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Costa entre Troia e Sines: a "nova Ibiza", os "novos Hamptons", a "Saint-tropez do Atlântico"

No primeiro de dois episódios, a Grande Reportagem SIC visita os estaleiros onde se constrói o futuro da costa azul, ouve promotores, habitantes e responsáveis políticos pela exploração do "Último Filão" do turismo nacional.

Costa entre Troia e Sines: a "nova Ibiza", os "novos Hamptons", a "Saint-tropez do Atlântico"
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Uma das maiores e mais desertas praias do mundo está a ceder à pressão turística e imobiliária. Chamam-lhe a "nova Ibiza", os "novos Hamptons", a "Saint-tropez do Atlântico". A costa azul, entre Troia e Sines, em Portugal, é aposta de investidores portugueses e estrangeiros que veem nos 62 quilómetros de areal quase virgem um tesouro a explorar.

Há cinco anos ainda se conseguia comprar uma casa térrea na Torre ou na Muda, na Comporta, por 50 ou 60 mil euros. Agora, Leonel Jacinto acrescentou mais um zero ao último número e é por 600 mil euros que tem à venda a antiga taberna-mercearia que os pais exploravam naquele lugar que não chega a ser aldeia.

"Não baixes mais isto do que está porque se baixares estás a perder dinheiro, os terrenos aqui estão muito caros", disse-lhe a vendedora da imobiliária, cansada de saber que há por aí estrangeiros e nacionais a pagar mais de quatro mil euros o metro quadrado para ter casa na "nova Ibiza", nos "novos Hamptons" ou na "Saint-tropez do Atlântico", que é como é conhecida a costa azul na imprensa internacional.

Os valores sobem à medida que nos aproximamos da praia. No centro do Carvalhal, a sete quilómetros da Muda, Georgete Gonçalves só venderá a sua habitação na artéria principal da vila, se lhe derem um milhão de euros. Diz que ia chegando a vias de facto com um promotor turístico mas "ao fim e ao cabo, já só me vinham dar 900 mil e eu por esse valor não vendo".

Por estes dois exemplos se vê a especulação imobiliária que vai pela costa alentejana entre Troia e Sines, fruto da exposição mediática, das visitas dos famosos como Madonna e George Clooney, e dos empreendimentos turísticos que, depois de falsos arranques, avançam em força no território.

Georgete Gonçalves não vende a casa onde vive por menos de 1 milhão de euros
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O Sistema de Informação Geográfica do Turismo de Portugal revela que, nos concelhos de Grândola e Alcácer do Sal, há 48 empreendimentos turísticos (7,072 camas). Os que aguardam aprovação somam 61 (9,086 camas), além dos cinco Projetos de Potencial Interesse Nacional, os famosos PIN, em acompanhamento e já concluídos (11, 204 camas).

Ao todo serão 35 mil camas, sem contar com as de Alojamento Local, em dois concelhos que, segundos dos dados preliminares do Censos 2021, perderam população na última década. Grândola e Alcácer do Sal totalizam 24,952 habitantes, uma perda de 6,7% dos residentes, no primeiro caso, e de 14,7%, no caso de Alcácer do Sal.

O decréscimo da população é causa direta na falta de mão de obra, de que todos os promotores turísticos ouvidos pela Grande Reportagem SIC se queixam. "Não estou só a falar de gente para construir. Estou a falar das pessoas que vão ter de se fixar aqui, ter filhos aqui e envelhecer aqui. Esse é o principal desafio", explica Luís Gamboa, diretor de operações da VIC Properties, o grupo do setor imobiliário que está a reerguer a Herdade do Pinheirinho, depois da insolvência da Pelicano, em 2017.

Da mesma escassez fala José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties que, só nos dois concelhos, será responsável por três empreendimentos: Comporta Dunas, Comporta Torre e Muda Reserve, este último onde Leonel Jacinto pretende vender a taberna por 600 mil euros.

É inevitável associar a carência de pedreiros, canalizadores, jardineiros e de todos os ofícios manuais do negócio da construção à franca hipótese da região se transformar numa nova Odemira: trabalho braçal imigrante e habitação mais que precária. Desta feita, ao invés de se empregarem os trabalhadores asiáticos nas estufas de hortícolas, o trabalho surge nos estaleiros. "Eu não quero que haja mais odemiras neste país, não acredito que alguém se sujeite a viver de forma menos digna", reage Ceia da Silva, o presidente da Comissão de Coordenação Regional de Desenvolvimento do Alentejo.

É um futuro que também o autarca de Grândola rejeita mas reconhece a dificuldade em encontrar força de trabalho e uma casa com renda acessível na cidade ou mesmo na serra de Grândola, ambas mais afastadas dos grandes investimentos turísticos.

António Figueira Mendes, o comunista reeleito para o terceiro mandato, só agora quer fazer a radiografia do número de empreendimentos e camas previstas para o seu concelho. "Do ponto de vista turístico estamos aqui a chegar a um limite para que isto possa ser sustentável".

O autarca comunista de Grândola diz que o concelho está a chegar ao limite do turismo sustentável
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A grande aposta de promotores como a VIC, a Vanguard do francês Claude Berda, José Cardoso Botelho e da minoritária Paula Amorim, e a norte-americana Discoveryland, que detém o Costa Terra, já em Melides, é transformar a costa azul num destino internacional do golfe.

O velhinho campo de Troia é, na opinião de Luís Gamboa, insuficiente para os praticantes da modalidade. "Um jogador de golfe quer alguma variedade, quer jogar hoje aqui, vai jogar amanhã no projeto ao lado".

A procura justificará os quatro novos campos de golfe, dois deles já terminados (Comporta Dunas e Pinheirinho) e outros dois em fase de execução (Comporta Torre e Costa Terra). Chegaram a estar projetados cinco mas um deles, do empreendimento que nascerá a sul de Soltroia e que pertence à herdeira do império espanhol Inditex, acabou por ser riscado do plano.

Os grandes empreendimentos são fruto de licenças antigas, datadas dos anos 90 e algumas ao abrigo da legislação do Projetos de Potencial Interesse Nacional, que simplificava procedimentos burocráticos e que foi acarinhada tanto pelos governos socialista de José Sócrates como o social-democrata de Pedro Passos Coelho.

Muitos promotores herdaram essas licenças e reduziram entretanto o número de camas mas os campos de golfe mantiveram-se e são a âncora do turismo para aí pensado. Todos eles foram sujeitos a avaliações de impacto ambiental que garantem que a alimentação dos relvados será feita através da reutilização das águas residuais mas a verdade é que falta muito para que haja casas suficientes para abastecer as ETARs e, por consequência, os campos de golfe.

Até que isso seja realidade, os campos serão regados com água subterrânea da bacia hidrográfica do Sado. "Durante 2 ou 3 anos vão estar assim", diz o autarca de Grândola depois de reconhecer que ainda não existem águas residuais para irrigar os relvados.

Haverá quatro novos campos de golfe entre Troia e Melides
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No primeiro de dois episódios, a Grande Reportagem SIC visita os estaleiros onde se constrói o futuro da costa azul, ouve promotores, habitantes e responsáveis políticos pela exploração do "Último Filão" do turismo nacional.

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