Da janela de casa, em Tripoli, no Norte do Líbano, Mohammed Sufian vê o mar que leva à Europa. O jovem libanês investiu no Mediterrâneo todas as esperanças de emigração. Na viagem, que não chegou ao destino, Mohammed viu morrer o filho de 2 anos.
Empurrados pela pobreza extrema, nos últimos meses, centenas de libaneses têm tentado, como Mohammed Sufian, a travessia do Mediterrâneo. Fogem de uma crise económica sem precedentes, agravada pela pandemia e pela explosão no porto de Beirute. Assim que conseguir juntar o dinheiro necessário, Mohammed garante que voltará a enfrentar o mar. "É mais digno morrer na travessia com a minha mulher e o meu filho do que ficar aqui a morrer mil vezes por dia".
No último ano, a lira libanesa desvalorizou 80% face ao dólar e os preços dispararam para valores que poucos podem pagar. O desemprego afecta 60% da população.
A política libanesa é um complexo puzzle étnico-religioso composto por 19 grupos religiosos que partilham o poder desde o fim da guerra civil. A corrupção é um problema endémico. Desde a Revolução de Outubro de 2019, que levou à rua milhares de pessoas, os libaneses já fizeram cair dois governos, mas a troca de cadeiras não trouxe mudanças. O país é agora gerido por um executivo onde o Hezbollah está em maioria – o oposto do que foi reivindicado nas ruas, onde se pedia um governo independente.
O grupo Xiita tem um braço armado que os Estados Unidos e a União Europeia consideram uma organização terrorista. A pretexto da ameaça israelita, o Hezbollah foi a única milícia que não entregou as armas no fim da guerra civil libanesa. Financiado pelo Irão, o grupo Xiita tem um poderio militar incomparavelmente superior ao do exército libanês. Criou um estado dentro do estado.
Em 2012, juntou-se ao Irão e à Rússia e foi combater ao lado de Bashar Al Assad na guerra da Síria. Um conflito por procuração onde já perderam a vida centenas de jovens libaneses.
Zofikar faria agora 25 anos. Morreu aos 18, em Ghouta, na Síria, a combater numa guerra que não era dele. Para a família, muçulmanos Xiitas do Sul do Líbano, Zofikar é um mártir, o maior motivo de orgulho que um pai e uma mãe podem ter.
"Quando soube da morte do meu filho fiquei devastada, fiquei desesperada e doente, mas depois ele começou a aparecer-me nos sonhos e a dizer que estava feliz no céu e por isso agora estou aliviada".
O papel das mães é fundamental na promoção da cultura dos mártires, vital ao Hezbollah para arregimentar combatentes. A propaganda do partido de Deus, como é conhecido no Líbano, faz-se através do canal de televisão do grupo Xiita e das redes sociais. O martírio representa a obediência a Deus e, alegadamente, conduz à vida eterna.
A família de Zofikar garante que, assim que tiver idade, o filho mais novo, que tem agora 8 anos, também irá combater na Síria.
Do Hezbollah, os pais recebem apoio económico, desde a morte do filho, e garantem que nunca lhes falta nada, nem medicamentos, que praticamente desapareceram das farmácias libanesas.
Veja também:
- Líbano: o Governo somos nós
- Líbano, o governo somos nós (Episódio I)
- Líbano: país por procuração
- Líbano, numa terra estranha
- Líbano, numa terra estranha. Mulheres migrantes são usadas como escravas (Episódio III)