Abusos na Igreja Católica

“O padre fazia-me perguntas porcas no confessionário”: os relatos chocantes das vítimas

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica decidiu partilhar alguns relatos das vítimas. Avisamos que são depoimentos chocantes, com detalhes perturbadores.

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A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica decidiu partilhar alguns relatos das vítimas. São histórias de mulheres e homens que dizem ter sido abusados por padres e outros membros da igreja.

Pedro tinha 10 anos quando foi estudar para um seminário

“O padre engraçou comigo. Ia à minha cama e apalpava-me. Perguntava-me se eu já tinha pecado. Vivi sempre sobressaltado, tinha medo porque era pecador e ia para o inferno. Mandava-me ir buscar rebuçados de cada vez que tivesse maus pensamentos.
Sempre que ia ao quarto buscar, ele apalpava-me e metia a língua toda”.

Desabafou com um colega, que foi contar ao reitor. Pedro acabou expulso. Mais tarde, foi parar a um outro seminário, este no litoral do país, onde terá conhecido o segundo abusador.

“Um dia fui com ele a casa de um benfeitor e durante a noite disse-me para dormir com ele. Acordava com o pénis dele entre as minhas pernas e todo sujo. Depois dizia que tinha de me ir confessar. Sentia muita culpa, atolado em pecado”.

Carlos, abusado numa visita de estudo

Pouco mais velho, Carlos [nome fictício] decidiu agora partilhar com a comissão a história com mais de 20 anos. Durante uma visita de estudo diz ter sido violado pelo professor de religião moral e católica. Ele e mais dois rapazes que dormiam no mesmo quarto.

“O meu amigo não aguentou. Chegou a meio da noite e vinha a chorar. Vinha a chorar, a chorar. Sentado na cama dele, no nosso quarto. Ele não disse nada e eu também não contei que já tinha sido vítima disso na noite anterior”.

“Perguntei-lhe se tinha medo e ele, a chorar, disse que sim. Eu disse para ele se deitar na minha cama. Mas ele demorou tanto tempo a parar de chorar e a adormecer. Estávamos ali, longe de casa dos pais, e não havia ninguém a quem contar. E só nos consolámos um ao outro”.

“E se isto acontecer com o meu filho? Filho da puta do padre”.

As perguntas que o padre fazia a Maria

Nem sempre a violência é física. Foi o caso de Maria [nome fictíctio]. Aos 12 anos sentiu-se abusada por um padre com com 45 anos.

“O padre fazia-me perguntas porcas no confessionário, obrigava as miúdas a falar de coisas porcas. Ele não tocava nas raparigas mas perguntava se nos masturbamos, se enfiamos o dedo, se pensamos em fazer amor. O mesmo acontecia com muitas moças dos escuteiros e da catequese”.

Contaram aos coordenadores, mas ficou tudo na mesma.

“Não aconteceu nada, nada foi feito. Os escuteiros foram expulsos e o padre ainda está lá. Está lá e ainda faz o mesmo. Eu fiquei com muita vergonha e pesadelos. Tenho muita vergonha ainda e acho que sou suja. Não consigo ter namorados porque tenho medo que me perguntem ou queiram fazer para me sentir porca”.

Luísa foi chamada de mentirosa

Luísa [nome fictício] também receava o momento de ir ao confessionário.

“As palavras suaves do padre, as festas na mão, na cara, nas costas e, a seguir, dentro das minhas cuecas. E sempre com palavras suaves. Senti-me mal, aquilo não era normal, era esquisito e desconfortável”.

“Comentei com uma das minhas colegas e, algum tempo depois, umas horas, a madre chamou-me ao quadro e diante da turma diz que eu sou uma mentirosa, pecadora e que devia ser castigada em público”.

“Manda-me ir à cozinha buscar uma colher de sopa de pimenta em pó. Fez-me engolir tudo de uma vez diante da turma inteira. Ainda sinto a sensação de quase morrer asfixiada com a pimenta na garganta, nariz, pulmões, olhos e ouvidos. Senti-me violentada pela segunda vez no mesmo dia”.

Matilde dá voz à história do irmão

Matilde [nome fictício] conta a história de quem já não está para a contar. Mas também nunca quis.

“Penso que o meu irmão nunca contou o que eu vi. Mas eu não posso ir deste mundo a carregar este segredo”.

O irmão era abusado na casa dos próprios pais pelo padre da aldeia.

“Eu estranhei. Uma vez fui espreitar , o meu irmão lá estava, coitadinho. Estava ele despido, sem calças e roupa de baixo, e o padre a por o sexo dele na boca. Nunca tal tinha visto na vida. Antes essas coisas não se viam”.

“O meu irmãozito, coitadito dele, o que ele sofreu... sei lá eu o que aquela alma pode ter sofrido. Estava ele agora no chão como um animal e ele por trás, o padre, a enfiar-se nele e ele aflito a chorar”.

Conta que o irmão nunca mais quis sequer ouvir falar da igreja. E que nem no funeral quis um padre.

As conclusões da comissão independente

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica divulgou esta segunda-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, as conclusões do trabalho realizado ao longo de 2022 e que resultou na recolha de centenas de testemunhos de vítimas. O documento foi entregue este domingo à Conferência Episcopal Portuguesa.

No primeiro relatório do género divulgado em Portugal, admite-se que terá havido “no mínimo” 4.415 vítimas de abusos sexuais na Igreja.

Veja aqui o relatório completo - “Dar Voz ao Silêncio”.

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