Saúde e Bem-estar

"Dengue está a surgir em áreas onde nunca vimos": os esforços científicos para tratamentos eficazes

Novas vacinas e medicamentos antivirais estão a ser desenvolvidos para tentar travar a disseminação da doença outrora confinada aos trópicos e que já se espalha pela Europa.

Mosquito Aedes aegypti que transmite o vírus da dengue
Mosquito Aedes aegypti que transmite o vírus da dengue
Matt Cashore

Os casos de dengue no mundo estão a aumentar e não só nos trópicos. Os cientistas dizem que serão necessários vários métodos para travar a doença e desenvolvem-se vários esforços para fabricar vacinas eficazes e tratamentos antivirais.

Este ano, até 2 de outubro, tinham sido notificados mais de 4,2 milhões de casos da doença, causada por um vírus transmitido por mosquitos, em comparação com meio milhão em 2000. E a doença, que outrora esteve confinada aos trópicos, está a espalhar-se por novos locais pelo mundo, incluindo o sul da Europa.

A Organização Mundial da Saúde alerta que o aquecimento global devido às alterações climáticas está a causar a propagação da doença e que este ano se pode bater um novo recorde de casos pelo mundo.

“Cerca de metade da população mundial está em risco de contrair dengue e a dengue afeta aproximadamente 129 países. Estimamos que de 100 a 400 milhões de casos sejam notificados todos os anos. Esta é uma mera estimativa e só a região americana relatou cerca de 2,8 milhões de casos e 101.280 mortes”, revela Raman Velayudhan, líder do Programa Global da OMS para o controlo de Doenças Tropicais Negligenciadas.

Não existe tratamento específico para a dengue, que pode causar febre alta de curta duração, dores musculares, erupções cutâneas, grande fadiga e até morte. As vacinas disponíveis têm limitações e o controlo dos mosquitos que transmitem a doença é um desafio que os humanos dificilmente ganham.

"Todas as ferramentas disponíveis são necessárias"

Mas os cientistas não estão parados. A revista Nature deste mês revela que na reunião anual da Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene (ASTMH), realizada em outubro em Chicago, os investigadores partilharam os resultados mais recentes dos seus esforços para desenvolver vacinas, medicamentos antivirais e métodos de controlo de mosquitos para conter a doença. Todas as ferramentas disponíveis são necessárias, alertam os especialistas.

“Estamos a ver o surgimento da dengue em áreas onde nunca vimos antes”, disse Adam Waickman, imunologista da SUNY Upstate Medical University em Syracuse, Nova Iorque, durante a reunião. “O controlo eficaz da dengue exigirá esforços em várias vertentes.”

Um vírus com muitas “caras”

Um desafio fundamental para o desenvolvimento de vacinas é que a dengue é causada por quatro subtipos virais distintos, ou serotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4.

“A vacina perfeita contra a dengue teria 90% de eficácia para todos os diferentes serotipos e teria o mesmo nível de eficácia para pessoas que tiveram uma infeção anterior por dengue e aquelas que não tiveram”, diz Timothy Endy, imunologista também da SUNY Upstate Medical University. “Ainda não chegámos lá”

Duas vacinas aprovadas, uma em testes

Até agora receberam aprovações dos reguladores de saúde duas vacinas:

Dengvaxia, uma vacina fabricada pela Sanofi em Paris, tem uma taxa de eficácia global de 60% contra a dengue sintomática, mas só é recomendada para pessoas que já tiveram dengue anteriormente. Isto porque naqueles que nunca foram infetados, a vacina pode, na verdade, exacerbar o risco de doença grave após a infeção através de um mecanismo chamado aumento dependente de anticorpos.

Esta vacina está aprovada pela Agência Europeia do Medicamento.

QDenga, uma vacina fabricada pela Takeda em Osaka, Japão, demonstrou até agora ser segura para as pessoas, independentemente de terem sido previamente infetadas, e tem uma taxa de eficácia global de 73% contra a dengue sintomática. Mas demonstrou menor eficácia contra o DENV-3 e os resultados para o DENV-4 permanecem inconclusivos.

Vacina também aprovada pela Agência Europeia do Medicamento.

TV003, desenvolvida pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA em Bethesda, Maryland, está a ser testada pelo Instituto Butantan em São Paulo, Brasil, num ensaio com mais de 16 mil participantes. De acordo com dados apresentados na reunião da ASTMH, para os participantes acompanhados entre dois e cinco anos, a eficácia geral do TV003 contra a dengue sintomática foi de 80%.

“Também se mostrou extremamente segura, especialmente considerando que quase metade da população do estudo nunca tinha tido dengue antes”, diz Maurício Nogueira, microbiologista da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no Brasil, e investigador que trabalha no estudo.

Mas ainda não há dados para alguns serotipos, porque o DENV-3 e o DENV-4 não circularam em grande escala durante o período do estudo.

A vacina pode ser útil para pessoas que vivem em países onde o vírus é endémico e também para pessoas que viajam para essas áreas, afirma Maurício Nogueira.

Doentes com dengue no Hospital Jorge Reategui em Piura, Peru, 2 de junho de 2023
Martin Mejia / AP

Medicamento para prevenção da dengue


Na reunião da ASTMH, a empresa farmacêutica Janssen, da Bélgica, partilhou dados promissores sobre um medicamento antiviral chamado JNJ-1802, que visa prevenir a dengue e é tomado em forma de comprimido.

Os dados resultam de um ensaio em que voluntários foram deliberadamente expostos ao agente patogénico num ambiente controlado. Os investigadores administraram aos participantes saudáveis doses diárias do medicamento antiviral ou de um placebo durante 26 dias. No quinto dia de tratamento, os participantes foram injetados com o vírus da dengue.

Seis dos dez participantes que receberam uma dose elevada do medicamento não tinham vírus detetável no sangue durante todo o estudo, enquanto todos os que receberam placebo tinham níveis detetáveis de vírus cinco dias após lhes ter sido injetado.

A maioria dos participantes que receberam doses baixas ou médias de JNJ-1802 apresentaram níveis de vírus detetáveis em algum momento, mas mais tarde do que o grupo placebo.

Os resultados apoiam “uma avaliação mais aprofundada da eficácia do JNJ-1802 contra a infeção natural com todos os serotipos de dengue”, disse Anna Durbin, investigadora neste estudo e especialista em doenças infecciosas da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg em Baltimore.

Poderá não ser viável administrar um comprimido diário a populações inteiras em áreas onde a doença é endémica, mas Durbin diz que o medicamento pode ser útil para pessoas que viajam para essas áreas.

Infetar os mosquitos que nos infetam

As medidas padrão para controlar os mosquitos transmissores da dengue, como o uso de inseticidas, têm tido resultados limitados.

O transmissor da dengue Aedes aegypti “é um mosquito incrivelmente difícil de eliminar”, disse Cameron Simmons, especialista em doenças infecciosas do Programa Mundial contra Mosquitos, um grupo sem fins lucrativos de Melbourne, Austrália. Na reunião alertou que não é suficiente o que é feito hoje em dia, "precisamos de novas intervenções”.

Uma dessas estratégias está a ser testada por este grupo: são libertados mosquitos infetados com Wolbachia, uma bactéria que compete com vírus como dengue e zika, diminuindo a probabilidade de os insetos transmitirem essas doenças.

De acordo com os dados apresentados na reunião, a introdução de mosquitos infetados com essa bactéria numa cidade da Colômbia reduziu a incidência de dengue em 94-97% em áreas onde os insetos estão bem estabelecidos.

Cientista analisa mosquitos num laboratório do Programa Mundial contra Mosquitos em Medellin, Colômbia, agosto de 2023.
Jaime Saldarriaga / AP

Esta abordagem está a ser implementada noutros locais do mundo, como na Indonésia, no Bangladesh, Singapura, entre outros.

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