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Interpretar os genes para salvar vidas em oncologia

Prevenção. Cada vez mais comuns, os testes genéticos são fundamentais para os médicos oncologistas anteciparem probabilidades de cancro e prescreverem tratamentos mais personalizados. Com questões a clarificar pelo caminho

“O custo por doente não está a aumentar, até baixou, mas estamos a testar muitos mais doentes e a gastar mais dinheiro”, avisa Manuel Teixeira

FERNANDO VELUDO / NFACTOS (EXCLU

Tiago Oliveira

Os números são como o algodão: em Portugal registaram-se mais de 69 mil novos casos de cancro em 2022, com os óbitos a ficarem próximos dos 34 mil, segundo dados da Agência Internacional para a Investigação em Cancro da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mais de 203 mil pessoas tinham doença oncológica (com prevalência a cinco anos) e um em cada quatro portugueses (28,6%) estava em risco de desenvolverem cancro antes dos 75 anos.

<span class="arranque">Tenho cancro. E depois?</span> A SIC Notícias e o Expresso lançaram um site — <a href="https://sicnoticias.pt/tenho-cancro-e-depois" target="_blank" rel="noopener noreferrer">www.tenhocancroedepois.pt</a> — dedicado ao cancro. O objetivo da plataforma passa por recolher a opinião de médicos, doentes e especialistas sobre os desafios de uma doença que afeta cada vez mais pessoas. O projeto tem o apoio da Novartis e da Germano de Sousa, além da colaboração da Liga Portuguesa Contra o Cancro e da Sociedade Portuguesa de Oncologia.

Tenho cancro. E depois? A SIC Notícias e o Expresso lançaram um site — www.tenhocancroedepois.pt — dedicado ao cancro. O objetivo da plataforma passa por recolher a opinião de médicos, doentes e especialistas sobre os desafios de uma doença que afeta cada vez mais pessoas. O projeto tem o apoio da Novartis e da Germano de Sousa, além da colaboração da Liga Portuguesa Contra o Cancro e da Sociedade Portuguesa de Oncologia.

O cancro é a segunda causa de morte em Portugal e a genética assume-se como uma área determinante. “A evolução resulta da abordagem sistemática da investigação biomédica sobre as causas e os processos associados ao desenvolvimento do cancro e de um investimento financeiro relevante”, explica José Dinis, diretor do Programa Nacional das Doenças Oncológicas.

Os “testes genéticos já começam a ser efetuados sempre que se considera importante”, aponta a coordenadora da Oncologia Médica do Hospital CUF Descobertas, Isabel Fernandes, “o que ajuda os clínicos a tomar decisões mais informadas e personalizadas sobre a gestão do risco para os doentes e as suas famílias”. Traduz-se, por exemplo, “em terapêuticas mais eficazes e com menos efeitos colaterais”. Existe “uma maior consciencialização pública da importância da genética no cancro”, acredita, com “o aumento de ensaios clínicos em Portugal” a ser “fundamental”.

Na população global com menos de 50 anos, os casos de cancro subiram 79,1% entre 1990 e 2019, de acordo com informações da BMJ Oncology. João Gonçalves e Pedro Rodrigues, do Departamento de Genética Humana do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, revelam que “internamente” têm vindo “a constatar o aumento do número de casos a testar”. A partir da premissa de que 5% a 10% dos tumores têm origem hereditária, “entre 3500 a 7000 casos” de cancro em Portugal, “podem dever-se à existência de variantes hereditárias”. Importa referir que “na eventualidade de uma pessoa saudável possuir uma variante patogénica ou provavelmente patogénica” os testes genéticos permitem vigiar “clinicamente de forma mais regular para a prevenir ou detetar precocemente o aparecimento de um tumor maligno”.

Evitar penalizações

Mais testes implicam mais gastos, sendo certo que “não era possível meter os 10 milhões de portugueses a fazer isto de repente”, acrescenta o coordenador do Departamento de Oncologia do Hospital de Cascais Dr. José de Almeida, Diogo Alpuim Costa. “Falta formação” e fazer com que os “critérios de elegibilidade como a idade” sejam mais “homogéneos” de modo a “não sobrecarregar”. Uma alternativa possível para aliviar os serviços médicos e permitir que mais pessoas que preenchem os requisitos tenham acesso, seria “dar mais autonomia aos centros de referência com consultas de genética” para coordenarem e receberem doentes “com testes positivos” feitos localmente. “Acho que podemos evoluir para aí”, sustenta.

A diretora técnica do Laboratório de Genética do Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa (parceiro do projeto), Ana Guia Pereira, reforça que “o aparecimento da sequenciação de nova geração e o crescente desenvolvimento na análise de dados computacionais revolucionou a compreensão dos mecanismos genómicos de aparecimento e progressão de cancro”. Atualmente, “Portugal apresenta taxas de sobrevivência dos cancros mais comuns superiores à média europeia” — como acontece no cancro da próstata, com Portugal nos 91% e a União Europeia nos 87%. A responsável considera que “a deteção precoce com elevada adesão aos rastreios de base populacional e o acesso a tratamentos inovadores podem estar na base destes números”, mas que é necessária a implementação de “uma estratégia mais musculada” que passe pelo aumento da “informação sobre os critérios de elegibilidade para teste genético”, do “número de geneticistas clínicos” ou da “literacia em genética” para “responder a um crescente e, inevitável, aumento de casos de cancro”. Sem esquecer que “as informações genéticas são altamente confidenciais e é preciso garantir a proteção dos dados genéticos e a não discriminação”.

Os riscos são uma realidade, com o diretor do Serviço de Oncologia Médica do Hospital do Espírito Santo de Évora, Rui Dinis, a pedir para que não se deixe de “salvaguardar a dignidade humana acima do interesse comercial dos grandes laboratórios, a intimidade genética da pessoa em relação a seguradoras e a diversidade humana ameaçada pelo risco de eugenia, recordando os princípios de autonomia, beneficência, não maleficência e de justiça que norteiam as decisões éticas em medicina”.


3 PERGUNTAS A

Manuel Teixeira
Diretor do Serviço de Genética do IPO Porto

“Há um aumento exponencial na genética”

Qual é a evolução do estudo da genética em oncologia?

Só para ter uma ideia, quando entrei no serviço de genética em 2001, fizemos pouco mais de 1300 testes de casos genéticos. O ano passado fizemos mais de 16 mil. Houve um aumento exponencial na genética, com aumento do conhecimento, novos genes que foram descobertos e novas terapêuticas que foram sendo aprovadas que requerem testes genéticos. É prática normal.

É importante que as políticas públicas apostem mais neste campo?

O avanço da tecnologia levou a que seja necessária uma certa especialização, mas nem todos os hospitais têm acesso a este tipo de tecnologia. É necessário criar uma rede que faça essa referenciação para dar acesso homogéneo.

Há riscos éticos a considerar?

Para um doente com cancro, o teste genético é tratado como outra qualquer tecnologia. É diferente quando falamos de dados genéticos de pessoas saudáveis, é o próprio que decide com quem partilhar. A Lei nº 12/2005 protege, não é partilhado com os seguros.

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