aliança Empreendedora está a capacitar um conjunto de instituições, de norte a sul do país, para que possam associar-se ao projeto e certificar os formandos em regime presencial. O objetivo, diz a responsável brasileira, é poder manter o projeto ativo após dezembro de 2022, quando termina o piloto iniciado em 2021.

Das sobras aos sacos solidários

Todos os dias há centenas de mãos a dar uma nova vida a restos de tecidos e de outros desperdícios da indústria têxtil. São pessoas em risco social, imigrantes e refugiados, que, com o apoio de instituições sociais, se sentem mais incluídas e estimuladas nas suas competências físicas e cognitivas e que mantêm um trabalho digno.

“Não queremos mudar o mundo, mas mudar muitos pequenos mundos”, diz Sílvia Correia, mentora do projeto re.store, que, em parceria com a SIC Esperança, lançou o Saco Solidário no Natal de 2020.

Estes sacos, feitos de desperdícios da indústria têxtil e confecionados por instituições sociais parceiras, ajudam a promover a inclusão social e a reduzir a pegada ecológica do sector têxtil. Orgulhosa dos resultados, a fundadora destaca os quase €40 mil pagos aos parceiros sociais e as 4,5 toneladas de tecido reutilizado da indústria têxtil em pouco mais de ano e meio.

“Os parceiros sociais recebem todos os materiais necessários à confeção dos nossos produtos (tecido, etiquetas, alças) e formação (sempre que esta é necessária) e são devidamente remunerados por esse trabalho de uma forma transparente em termos fiscais”, explica Sílvia Correia.

Projetos que deve conhecer

Investigação e Ciência

Imunidade O cientista Pedro Pereira, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica, em Oeiras, estuda bactérias resistentes que escapam ao sistema imunitário. O objetivo é travar a resistência aos antibióticos, que podem matar 300 milhões de pessoas até 2050.

Educação

Aprender Criatividade, desenho e ferramentas digitais são a base da experiência ‘Creactivity’, que incentiva a resolução prática de problemas. Num autocarro que percorre o país, crianças e jovens aprendem matemática, ciências ou informática, desenvolvendo competências transversais.

Mais Esperança

Prevenção Sensibilizar para a educação florestal e como evitar os fogos são as metas do projeto ‘Pastor por um dia’. Em Porto de Mós, aos domingos, grupos de 20 pessoas têm saídas com o rebanho de Serro Ventoso e com as cabras sapadoras, que ajudam a limpar os terrenos.

Artes

Inclusão Na cozinha do Hospital de Santarém, o chefe Rodrigo Castelo é o mestre da equipa composta por doentes acompanhados pelo Departamento de Saúde Mental. Através da arte culinária, os 24 participantes revelaram melhorias na confiança, autoestima e no estigma da saúde mental.

Apoio Social

Cuidador Com capacidade para alojar até três famílias, a Casa do Tejo, em Lisboa, apoia os cuidadores de jovens com paralisia cerebral, permitindo-lhes fazer uma pausa na sua vida diária. Os enfermeiros e auxiliares da Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa asseguram o bem-estar dos doentes nas pausas dos cuidadores.

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JANELA DA ESPERANÇA

Fecha-se uma porta, abre-se uma janela. O Expresso e a SIC Esperança — em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, o BPI e a Fundação La Caixa — juntam-se para um projeto que divulga iniciativas relevantes do terceiro sector.

Textos originalmente publicados no Expresso de 7 de outubro de 2022