Mundo

Desvendado o local que reúne provas da transição para uma nova época geológica: o Antropoceno

O Lago Crawford, no Canadá, é o local escolhido como o marcador primário do início de uma nova época geológica desencadeada pelo Homem, um passo essencial para um dia ser formalizado este novo marco.

Lago Crawford no Canadá, local que simboliza o início do Antropoceno.
Lago Crawford no Canadá, local que simboliza o início do Antropoceno.
anthropocene-curriculum.org

O local que melhor representa o início do Antropoceno foi hoje oficialmente anunciado ao fim de anos de investigação. Desde 2009 que os geólogos trabalham arduamente para reunir provas da transição para uma nova época geológica desencadeada pelo Homem, mas ainda não há um reconhecimento final sobre se o Antropoceno é uma unidade de tempo geológico e se essa fronteira geológica foi de facto ultrapassada.

Uma equipa internacional de investigadores escolheu o local que melhor representa os primórdios do que poderá ser uma nova época geológica, o Antropoceno e fez esta terça-feira o anúncio nesse local - o Lago Crawford, no Canadá.

O Grupo de Trabalho do Antropoceno propôs o Lago Crawford como uma Secção e Ponto de Estratotipo de Fronteira Global (Global Boundary Stratotype Section and Point - GSSP) para o Antropoceno. Um GSSP é um ponto de referência acordado internacionalmente para mostrar o início de um novo período geológico ou época em camadas de rocha que se acumularam ao longo dos tempos.

O advento de uma "época do Humano"

Há 15 anos foi proposto por alguns geólogos que houve uma transformação e que estamos a viver no Antropoceno – uma nova época geológica em que a atividade humana se tornou a influência dominante no clima e no meio ambiente do mundo.

Esta foi uma aventura científica lançada em 2002 por Paul Crutzen, Prémio Nobel de Química por ter identificado as fontes de destruição da camada de ozono, que foi o primeiro a propor o advento de uma "época do Humano" - não validada oficialmente pelas mais altas autoridades científicas.

Os 4,6 mil milhões de anos da História da Terra são divididos em:

  • eras geológicas
  • períodos geológicos
  • épocas geológicas
  • idades geológicas

Estamos atualmente na era Cenozóica, no período Quaternário, na época Holoceno, idade Megalaiano como mostra o quadro da Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS).

(Nota: o quadro está com termos em português do Brasil)

ICS

A primeira vez que se falou do termo Antropoceno

O termo Antropoceno foi assim pela primeira vez proposto em 2002 pelo prémio Nobel da Química Paul Crutzen.

Tem sido adotado por ambientalistas como palavra de ordem nos protestos contra a expansão do setor petrolífero e é visto por alguns conservadores como um pretexto para o que consideram serem políticas agressivas de asfixia económica para combater as alterações climáticas.

Para definir o início do Holoceno, os cientistas escolheram uma amostra retirada de uma calota de gelo, em 2003, do lençol de gelo do centro da Gronelândia, com as coordenadas 75,1 graus Norte/42,32 graus Oeste.

O pedaço de gelo está arquivado num armário frigorífico na Universidade de Copenhaga.

Dúvidas e polémicas sobre o início da nova época geológica

Foi a Comissão Internacional de Estratigrafia que encomendou ao Grupo de Trabalho do Antropoceno a tarefa de responder a três grandes questões:

  • Se, dentro de um milhão de anos, um grupo de extraterrestres vasculhasse as camadas de rochas e sedimentos da Terra, descobririam um vestígio humano suficientemente significativo para deduzir que foi claramente cruzada uma nova fronteira geológica?
  • Em caso afirmativo, quando e onde encontramos na Terra a prova mais clara desse facto?

À primeira pergunta, a resposta do grupo de trabalho é inequívoca: sim, os humanos tiraram o planeta do Holoceno, que começou há 11.700 anos após vários ciclos glaciais, para trazê-lo para um "novo mundo".

Os vestígios da atividade humana - microplásticos, poluentes químicos eternos, espécies invasoras, gases com efeito de estufa... - são encontrados em todos os lugares, desde o topo das montanhas até o fundo dos oceanos, e são inúmeras as consequências - alterações climáticas, poluição, perda de biodiversidade - a tal ponto que alteram o equilíbrio natural da Terra.

Para o grupo de trabalho, o ponto de inflexão situa-se meados do século XX, quando todos os indicadores da presença de influência humana nos sedimentos experimentaram um aumento vertiginoso denominado pelos cientistas como a “Grande Aceleração” - o período a partir de 1950.

Mas a questão está longe de ser consensual e é difícil saber se estes trabalhos serão validados oficialmente pelos membros da ICS e pelos responsáveis da União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS), organização com reputação de intransigente no que toca a alterações à Carta Cronoestratigráfica Internacional.

Há geólogos que acreditam que não estão preenchidos os critérios técnicos para qualificar o Antropoceno como uma nova época, ainda que reconheçam que ocorreu uma rutura no século passado.

A importância do registo geológico

Se não pode ser medido em rochas, sedimentos lacustres, calotas de gelo ou outras formações - os critérios usados para identificar eras, períodos e épocas - então não há alterações na linha do tempo geológico.

Mas são agora essas provas retiradas do Lago Crawford no Canadá e de 12 locais secundários que serão avaliadas pela Comissão Internacional de Estratigrafia para decidir se estamos ou não numa nova época geológica

“Os sedimentos encontrados no fundo do lago Crawford fornecem um excelente registo da recente mudança ambiental ao longo dos últimos milénios”, diz Simon Turner, secretário do Grupo de Trabalho do Antropoceno da UCL em comunicado.

“Mudanças sazonais na química da água e na ecologia criaram camadas anuais que podem ser provas de marcadores históricos da atividade humana. É essa capacidade de registar e armazenar com precisão essas informações como um arquivo geológico das mudanças ambientais globais históricas que tornam locais como o Lago Crawford tão importantes".

Testes de bombas nucleares deixaram uma "impressão digital de plutónio"

A equipe reuniu amostras de uma variedade de ambientes em todo o mundo, de recifes de corais a mantos de gelo, amostras essas que foram depois analisadas nos laboratórios GAU-Radioanalytical da Universidade de Southampton no Centro Nacional de Oceanografia em Southampton. Foi detetado um marcador chave da influência humana no meio ambiente – a presença de plutónio.

“A presença de plutónio dá-nos um forte indicador de quando a humanidade se tornou uma força tão dominante que poderia deixar uma ‘impressão digital’ global única no nosso planeta", afirma Andrew Cundy, Professor de Radioquímica Ambiental na Universidade de Southampton e membro do Grupo de Trabalho do Antropoceno,

“Na natureza, a presença de plutónio é rara, mas a partir da década de 1950, quando começaram os primeiros testes de bombas de hidrogénio, vemos um aumento sem precedentes e depois um pico nos níveis de plutónio em amostras por todo o mundo. A partir de meados da década de 1960 vemos então um declínio no plutónio, quando entrou em vigor o Tratado de Proibição de Testes Nucleares”.

Outros indicadores geológicos da atividade humana incluem altos níveis de cinzas de fábricas movidas a carvão, altas concentrações de metais pesados, como chumbo, e a presença de fibras e fragmentos de plástico, que coincidem com o início da "Grande Aceleração" e são testemunhas do impacto humano em alta resolução.

As provas retiradas deste locais serão agora apresentadas ao ICS, que decidirá no próximo ano se ratifica o Antropoceno como uma nova época geológica.

Últimas notícias
Mais Vistos
Mais Vistos do