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De outsider a favorito: a revolução na Seleção Nacional desde 2016

A glória do Europeu 2016, simbolizada no pontapé do herói improvável de nome Éder, não se vai repetir este ano, mesmo que Berlim seja pintada pela festa vermelha e verde em julho, na final do Euro 2024. O estatuto mudou, as expectativas também. Portugal é outro.

Seleção Nacional
Seleção Nacional
DeFodi Images

“Já avisei a minha família de que só volto para casa no dia 11 de julho e que vou ser recebido em festa", profetizou, meses antes do Euro 2016, Fernando Santos, responsável por exorcizar os fantasmas de uma seleção ainda virgem nas grandes competições. Aquela eterna equipa, que tinha Cristiano Ronaldo no ápice, marca um antes e depois na história do futebol nacional.

O “engenheiro”, agora treinador do Besiktas, cumpriu a profecia, ganhou o que a seleção nunca ganhara e abriu caminho para uma mudança de mentalidade. Vencer, afinal, é possível. Mas em 2016 o triunfo era, no mínimo, improvável.

Os cânticos que na altura se ouviam são autoexplicativos: “pouco importa, pouco importa / se jogamos bem ou mal / queremos é levar a taça / para o nosso Portugal". Quem não se lembra desta? Os adeptos sabiam que o nível daquela equipa, que já tinha alguns talentos do mais alto nível, não era fantástico e que havia concorrência melhor.

Com drama e sofrimento à mistura, Portugal foi superando cada desafio, um mais tenso que o outro. Depois de três empates na fase de grupos - contra Islândia, Áustria e Hungria - a companhia de Ronaldo passou aos oitavos de final como um dos melhores terceiros classificados. Seguiu-se a Croácia, derrotada nos últimos minutos do prolongamento, com um golo de Ricardo Quaresma, e a Polónia, vencida nas grandes penalidades.

Fugiu ao guião o encontro mais tranquilo contra o País de Gales (2-0), nas meias-finais, o único triunfo lusitano dentro de 90 minutos na fase decisiva do Euro 2016. Fernando Santos, profundamente católico, que disse ao longo de toda a competição que a glória maior era possível, já tinha cumprido parte da promessa.

O título contra os anfitriões e favoritos franceses, no histórico 11 de julho, é inesquecível, quase poético. Desde a saída de Ronaldo, ainda na primeira parte, por lesão - juntando-se ao banco de suplentes como uma espécie de segundo treinador - até ao golo de Éder no prolongamento, passando pelas exibições milagrosas de Pepe e Rui Patrício. 2016 foi uma história improvável, um filme de drama com final feliz. Coisa de heróis.

Com um golo de Eder, Portugal vence a Seleção de França, por 1-0, e sagra-se campeão da Europa de futebol em 2016.
Reuters Staff

Novos nomes, mesma música

Mas os anos passaram. E aquela seleção considerada uma espécie de outsider de luxo começou a ganhar talento para sonhos maiores. A equipa dos veteranos Rui Patrício, Pepe, Ronaldo, Nani e Quaresma acolheu Rúben Dias, João Cancelo, Bernardo Silva, Bruno Fernandes, Rafael Leão e João Félix. Mais recentemente, viu nascer Diogo Costa, Nuno Mendes, António Silva, Vitinha e Gonçalo Ramos. Não cabem todos neste parágrafo. E a fábrica de talentos chamada formação continua a acenar aos de cima.

Com plantéis cada vez mais recheados, Portugal foi a dois Mundiais (2018 e 2022) e um Europeu (2020), até ganhou a primeira edição da Liga das Nações (2019), mas ficou aquém das expectativas nos grandes torneios. Soube a pouco, porque aquela música de 2016 ainda encaixava, muitas vezes, com a melodia tocada nos relvados.

Félix deixou pistas sobre o futuro

Deu-se assim uma mudança: Fernando Santos saiu, como o mais vencedor da história lusitana, e o espanhol Roberto Martínez, ex-selecionador da Bélgica, entrou.

“Queremos impor o nosso jogo em todas as partidas. Vamos atacar com mais gente, ser mais pressionante e controlar melhor o jogo”, disse João Félix antes da estreia do novo comandante, que, por sua vez, prometeu “futebol de ataque” e versatilidade, realçando que “a equipa tem capacidade para jogar em todos os estilos”.

Esse jogo, contra o Liechtenstein, foi a largada para uma corrida que a Seleção Nacional terminaria em tempo recorde. Em outubro, quando ainda faltavam três jornadas, o apuramento já estava no bolso. Mas a equipa continuou a acelerar, cruzando a meta com 10 vitórias em 10 jogos, algo completamente inédito na história do futebol português. Mais do que isso, as ideias de Félix e Martínez confirmaram-se ao longo do apuramento perfeito de Portugal.

Bruno Fernandes e Bernardo Silva
Radovan Stoklasa

Opções, opções e mais opções

Bernardo e Bruno, talvez as estrelas em melhor forma desta constelação, têm tido o protagonismo e rendimento que todos esperam ver. Ronaldo, que no Qatar conviveu com o banco de suplentes e chateou-se com Fernando Santos, está desde o início nos planos de Martínez - assinalou 10 golos na qualificação e chegou às 200 internacionalizações.

Sem romper com o passado, utilizando a mesma base de jogadores deixada por Fernando Santos, o espanhol cimentou as rotinas da equipa com uma tradicional linha de quatro defesas, mas nos primeiros jogos implementara um sistema de três centrais. Ronaldo sempre que pôde esteve no onze, mas Diogo Jota, Félix, Gonçalo Ramos e Rafael Leão foram testados na órbita do capitão. Cancelo jogou tanto na direita como na esquerda. António Silva e Gonçalo Inácio ganharam minutos importantes ao lado de Rúben Dias, na ausência de Pepe. Opções.

Portugal não tem um onze inicial fechado, dentro de um grupo, esse sim, quase fechado. Mas existem alternativas fiáveis, que têm dado resultado e segurança. No apuramento para o Europeu, a Seleção Nacional, além do pleno de vitórias, marcou 36 golos e sofreu apenas dois, ambos contra a Eslováquia (3-2) em outubro. Teve o melhor ataque e a melhor defesa entre todas as 53 equipas da qualificação europeia.

O grupo J, composto por Portugal, Eslováquia, Luxemburgo, Islândia, Bósnia e Liechtenstein, não representou grandes desafios para o conjunto liderado por Martínez. No entanto, a história diz-nos que esses adversários “pequenos” já tramaram muitas vezes a Seleção Nacional. Desta feita, nem chegaram a assustar.

“Somos um dos favoritos a vencer o Euro 2024”, reconheceu recentemente João Cancelo, em entrevista ao podcast “1 Para 1”. Em 2016, vencemos contra as probabilidades. Em 2024, estas estão do nosso lado. Na Alemanha, talvez apenas a França e a Inglaterra entrem com o mesmo estatuto. A história do Campeonato da Europa começa no dia 14 de junho; a nossa arranca a 18. Oxalá as duas terminem no mesmo dia e tenham final feliz, com ou sem profecia.

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