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Líbano, o governo somos nós (Episódio I)

Há seis meses a capital do Líbano foi atingida por uma brutal explosão que deixou 200 mortos, 6500 mil feridos e 300 mil desalojados. A 4 de Agosto de 2020, explodiram no Porto de Beirute, no coração da cidade, quase três mil toneladas de Nitrato de Amónio, que ali se encontravam armazenadas há 7 anos. O Primeiro-Ministro demissionário e três ex-ministros foram acusados de negligência pelo juiz que lidera as investigações. Num país marcado pela corrupção e por uma grave crise económica, os libaneses estão entregues à sorte. Perante a ausência do governo, é a sociedade civil que tem garantido a resposta de emergência e o apoio às vítimas.

Uma vista geral do porto de Beirute, após a explosão que ocorreu a 4 de agosto. [05-08-2020]
Uma vista geral do porto de Beirute, após a explosão que ocorreu a 4 de agosto. [05-08-2020]
Mohamed Azakir

Ella tem dois dois anos e não entende a ausência da mãe. "Eu disse-lhe que a Jessy estava com Deus, mas ela respondeu que quer que a mãe esteja aqui, com ela". No dia 4 de Agosto, à hora da explosão, Eli Daoud estava a passear de carro com a filha, longe do local do rebentamento, e ainda assim a viatura foi sacudida por ondas de choque. Eli apressou-se a ligar para o hospital de St. Georges onde a mulher era enfermeira na unidade de Geriatria. "Liguei várias vezes e ninguém atendeu. Comecei a ter um mau pressentimento, mas por outro lado pensei que nada de mal lhe podia acontecido porque o hospital é o sítio mais seguro onde se pode estar".

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Jessy Daoud foi uma das 20 vítimas mortais da explosão no Hospital de St. Georges, onde dezenas de pessoas ficaram feridas. "Ninguém nos ligou, a mim e à minha filha, para saber como é que estávamos e se precisávamos de apoio. O governo libanês não existe".

Gemma tem 6 anos e estava internada na unidade de pediatria oncológica. Assistiu à morte do pai no quarto onde ambos se encontravam. Gemma tinha iniciado os tratamentos de quimioterapia e o pai viajou de propósito da Nigéria onde se encontrava a trabalhar para apoiar a filha. Soha, a mãe de Gemma, foi obrigada a escolher entre a filha, que gritava em choque, e o marido gravemente ferido, que transportou em braços 9 andares, e que viria a morrer nessa noite.

"Richie, estou aqui, por favor não me abandones". O grito de socorro de Issam confirmou-lhe as suspeitas. Richie conduziu as equipas de socorro ao local onde o primo estava soterrado. Issam esteve 18h debaixo dos escombros. Diz que durante todo esse tempo sabia que o irmão estava morto. Sobreviveu à explosão, mas ficou preso a uma cadeira de rodas. A casa centenária de família, em cuja reconstrução investiu anos e todo o seu dinheiro, ficou reduzida a pó. Issam está a pagar sozinho duas cirurgias, um mês de internamento hospitalar e várias sessões semanais de fisioterapia.

Às 6h da tarde do dia 4 de Agosto de 2020, Aline estava a ter uma reunião com a equipa do Mayrig, o restaurante arménio que abriu há 5 anos, no bairro de Gemmayzeh, no centro da capital libanesa. Estavam a menos de 500 metros do Porto e a explosão atingiu-os com violência. Dos 10 empregados do Mayrig, um morreu e três ficaram incapacitados. O restaurante ficou destruído. Com o dinheiro que um grupo de amigos recolheu num crowdfunding, Aline pagou as hospitalizações, reconstruiu parcialmente o Mayrig, a sua casa e a dos empregados. "Sem essa ajuda não sei como teríamos feito. Só podemos contar uns com os outros, para o governo é como se não existíssemos".

No terreno, com as doações de vários países e dos libaneses na diáspora, um grupo de ONG substitui-se ao estado e está a reerguer o país. Os voluntários reconstroem casas, providenciam alojamento aos desalojados, distribuem comida e medicamentos. Há seis meses que o governo libanês é a sociedade civil.

FICHA TÉCNICA:


JORNALISTA - Susana André

REPÓRTER DE IMAGEM - Odacir Júnior

EDIÇÃO DE IMAGEM - Ricardo Tenreiro

GRAFISMO - Cláudia Ganhão

PRODUÇÃO EDITORIAL- Diana Matias

COLORISTA - Rui Branquinho

PÓS-PRODUÇÃO ÁUDIO - Octaviano Rodrigues

COORDENAÇÃO - Amélia Moura Ramos

DIREÇÃO - Marta Brito dos Reis/Ricardo Costa

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