Jornada Mundial da Juventude

Ser padre e ser jovem: três sacerdotes que descobriram a vocação aos 14 anos também vão à JMJ

Fábio e os gémeos Afonso e Pedro partilham um percurso desde os 14 anos. Estiveram juntos no Seminário, juntos foram ordenados e participam agora na sua segunda JMJ, a primeira como padres.

Os padres Pedro Sousa, Fábio Alexandre e Afonso Sousa (da esquerda para a direita) durante a ordenação presbiteral a 3 de julho de 2022, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa
Os padres Pedro Sousa, Fábio Alexandre e Afonso Sousa (da esquerda para a direita) durante a ordenação presbiteral a 3 de julho de 2022, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa
Patriarcado de Lisboa

Fábio Alexandre, Afonso e Pedro Sousa conhecem-se desde a adolescência. Cruzaram caminhos no Pré-Seminário, um espaço de acompanhamento espiritual para rapazes onde “se aprende a escutar e a seguir Deus”. Ali, foram desafiados a avançar para o Seminário. Com apenas 14 anos, disseram “sim” ao caminho até à batina, que nem sempre foi simples ou claro para todos.

Ainda tinham 24 anos – o que faz deles três dos padres mais jovens do País (senão os mais jovens) - quando lhes foi aberta a exceção, já que, normalmente, só aos 25 anos isso acontece, e foram ordenados juntos, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, a 3 de julho de 2022.

Agora, com 25 e apenas um ano de sacerdócio, preparam-se para participar na sua primeira Jornada Mundial da Juventude (JMJ) como padres, com a memória de peregrinos bem presente.

A JMJ de 2016, que teve lugar em Cracóvia, na Polónia, mostrou-lhes como, mesmo no meio de um temporal ou enfrentando a barreira linguística, todos ali estavam “para se encontrarem com um ‘avozinho’ de 80 e tal anos” porque Francisco “acolhe e escuta os jovens”. E também aí estiveram os três, juntos.

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Os gémeos que brincavam às missas e encontraram a mesma vocação

Qualquer semelhança entre Afonso e Pedro Sousa não é coincidência. Os irmãos gémeos, que a 2 de outubro completam 26 anos, partilham a vida desde, literalmente, o seu início. Muito jovens, descobriram também que tinham a mesma vocação. Ainda que a ritmos diferentes, as brincadeiras já o deixavam adivinhar.

“Brincávamos às missas. Quando vínhamos da nossa paróquia, depois de uma missa, dizíamos que queríamos imitar o padre”, partilha Afonso.

Pedro deu “o primeiro passo” e recorda como, desde tenra idade sempre teve a mesma resposta para a clássica pergunta: O que queres ser quando fores grande?

“Lembro-me de ter cinco anos e já aí respondia sempre que queria ser padre”, conta o mais novo dos gémeos, ainda que considerem a ordem de nascimento “aleatória” por ter sido cesariana, com a mão do médico a decidi-la.

Neste caso, Pedro foi o primeiro a seguir para o Pré-Seminário de onde, recorda Afonso, chegava “sempre sorridente a casa, numa verdadeira festa” e que acabou “contagiado por essa alegria imensa”. Aos 14, chegou o convite para “fazer o caminho de Deus” e, ainda que criados numa família católica, a primeira reação dos pais foi, para Pedro, “difícil” de contornar.

“Cheguei a casa e a resposta foi: ‘Não vais’. Porque era muito novo, os meus pais comparavam a situação com a da minha irmã mais velha [hoje com 28 anos, à qual se junta uma irmã mais nova, de 18], que ainda estava em casa, e não compreendiam como é que eu queria sair. Porque esta ida para o Seminário implicava mesmo sair de casa, íamos apenas um fim de semana por mês a casa”, descreve Pedro Sousa, que recebeu o crisma e a autorização dos pais – “depois de muito refletirem e rezarem” - no mesmo dia, em 2012.

Para Afonso, só passado um ano é que esse desafio, que a cada dia ganhava mais força e solidez, lhe pareceu totalmente claro. Tinha 15 anos, mas o irmão já lhe havia preparado o caminho.

“Disse logo aos meus pais que não havia opção porque já tinham deixado o Pedro ir”, comenta, entre risos.

Contar aos amigos e colegas foi uma tarefa mais fácil, ainda que com algumas lágrimas à mistura. Nunca sentiram preconceito, mas sim algum “deslumbramento da parte dos outros”.

“Sentíamos o orgulho dos outros por também haver gente da nossa idade que dava este passo para Jesus”, reflete Afonso, que apesar de ter entrado no Seminário um ano mais tarde, se pode reunir com o irmão. Também como padres nasceram juntos.

Pedro Sousa é agora o pároco responsável pelas paróquias de Fanhões, São Julião do Tojal e Santo Antão do Tojal, no concelho de Loures. O padre Afonso é coadjutor na paróquia do Parque das Nações, que fica paredes-meias com o recinto da JMJ no Parque Tejo.

O filho mais velho que queria ser piloto de Fórmula 1 e acabou padre

Agora, é o padre Fábio Alexandre, das paróquias de Alenquer, Ota e Abrigada. Já uniu quase duas dezenas de casais e celebrou outras três de batismos.

Mas já foi apenas Fábio, um menino nascido e criado em Alcobaça que sonhou ser “piloto de Fórmula 1 e depois médico”.

“Ser padre nunca foi um objetivo pessoal, mas é um bocadinho como o namoro. Quando começamos a namorar, não sabemos se é com aquela pessoa que vamos casar. E comigo foi assim, um caminho de namoro, de descoberta, com muitas questões e lutas interiores até perceber que era isto que Deus queria para mim”, conta à SIC Notícias.

Fábio quis seguir Deus, mas primeiro teve de enfrentar… a mãe.

“Recordo-me de que, aos 14 anos, quando contei em casa que queria ser padre foi a minha mãe que mais obstáculos colocou. Era catequista e acho que assim foi porque era a que estava mais ciente da mudança que iria acontecer”, recorda o padre, que tem um irmão mais novo, de 17 anos.

Já o pai “sempre foi mais tranquilo” com a vocação e desde logo disse: “Deixem o rapaz ir, não há problema”, lembra.

Superado o desafio em casa, assume que sentiu “alguma vergonha” perante os amigos e colegas de escola.

“Tive alguma vergonha face aos amigos, mas as coisas foram-se sabendo num meio tão pequeno como Alcobaça e depressa se soube da minha decisão de ser padre”, assume.

Agora, prepara-se para “um evento que mexe com as pessoas”, cansado, mas feliz por acompanhar os jovens da sua paróquia e ver entre eles “toda a alegria e esperança”.

“No Seminário, diziam-nos muito: ‘O Seminário ou forma, ou deforma, não deixa ninguém indiferente’. Acho que as JMJ também assim o são, ninguém fica indiferente”, remata o padre Fábio Alexandre, que só a 29 de dezembro completa os 26 anos.

Memórias de uma JMJ: a barreira da língua, a chuva e a alegria de encontrar “o avozinho”

Os três jovens padres que agora se preparam para a JMJ de Lisboa já foram jovens peregrinos à aventura. Em 2016, participaram na JMJ de Cracóvia, na Polónia, de onde guardam memórias, umas “caricatas”, outras de puro “deslumbramento”.

“O mais caricato que recordo foi a família de acolhimento que nos recebeu só falar polaco e russo. Ainda nos disseram que percebiam francês, mas afinal nem isso. Tivemos de comunicar por gestos”, partilha o padre Fábio Alexandre.

Milhares de jovens a pernoitar ao relento, “mesmo que com dificuldades logísticas”, e que lá estavam unidos pela mesma vontade “de estar com o Papa e rezar” impressionaram-no.

O grupo no qual o padre Fábio Alexandre seguiu para Cracóvia, na Polónia, que acolheu a JMJ em 2016
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Os padres Afonso e Pedro viveram a JMJ como uma festa, à qual nem as carruagens do metro escapavam.

“Guardo imagens da alegria de quem começa a cantar no meio do metro, pegavam em guitarras, não nos conhecíamos uns aos outros, mas nada disso interessava”, explica Afonso.

Pedro acrescenta que se cantava “com vigor, a carruagem até abanava”.

Os gémeos tiveram também de unir forças para garantir que a irmã mais velha e as amigas conseguiam jantar, pois não tinham conseguido os kits de refeição.

“Passámos um saco no nosso grupo para recolher o que sobrara de comida e metemo-nos no meio da multidão, porque elas estavam noutro grupo, e mesmo assim conseguimos encontrá-las e correu tudo bem”, conclui Pedro.

Além disso, para os dois irmãos parece que há uma tradição torrencial na JMJ.

“Quando saíamos do local onde decorreu a missa final começou a chover torrencialmente e não tínhamos nada para nos proteger. Tínhamos de apanhar o autocarro para não perdermos o avião e o grupo já estava meio dividido. Na altura foi uma aflição gigantesca, mas agora parece-nos que é quase uma tradição chover na JMJ”, destaca Afonso, que ainda guarda o chapéu que lhe foi oferecido por um peregrino italiano, com uma dedicatória.

Os irmãos lembram que “nem tudo correu bem” por terras polacas, mas nada disso interessou quando sentiram o silêncio da vigília ou ouviram milhares a entoar um dos hinos da JMJ – “Jesus Christ, You Are My Life” (“Jesus Cristo, És a Minha Vida").

Agora, deixam de ser jovens peregrinos para, enquanto padres, guiarem os outros até à JMJ de Lisboa.

O padre Fábio Alexandre acolhe nas suas paróquias 1200 jovens estrangeiros, e de lá vão ainda partir 50 peregrinos e 100 voluntários portugueses.

Já o padre Afonso Sousa recebe 2200 peregrinos vindos do México, além de 160 voluntários de vários países. Da sua paróquia, participam ainda cerca de 200 jovens e 170 voluntários portugueses.

Por fim, o padre Pedro Sousa conta com 1400 fiéis de várias partes do mundo, aos quais se juntam 30 jovens portugueses e mais de 100 voluntários.

Os irmãos gémeos terão ainda algumas missões durante as celebrações do Papa Francisco, como distribuir casulas (veste litúrgica que o sacerdote usa na missa) ou dar a comunhão aos bispos.

Os três esperam agora voltar a testemunhar, na capital portuguesa, a alegria que sentiram e viveram lado a lado com os milhares de jovens que acorreram a Cracóvia.

“Por vezes, penso: o que é que faz tantos jovens virem ao Parque Tejo para se encontrarem com um ‘avozinho’, uma pessoa de 80 e tal anos, que é o Papa. Como é possível haver tantos jovens, todos por Jesus. E sei que os jovens sentem que o Papa Francisco os acolhe e os escuta”, remata Afonso, sem segurar o sorriso.

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