Grande Reportagem SIC

O que restará, a quem vive no litoral, se as previsões mais pessimistas para a subida do nível do mar baterem certo?

José Tomé dos Santos alinha os anzóis à beira de casa na Praia de Faro. Dorme a poucos metros do local onde nasceu. Ainda guarda na memória os dias de miúdo onde os que vinham de Almancil, Quarteira, se estabeleciam ao longo deste pedaço de terra entre o oceano e a Ria Formosa.

Esmoriz
Esmoriz
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Eram às centenas, as famílias, as casas. Não havia fome, se houvesse menos fartura uma cana e um anzol chegavam para procurar alimento. O mar dava para todos. Hoje José espera que o deixem ficar na Praia até sempre, embora entre 2015 e 2018 cerca de 120 habitações tenham sido demolidas nas imediações. A curto prazo, há 50 famílias que vão ser realojadas porque não há verbas para mais, faltarão cerca de 40.

José já perdeu a conta às casas que viu o mar levar ao longo dos anos, os pescadores aperceberam-se que o oceano as vinha buscar e começaram ou a partir ou a construir junto à Ria Formosa, onde boa parte das casas ainda permanece.

(SIC)
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A Praia de Faro é, a par de outras localidades no país como a Apúlia e Esmoriz, por exemplo, um dos locais mais ameaçados pela erosão costeira, que mostramos na Grande Reportagem “Com o mar não se brinca”.

No espaço de Portugal perdeu para o Atlântico a área equivalente a mais de 1.300 campos de futebol. E a principal razão é a falta de areia nas praias. Está presa nos rios ou nos estuários por causa das barragens e da redução dos caudais. Juntamente com a construção de pontões, ao longo do século passado, que acumulam areia a norte mas degradam as praias a sul, a erosão vai aumentando.

Faro (SIC)

A cada ano que passa, os municípios que gerem o território junto à costa arriscam-se a pagar milhões. Caso chegue o dia em que tenham de deslocalizar às centenas, aos milhares. Basta fazer as contas ao que aconteceu em Ovar.

Para as pessoas, que moram em cima da costa, junto a Esmoriz, há memórias que se alcançam com facilidade. Quando os primeiros chegaram ao bairro piscatório, as ondas ainda ficavam ao longe, encurraladas por um areal farto que entretanto desapareceu. O mar cresceu, aproximou-se e nas piores tempestades começou a bater nas casas precárias feitas por quem menos tinha. Uns chamavam-lhes palheiros, outros barracos. Do sitio onde um dia foram erguidos já nem se vê o mar.

Pessoas e oceano estão agora separados por um altíssimo muro de pedra. Nos últimos dias de 2015, as cerca de 100 pessoas que viviam de coração nas mãos mesmo ao lado da maré, foram levadas para o novo Bairro da Boa Esperança, a algumas centenas de metros do mar e do sobressalto. Foi um dos maiores investimentos públicos feitos em Ovar, um dos concelhos do país que mais sofre com o recuo da linha de costa. Mas há muitos mais no município que podem precisar de casa nova, longe do oceano. Quando esse dia chegar, o preço a pagar prevê-se gigantesco. Na praia do Furadouro, raro é o inverno em que o mar não chega às gentes.

“Se gastámos cerca de 20 mil euros por pessoa para realojar 100, teríamos de gastar 100 milhões de euros para realojar cinco mil pessoas”, conta Salvador Malheiro, presidente da Câmara Municipal de Ovar.

Na Apúlia, o cordão dunar que se encontra junto à praia das Pedrinhas, no lugar de Cedovém, já só sobrevive com geocilindros, sacos enormes com areia, e várias casas nas imediações foram já engolidas pelo mar. Ao longo dos anos os que ainda lá moram, tantas vezes ouviram das autoridades que dali tem de sair mas quase dois anos depois da entrada em vigor do último programa da orla costeira entre Caminha e Espinho, nenhum edifício, sinalizado para demolição na costa de Esposende, foi ainda abaixo.

Apúlia (SIC)
Apúlia (SIC)

A deslocalização está prevista nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira mas tirando o que acontece na Praia de Faro, e que aconteceu em Esmoriz à conta do orçamento do município de Ovar, o estado hesita em tirar realocar as populações em zonas de risco.

Os especialistas acreditam que o país está a fazer muito pouco para enfrentar uma subida do nível das águas do mar como não há memória coletiva. Falta para os investigadores, a aposta em sapais, salinas, para travar o impacto que o aumento das águas terá nas zonas estuarinas, falta subir marginais, aumentar a capacidade de drenagens das cidades.

Em 2050, é possível que no Cais do Sodré possamos ter períodos do ano com duas, três, quatro horas com 20 centímetros de água. Se a avenida não subir, pode não dar para circular. E isto sem a ocorrência de qualquer tempestade. As piores perspetivas para a subida do nível médio do mar até o final do século estão relacionadas com o aumento das emissões de gases de efeito estufa e o consequente aquecimento global. Se não forem tomadas medidas significativas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, é possível que ocorra um derretimento mais rápido do gelo das calotas polares e das geleiras, levando a uma elevação significativa do nível do mar.

Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2021, por exemplo, aponta que, em um cenário de emissões muito elevadas de gases de efeito estufa, o nível do mar poderia subir cerca de 1 metro até o final do século, ameaçando cidades costeiras e ilhas e afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Além disso, o aumento do nível do mar pode levar a uma maior frequência e intensidade de tempestades e inundações costeiras, o que pode aumentar o risco de danos a infraestruturas, como estradas, edifícios e sistemas de abastecimento de água e energia.

Nos últimos 20 anos, sempre que há um grande temporal há investimento de urgência, mas depois não há continuidade no investimento. Grande parte do que está previsto gastar ao longo dos próximos anos na consolidação da costa portuguesa, cerca de mil e duzentos milhões de euros, é essencialmente para soluções de curto prazo ou para manter o que já existe. É o que acontece por exemplo na marginal em Vila do Conde junto à praia das Caxinas. A estrada há de continuar para já no mesmo lugar esperando que o novo muro de granito a salve. Algumas praias terão direito a mais areia especialmente se houver milhares de pessoas por perto para proteger, mas o preço a pagar vai subir a cada ano que passa. Há 4 anos, a realimentação da Costa da Caparica custou cerca de 5 milhões de euros.

Se fosse agora, com o aumento do preço dos combustíveis e de outros materiais, custaria 8 milhões. Noutros locais como Ovar permanece o sonho da colocação de pontões destacados junto a Esmoriz, como acontece nalguns locais do Reino Unido, para travar o impacto das ondas na costa.

Ficha técnica

  • Jornalista – Pedro Miguel Costa
  • Repórter de Imagem – Odacir Júnior
  • Edição de Imagem – Rui Berton
  • Grafismo – Patrícia Reis
  • Produção Editorial – Diana Matias
  • Colorista – Jorge Carmo
  • Pós-produção áudio – Otaviano Rodrigues
  • Coordenação – Jorge Araújo
  • Direção – Marta Brito dos Reis e Ricardo Costa
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