Curiosidades da Ciência

Papel higiénico: uma fonte inesperada de químicos eternos

Os poluentes eternos são altamente nocivos para a saúde humana e para o ambiente e estão presentes em vários objetos do quotidiano, acabando por se infiltrar nos esgotos e solos.

Papel higiénico: uma fonte inesperada de químicos eternos

As águas residuais podem fornecer pistas sobre o estado de saúde e a existência de doenças infecciosas numa comunidade e até mesmo sobre o uso de drogas lícitas ou ilícitas. Mas investigar os esgotos fornece também informações sobre os poluentes eternos e nocivos para a saúde, como as substâncias perfluoroalquiladas (PFAS), que são libertadas para o meio ambiente. Uma equipa de cientistas descobriu uma fonte inesperada dessas substâncias nos sistemas de águas residuais – papel higiénico.

O papel higiénico representa uma fonte inesperada e “potencialmente significativa” de PFAS, os produtos químicos conhecidos como “poluentes eternos” e prejudiciais para a saúde, que se infiltram nas águas residuais e solos em todo o mundo, de acordo com um estudo publicado esta semana na revista Environmental Science & Technology Letters.

As substâncias perfluoroalquiladas (PFAS) são uma grande família de milhares de substâncias químicas sintéticas criadas a partir da década de 1940, amplamente utilizadas pelas suas características, nomeadamente pela resistência e durabilidade.

Presentes em muitos objetos do quotidiano (cosméticos, utensílios de cozinha antiaderentes, roupas impermeáveis, etc.), estes compostos têm sido associados a vários tipos de cancro, doenças cardiovasculares, problemas de fertilidade e distúrbios do desenvolvimento em crianças.

Nem o papel higiénico reciclado está isento de químicos nocivos

Entre novembro de 2021 e agosto de 2022, os investigadores reuniram milhares de rolos de papel higiénico vendidos na América do Norte, América Latina, África e Europa Ocidental e recolheram amostras de esgotos de estações de tratamento nos Estados Unidos.

Detetaram a presença de diPAP - compostos que podem transformar-se em PFAS mais estáveis, como o ácido perfluorooctanóico PFOA, potencialmente cancerígeno.

Essa descoberta de PFAS no papel higiénico pode ser explicada pelo facto de alguns fabricantes adicionarem substâncias químicas durante a transformação da madeira em pasta de papel, cujos vestígios persistem no produto final.

O papel higiénico reciclado também pode ser feito de fibras de materiais que contêm PFAS, diz o estudo.

Essas medições foram depois comparadas com dados de outros estudos de níveis de PFAS em águas residuais e uso per capita de papel higiénico em vários países.

O estudo conclui que o papel higiénico foi a fonte de cerca de 4% dos diPAPs detetados nos Estados Unidos e Canadá, 35% na Suécia e até 89% em França.

As diferenças entre os países, e particularmente na América do Norte, decorrem do facto de muitos outros produtos, como cosméticos, têxteis ou embalagens de alimentos, serem responsáveis ​​pela presença de PFAS nas águas residuais.

Os investigadores sublinham que "é essencial reduzir a presença destes químicos nas águas residuais, geralmente reutilizadas para irrigação”, o que leva a que seres humanos, e todo o ambiente sejam expostos aos PFAS.

Poluentes eternos: extremamente resistentes e tóxicos

Desenvolvidos na década de 1940, os PFAS (substâncias per- e polifluoroalquiladas) são substâncias químicas que são muito resistentes e se desintegram muito lentamente.

Tornam os produtos em que são utilizados antiaderentes e impermeáveis e encontram-se em embalagens de champôs, frigideiras anti-aderentes e produtos de maquilhagem, por exemplo. Ao longo do tempo, espalham-se pelo meio ambiente: água, solo, ar, águas subterrâneas, lagos e rios.

Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente:

“Os PFAS são utilizados numa grande variedade de produtos de consumo e aplicações industriais, devido às suas propriedades físico-químicas, uma vez que repelem o óleo e a água e são resistentes a temperaturas muito elevadas. Estas substâncias são usadas em revestimentos antiaderentes, nomeadamente para utensílios de cozinha, embalagens de papel para alimentos, cremes e cosméticos, têxteis para mobiliário e vestuário de exterior, tintas, fotografia, cromagem, entre outros.”

De acordo com alguns estudos, a exposição aos PFAS têm impactos na saúde: pode ter efeitos na fertilidade e o desenvolvimento fetal. Pode também levar a um aumento dos riscos de obesidade ou de certos cancros (próstata, rim e testículos) e ao aumento dos níveis de colesterol. A sua natureza quase indestrutível está ligada às longas ligações carbono-flúor que os compõem e que se encontram entre as mais fortes da química orgânica.

Os métodos atuais para decompor este tipo de poluentes requerem tratamentos poderosos, tais como a incineração a temperaturas muito elevadas ou a irradiação por ultrassons.

UE quer restringir uso de PFAS

A pedido de cinco países da UE (Dinamarca, Alemanha, Holanda, Noruega e Suécia) em meados de janeiro, a Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA) vai avaliar uma proposta para restringir ou até proibir PFAS

“Esta proposta histórica das cinco autoridades apoia as ambições da Estratégia de Produtos Químicos da UE e o plano de ação de Poluição Zero. Agora, os nossos comités científicos iniciarão a sua avaliação para formar uma opinião. Embora a avaliação de uma proposta tão ampla com milhares de substâncias e tantas utilizações seja desafiadora, estamos prontos", disse Peter van der Zandt, diretor de avaliação de riscos da ECHA.

Os comités de avaliação começaram a trabalhar ainda este mês de março. As conclusões serão depois enviadas à Comissão Europeia para uma tomada de decisão.

Nove locais em Portugal com maior concentração de poluentes eternos

Recentemente, um consórcio europeu de jornalistas identificou os locais na Europa onde existem as maiores concentrações destes químicos nocivos para a saúde

O projeto "Forever Polution Project" identificou de 17.000 locais contaminados por PFAS. Em Portugal, existem nove locais contaminados e Valada do Tejo foi identificado como o local em Portugal onde existe maior concentração de químicos nocivos para a saúde.

Depois da notícia da SIC sobre a presença de químicos eternos na Valada do Ribatejo, com base num estudo da “Forever Polution Project”, a EPAL veio garantir que água da Valada do Ribatejo tem qualidade para consumo.

Em comunicado e esclarecimento publicado no site, a Agência Portuguesa do Ambiente afirma que, análises feitas no rio Tejo em Pt. D. Amélia (e mais sete locais em outros sete rios) concluem que:

“Verifica-se que, embora positivos, os resultados não ultrapassaram a norma de qualidade ambiental-NQA (9,1 µg/kg em peso húmido), a saber, não apresentam perigosidade nesta matriz (…), pelo que se reitera a não toxicidade na matriz biota-peixes”.

A Associação Zero pede a intervenção das autoridades para monitorizar a situação.

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