Opinião

Opinião de João Lopes

Spielberg contra a Netflix?

A Netflix fez tudo para que “Roma”, de Alfonso Cuarón, fosse premiado nos Óscares. Mas será que o filme tinha direito a ser nomeado? Steven Spielberg considera que não.

Spielberg contra a Netflix?

A Netflix parece ser uma obsessão de algum jornalismo contemporâneo. E também, convenhamos, dos consumidores que acreditam que a pluralidade do audiovisual só existe na sua plataforma de “streaming”...

O certo é que, para além dos sinais mais ou menos superficiais, por vezes anedóticos, deparamos com uma tensão que está a abalar toda a indústria cinematográfica, em especial nos EUA. A começar, entenda-se, pela própria Netflix que tem procurado um reconhecimento que lhe dê acesso à nobreza clássica de Hollywood.

Embora não haja dados oficiais seguros, vale a pena referir que a imprensa especializada (leia-se o artigo de David Bloom publicado pela revista “Forbes”, 27 Fev.) avalia em cerca de 25 milhões de dólares os gastos da Netflix para promover o filme “Roma”, de Alfonso Cuarón, visando a conquista do Óscar de melhor filme do ano (vitória falhada, como é sabido, embora “Roma” tenha sido premiado em três importantes categorias: realização, fotografia e filme estrangeiro).

Há poucos dias, Steven Spielberg abriu uma nova frente de discussão e potencial conflito. Assim, segundo o realizador de “Tubarão” (1975), “A Lista de Schindler” (1993) e “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), não faz sentido as produções Netflix entrarem na corrida dos Óscares. Porquê? Porque quando um determinado filme surge como formato televisivo... é um telefilme.

Entenda-se: o que Spielberg discute não são os méritos dos telefilmes (formato que ele próprio experimentou no início da sua carreira). O que está em jogo são as regras de acesso aos prémios da Academia de Hollywood. Há cerca de um ano, em declarações à ITV, ele tinha já resumido o seu ponto de vista, considerando que é um mecanismo perverso o facto de um produto desse género surgir meia dúzia de dias numa sala de Los Angeles apenas para poder ser nomeado para os Óscares. E lembrando: “Se for um bom espectáculo, merece um Emmy, mas não um Óscar.”

O assunto está longe de ser linear. Desde logo, porque a Netflix continua a suscitar muitas resistências nos mais diversos mercados: o ano passado, por exemplo, quando Cannes quis exibir algumas produções da Netflix (incluindo “Roma”), solicitando à plataforma que satisfizesse o interesse dos exibidores franceses, estreando os filmes no circuito comercial de França, a Netflix pura e simplesmente retirou-se do certame (“Roma” surgiria na programação de Veneza, onde ganhou o Leão de Ouro).

Além do mais, a profissão está dividida. Ana duVernay, realizadora de “Selma” (2014), sobre Martin Luther King, já veio declarar publicamente que discorda do ponto de vista de Spielberg. E, como é óbvio, Spielberg não pode ignorar que o novo filme do seu amigo Martin Scorsese (“The Irishman”, com Robert De Niro e Al Pacino), produzido pela Netflix, deverá ser objecto de um lançamento alargado nas salas no último trimestre de 2019.

Uma coisa é certa: Spielberg está mesmo empenhado em colocar o problema na próxima reunião do órgão dirigente da Academia (Board of Governors), eventualmente apresentando uma proposta de alteração das regras que, nos Óscares, estabelecem os critérios de nomeação dos filmes. Aconteça o que acontecer, a sua acção terá reflexos, não apenas no funcionamento da Netflix, mas no espaço global de todas as plataformas de “streaming”.

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