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Carlos Robalo Cordeiro: o pneumologista “brilhante” que conquistou a Europa

Entrou na Faculdade de Medicina com o peso de ser filho do professor Robalo Cordeiro. Foi precisamente o pai que o inspirou a ser pneumologista e lhe transmitiu a “humanidade” como se relaciona com colegas, alunos e pacientes. Em 2019 fez história: tornou-se o primeiro português a ser eleito presidente da Sociedade Respiratória Europeia. Nessa altura, ainda não sabia que o seu mandato seria um dos mais desafiantes de sempre.

Carlos Robalo Cordeiro: o pneumologista “brilhante” que conquistou a Europa
Filipa Traqueia

É ainda noite quando Carlos Robalo Cordeiro chega ao Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC). De mochila às costas, sobe as escadas até ao segundo andar – algo que faz “sempre” – e segue em direção ao seu gabinete. Pelo caminho, cumprimenta as funcionárias que já começaram o seu trabalho. São 07:20, uma hora a tender já para o tarde na rotina do diretor de serviço de pneumologia, cargo que acumula com os de diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e de “past-president” da Sociedade Respiratória Europeia (ERS, na sigla inglesa).

Veste a bata e prepara-se para mais um dia “diversificado”, como lhe chama. Senta-se ao computador para ler e responder a e-mails e para distribuir os pacientes que deram entrada na urgência durante a noite – são as primeiras funções que faz quando chega ao hospital. No decorrer da manhã, várias pessoas batem à porta para falar com o diretor do serviço e resolver os mais diversos problemas – desde escalas, a autorizações para férias ou o simples pedido de uma assinatura num projeto de investigação. A meio da manhã faz uma pausa para uma das suas paixões: o café.

Pilhas de papéis “decoram” a secretária. No chão, está um quadro por pendurar que exibe um conjunto estranho de objetos – desde pequenos ossos, peões de jogo e alfinetes de dama. São objetos que ficaram presos nas vias respiratórias dos pacientes e que o médico guardou. Está também conjunto de molduras com distinções, agradecimentos e outros prémios que Carlos Robalo Cordeiro tem vindo a receber ao longo da sua carreira. Ainda não os pendurou porque não se quer gabar.

O dia é “sempre a mil e o horário planeado “ao minuto”: reuniões no hospital, reuniões na faculdade, videochamadas para a ERS, aulas à sexta-feira e consultas no privado. Fora as responsabilidades diárias, é muitas vezes convidado para eventos internacionais, o que o obriga a muitas deslocações ao estrangeiro. Não descura, contudo, o exercício físico, principalmente a corrida, que faz para manter a “estabilidade mental”. Mesmo quando tem de se ausentar de Portugal, leva “sempre” os ténis na mala.

“É muito difícil ter espaços livres para pensar e refletir. Às vezes falta-me um bocado isso”, confessa.


O filho mais novo que seguiu as pisadas do pai

Carlos Manuel da Silva Robalo Cordeiro nasceu a 20 de agosto de 1958, em Coimbra. É o mais novo dos três filhos de Maria de Lourdes e António José Robalo Cordeiro, um dos mais conceituados pneumologistas nas décadas de 60 a 80. Estudou no Colégio Menino Jesus, passou para o Liceu José Falcão e formou-se na FMUC.

Era bom aluno, embora fosse traquina”, lembra a mãe, atualmente com 93 anos. “Simpático, meigo, sempre foi o mais agitado dos três. Tem muito sentido de humor, preocupa-se muito com as pessoas e gosta muito da sua carreira – acho que até gosta demais.”

A irmã mais velha, Cristina, lembra Carlos como um miúdo “muito alegre, divertido, sempre a fazer disparates e a inventar coisas”. Destaca a curiosidade” e a “vivacidade que o irmão demonstrava, ainda em tenra idade. Os três irmãos costumavam brincar no terreno por trás da casa dos pais, partilhando “aventuras” inspiradas nos livros de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada.

“Sempre foi um miúdo muito aberto, muito generoso, muito capaz de partilhar, nada solitário. Isso tornou-se numa abertura e atenção ao outro. É uma característica que o acompanhou ao longo da vida”, sublinha Cristina.

Dos três irmãos, Carlos foi o único que seguiu a via da medicina. Quando era jovem dizia “que gostava de ser médico-futebolista”, lembra Maria de Lourdes. Deixou cair o sonho de jogar futebol e acabou por se dedicar exclusivamente à medicina, uma escolha que deixou a mãe “encantada”.

Gosto imenso de ter tido um filho que tivesse seguido a carreira do pai. É mais uma recordação boa do meu marido.”

A escolha, garante Carlos, foi completamente livre. “Não fui obrigado, nem coagido”, garante, admitindo que o percurso “brilhante” do pai lhe serviu de inspiração. “Via nele um bom exemplo. A genética pode ter sido importante, mas o ambiente também foi porque sempre me fascinava a entrega dele à sua atividade, a forma como as pessoas o respeitavam, a admiração que os doentes tinham por ele”, lembra.

Entrou na FMUC não só como caloiro, mas como o filho do professor Robalo Cordeiro. O apelido trazia um peso e uma expectativa a quem o rodeava: “Senti que muitas pessoas olhavam para mim, mas não era para mim, olhavam para o filho de alguém.

“Senti muito a pressão do nome. Mas nunca fui favorecido. O meu pai era uma pessoa muito rigorosa nesse aspeto, muito imparcial. Também nunca fui favorecido enquanto interno da especialidade no serviço que ele dirigia. Tudo o que os outros faziam, eu tinha de fazer e fazia com gosto.”

Fez a especialidade em pneumologia nos Hospitais da Universidade de Coimbra, precisamente no serviço que o pai criou. Carlos passou de interno a mentor, de médico a diretor de serviço e de aluno a diretor da faculdade. Criou a sua própria marca na pneumologia e a pressão do nome foi “naturalmente” passando.

Para Cristina, o percurso de Carlos pode ter sido “semelhante ao do pai” e “com igual brilhantismo”, mas foi feito “à sua maneira”. “Ele fez um percurso que, ao mesmo tempo, é diferente. Porque ele incutiu naquilo que fez as próprias diferenças, as próprias especialidades, qualidades e defeitos, como qualquer um”.

Francisca, filha mais velha de Carlos, acredita que o pneumologista teve “orgulho” no percurso traçado pelo pai e, por isso, “traçou um caminho similar, mas adaptado aos tempos”. “Há uma série de feitos que o meu pai alcançou que são iguais aos do meu avô. Acho que o meu pai teve um certo orgulho nisso – e bem”, afirma.

Tanto Carlos com Cristina destacam a “humanidade” com que o pai tratava os seus pacientes, a capacidade de trabalho e o “brilhantismo”.

“O meu pai era uma pessoa brilhante. E eu tenho a noção que não tenho esse brilhantismo, apesar de ter outras qualidades… Sou um tipo porreiro, um rapaz simpático, é assim que eu engano as pessoas”, diz, em jeito de piada, utilizando o sentido de humor que o caracteriza e que muitos lhe reconhecem.

São poucas as características que Carlos destaca da sua personalidade. Admite ter “uma grande capacidade de trabalho”, de “ouvir e criar consensos” e um “sentido de humor apurado”. “Julgo que tenho alguma capacidade de liderança, de mobilizar pessoas, não pela autoridade, mas pelo consenso e partilha de rumo”, acrescenta.

Confessa sofrer de “síndrome do impostor– uma experiência psicológica em que a pessoa se sente uma fraude em relação ao sucesso alcançado na sua área. “Eu preparo tudo ou quase tudo. As apresentações, as aulas, os trabalhos todos que tenho de fazer, a gestão de reuniões. Preparo o mais possível”, partilha o médico, repetindo não ter “o brilhantismo do pai, nem a eloquência da irmã.

“Se lhe fizer perguntas em que o Carlos tenha de se valorizar, ele não o vai fazer”, explica a mulher, Margarida Robalo Cordeiro. “Por mais que digam que está a fazer uma coisa bem, acha que isso é o natural. Somos mesmo assim…”

Os elogios ficam para quem o rodeia, principalmente ao nível da “inteligência” e do “humanismo” como principais características. Tiago Alfaro, pneumologista no CHUC, refere ainda o “positivismo avassaladorcom que o diretor gere o serviço.

“Tem um sentido de humanização, proximidade e facilidade na resolução dos problemas”, afirma ainda, sublinhando que se trata de “uma pessoa totalmente consensual”. O médico recorda que, no primeiro dia do internato, Carlos Robalo Cordeiro – na altura médico do serviço – lhe deu as boas-vindas com um abraço “entusiástico”, praticamente “sem o conhecer”.

Também Diogo Canhoto, interno de pneumologia, considera-o “uma pessoa extremamente positiva” e “muito aberta para qualquer aluno que possa ter interesse na matéria”. “O professor Carlos costuma mostrar o serviço aos internos e os projetos em curso. Na altura, até nos convidou para o jantar de Natal do serviço, quando ainda nem tínhamos entrado”, lembra.

As filhas de Carlos Robalo Cordeiro – Francisca e Mariana – destacam o “bom coração” do pai, assim como o “altruísmo” e o “sentido de humor requintado”. “É claro para toda a gente que o meu pai tem um sentido de humor incrível e único, bastante requintado, que está sempre à espera da primeira ocasião para poder mandar uma piada. Isso faz com que ele encare tudo na vida de uma forma muito alegre”, diz Mariana, filha mais nova.

Para Francisca, o pai é uma “pessoa extremamente singular” e “multifacetada”, é uma “pessoa extremamente culta” e com uma grande capacidade para “se adaptar a todas as circunstâncias”. Além da “dedicação máxima” ao seu trabalho, Carlos é incapaz de não atender um telefone, “seja à hora do jantar, seja à meia-noite”. “Pode vacilar um segundo se lhe pedirmos, mas atende”, lembra a filha mais velha, sublinhando o “altruísmo” do pai.

São várias as histórias que mostram o cuidado e atenção do médico pelos outros. Sejam as mensagens que enviou, todos os dias, a um colega que foi infetado com covid-19, ou a carta de condução que pagou à senhora que trabalha em casa do casal; seja a mensagem de condolências que enviou à cabeleira da mulher quando a irmã faleceu no seu serviço ou a fotografia que tirou, às 07:30, a uma funcionária do hospital junto ao cartaz assinado pelo Cristiano Ronaldo, exposto na parede do gabinete.

Nós vivemos em sociedade, dependemos uns dos outros”, explica Carlos Robalo Cordeiro. “Eu não teria chegado às posições onde cheguei se não tivesse tido o apoio, a proximidade e a ajuda de muita gente.”

Entre as virtudes, Margarida destaca um defeito do marido: “Ele nunca diz não, é um defeito que ele tem. Ao não o fazer, está a comprometer-se constantemente e tudo isso implica muito trabalho de preparação. Ele está em casa, mas não está em casa”, lamenta a mulher, referindo que mesmo quando está a descansar no sofá, o portátil está sempre ligado ao seu lado.


De Coimbra para a Europa e a pandemia de covid-19

Terminou a especialização em Pneumologia em 1992 com 19 valores e o doutoramento em 1996. Em 2006 assumiu o cargo de presidente do Colégio da Especialidade de Pneumologia da Ordem dos Médicos, onde cumpriu três anos. Candidatou-se à presidência da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) em 2010, tendo liderado a organização durante cinco anos.

“Ele dinamizou imenso a sociedade”, afirma Tiago Alfaro, atualmente vice-presidente da SPP. “O legado que ele deixou ainda se nota hoje. Muitas coisas que temos atualmente montadas, o que vemos e fazemos, nota-se que vem dos mandatos dele”, acrescenta.

Ao mesmo tempo que criava a sua carreira em Portugal, Carlos participou também nos grupos de investigação da ERS, ganhando notoriedade entre a liderança. Começou o percurso “mesmo pela base, participou nas assembleias científicas e nos grupos de investigação na área da patologia do interstício. Acabou por se tornar chair do grupo e mais tarde recebeu o convite para ser candidato a secretário-geral.

Foi o primeiro português a assumir este cargo e, anos mais tarde, voltou a fazer história ao ser eleito presidente – passando pelos vários cargos do ciclo presidencial de quatro ano. “O comité de nomeações propôs o meu nome, auscultou-me para saber se estava disponível e fui a votos com três outros candidatos. Fui à segunda volta e ganhei”, lembra Carlos.

A irmã Cristina recebeu a notícia da eleição “com enorme alegria e satisfação, mas sem surpresa”. “No percurso que o Carlos tem feito e na forma como evoluiu e construiu a sua carreira – sem ser um carreirista – parece-me o desfecho natural”, afirma. Também a mãe sublinhou ter sido uma “honra” ver o filho a assumir o mais alto cargo da ERS: “Ele merece, porque trabalha muito e é muito interessado nas coisas.”

A primeira coisa que Carlos Robalo Cordeiro faz quando entra ao serviço é responder a e-mails e distribuir pacientes da urgência
Filipa Traqueia

Mais que uma conquista pessoal, a eleição de Carlos Robalo Cordeiro foi também um marco na pneumologia portuguesa. Filipe Froes destaca o “orgulho” e a “satisfação” que a eleição representou para o país. Também Diogo Canhoto, interno na especialidade pneumologia do CHUC, sublinha o “privilégio” e “orgulho” de aprender com o professor Carlos.

“Por um lado, ficamos a sentir que é possível porque vemos o exemplo dele de perto. Por outro lado, incita-nos a seguir algumas características do professor Carlos, como ter interesse pela investigação e envolvermo-nos na sociedade europeia”, afirma o jovem.

O mandato de Carlos Robalo Cordeiro ficou marcado pela pandemia de covid-19. A ERS, como principal organização internacional de pneumologia, teve um papel importante na divulgação de informação sobre o vírus. “Logo em fevereiro organizamos uma reunião virtual com o indivíduo que tinha identificado o coronavírus em Wuhan. Começamos a organizar webinars, workshops, reuniões online para discutir em tempo real o que se estava a passar no norte de Itália e em Barcelona”, conta o atual “past-president”.

Ao mesmo tempo, em Portugal, Carlos Robalo Cordeiro tinha também decisões difíceis para tomar enquanto diretor do serviço de pneumologia (desde 2016) e da FMUC (desde 2019). Ainda em fevereiro, antes de haver qualquer caso de covid-19 em Portugal, o diretor fez parte da decisão de interromper o ensino clínico prático no CHUC para evitar a propagação do vírus.

“Eu fui muito criticado por ter tomado esta decisão da qual não estou nada arrependido”, afirma Carlos, explicando que havia estudantes a voltar de Itália – a zona com maior número de casos registados na altura – e que podiam trazer a doença para o hospital de Coimbra.

Dias depois, as Universidades de Coimbra e de Lisboa anunciavam também o ensino remoto e, como diretor, Carlos teve de “fazer todo o processo de ensino de raiz” e, mais tarde, desenvolver praticamente de raiz um sistema de “avaliação online”.

Carlos Robalo Cordeiro foi também um dos médicos que integrou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos que auxiliou o Governo e a Direção-Geral de Saúde na tomada de decisão. Filipe Froes, que coordenava a equipa, lembra que o pneumologista tem uma “grande capacidade” de “juntar e coordenar pessoas que tenham um objetivo comum”, colocando-se “sempre como parte da solução”. É um “aglutinador e um facilitador”, acrescenta.

Margarida lembra esta época como “esquizofrénica”. “O Carlos estava sistematicamente a trabalhar no hospital ou, quando estava em casa, ao telefone e no computador. Passava o dia a falar com o diretor clínico para mudar a estratégia do dia seguinte”, conta a mulher, lembrando o dia em que receberam uma chamada a meio da noite “para mudar o organograma do dia seguinte”.

O stress foi tão grande que, a 8 de dezembro de 2020, Carlos Robalo Cordeiro teve um princípio de enfarte. “Não chegou a enfartar mesmo, tive uma isquemia e tive de colocar um stent numa coronária que estava bastante obstruída pelo stress. Eu não tinha grandes fatores de risco, apenas a questão genética”, conta o médico.

Margarida lembra o dia em que o marido começou a sentir dores no peito. O casal estava a fazer desporto quando Carlos não conseguiu correr porque estava mal disposto. “Eu achei-o muito pálido, sempre a pôr a mão no peito e muito incomodado. Estava mal disposto e nem conseguiu correr”, lembra. Apesar do desconforto, o pneumologista não quis ir logo hospital, tendo só ido por imposição de Margarida. “Ele desafia a vida, não se cuida, se for preciso dorme duas ou três horas e está tudo bem”, remata.

“A minha mulher diz-me: ‘Tu tiveste uma notificação e não ligaste nenhuma.’ E é verdade! Eu estou numa vida desgraçada. Acho que vou mudar. 2024 vai ser um ano diferente. Não tenho dúvidas. Não é para ficar sem fazer nada, mas para organizar a minha vida”, afirma Carlos Robalo Cordeiro.

No dia a seguir à intervenção, ainda no hospital, o pneumologista entrou por videochamada numa reunião que estava agendada do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas, onde foi saudado pelos seus colegas.


O impacto na família e um futuro mais calmo

No computador portátil que tem sempre consigo, Carlos exibe uma fotografia das suas duas filhas – Francisca e Mariana. A imagem surge num ambiente de trabalho tão cheio com o seu dia a dia. “Ele é doido pelas filhas. Quando fala de uma delas eu vejo os olhos a lacrimejar. É um pai babadíssimo e as miúdas são impecáveis”, afirma a mulher.

Carlos e Margarida conheceram-se na faculdade. A história de amor começou numa noite da Queima das Fitas, quando Margarida tentou vender uns brindes – usados para angariar dinheiro para a pagar a viagem de finalistas – e Carlos lhe ofereceu um “valor irrisório”.

Fiquei possessa”, lembra a dermatologista, contando que, a partir desse dia, os dois se encontraram várias vezes. Casaram-se pouco tempo depois e tiveram duas filhas. Quando Francisca e Mariana eram mais novas, o ritmo de trabalho de Carlos e Margarida “não era tão exagerado como é agora”, conta a mulher. “Deu tempo para cuidar das nossas filhas, mas tivemos ajuda de uma senhora que trabalhava connosco. E o papel das avós foi fulcral também.

No meio do ritmo frenético com que leva a vida, o diretor da FMUC admite que a família “talvez seja o que fica mais prejudicado”. A mãe já chegou a dizer-lhe que vai ter de “marcar uma consulta para conseguir falar com ele”. “Eu vou almoçar sempre com eles à quarta-feira, mas muitas vezes almoço só com a minha nora porque ele não está. Ou vem a correr e almoça em 10 minutos”, conta Maria de Lourdes.

Apesar dos horários atarefados dos pais, as filhas nunca sentiram qualquer ausência. “Sempre senti a presença, tanto do meu pai como da minha mãe, na minha vida. O meu pai teve sempre especial atenção em ouvir-me no que são os meus sonhos e angústias da minha área profissional. Sinto que se precisar posso falar com o meu pai e ele me aconselha”, afirma Mariana que, como o pai, seguiu medicina e está atualmente a fazer o doutoramento.

Como amigo, Filipe Froes destaca que Carlos Robalo Cordeiro “é uma pessoa de família, é uma pessoa que necessita de estar em família, de ter o seu núcleo protetor, o seu castelo”.

É precisamente a pensar na família que Carlos Robalo Cordeiro quer começar a dizer “não” a alguns dos convites que vai recebendo. Contudo, terá ainda algumas funções para cumprir no curso deste novo ano: a remodelação da estratégia da ERS e o terceiro “e último” mandato como diretor da FMUC.

Apesar de poder ainda candidatar-se uma quarta vez, o pneumologista considera que “já chega”. “Já estou com mais de 20 anos de serviço público. É bastante desgastante, isto sai do corpo, como se costuma dizer”, afirma Carlos. No entanto, este é o mandato “que conta, visto que os anteriores ficaram condicionados pela pandemia.

Na Europa também já deixou a sua marca, principalmente ao nível da sustentabilidade. Enquanto presidente da ERS decidiu manter o congresso misto – presencial e online – para evitar deslocações desnecessárias e convidou ou altos funcionários da organização a ir de comboio (quando possível) em vez de avião. Além disso, recolheu fundos para ajudar duas organizações certificadas de proteção do ambiente.

Quando questionado sobre o futuro, o pneumologista recorre ao seu sentido de humor afiado: “Espera-me a reforma e a morte.” Mas, em poucos minutos, Carlos já tem alguns projetos que quer retomar: ler, escrever, pescar, refletir ou até tocar bateria…

“Há uns meses sentei-me numa bateria, numa festa de uns amigos. Não correu mal, mas também não correu bem. Fui gabado”, conta, lembrando que nos anos 70 chegou a atuar no Festival Pop 72, no estádio municipal de Coimbra, com a sua banda de rock Black Spiders.

No entanto, há já um novo desafio que lhe chama a atenção: “O cargo de reitor da Universidade de Coimbraé um cargo que me desperta sentimentos interessantes”, confessa Carlos. A candidatura – a confirmar-se – terá de ser bem refletida, até porque tanto o pai como a irmã já foram a votos, mas não conseguiram ganhar.

“Ser a terceira pessoa [da família] a candidatar-se poderia ser interessante para desatar o nó ou para confirmar que não vale a pena mais ninguém com este apelido candidatar-se”, diz, com um sorriso.

Margarida também não o quer “ver parado”, mas sim que “seja feliz”. “Acho que ele vai encontrar outra motivação e vai continuar a vida dele sempre com algum ritmo”, afirma a mulher, sublinhando que o pneumologista tem manifestado vontade de “escrever um livro” de poesia.

As filhas acreditam que Carlos pode vir a abrandar “minimamente” a sua atividade e ligação ao hospital e à ERS, mas pensam que o médico não irá parar. “Eu acho que ele vai investir noutros hobbies, que vai apostar no desporto e que vai escrever livros”, diz Mariana. Para Francisca, o pai irá continuar a participar em simpósios, mesas redondas e conferências internacionais. “Não o vejo parado totalmente. Se nem o enfarte o acalmou, não vai ser certamente a idade a fazê-lo”, remata a filha mais velha.

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