Saúde Mental

Cuidar da saúde mental é para todos? Com um SNS sem resposta, psicólogos desenvolvem projetos acessíveis

Ansiedade, stress e burnout. Casos destes têm sido cada vez mais diagnosticados, deixando, aos poucos, os tabus de lado. A ida ao psicólogo, seja no consultório ou a partir de um ecrã, já é uma escolha ao gosto de cada um. No entanto, o custo das consultas é um obstáculo para muitos e o Serviço Nacional de Saúde não consegue dar resposta às longas listas de espera. Como combater estas lacunas? A SIC Notícias entrevistou o Psicólogos.PT para perceber como é que projetos ainda em crescimento lutam pela saúde mental.

Cuidar da saúde mental é para todos? Com um SNS sem resposta, psicólogos desenvolvem projetos acessíveis
juanma hache

Acompanhamento psicológico online, ou frente a frente num consultório? Aos poucos, a saúde mental começa a ser desmitificada e a ida ao psicólogo torna-se cada vez mais recorrente. No entanto, o tempo de espera e os elevados preços continuam a bloquear a porta de entrada para o apoio que muitos precisam. Para tentar colmatar essas dificuldades, surgiu o Psicólogos.PT, um projeto em que os pacientes têm consultas online e o valor a pagar é de acordo com o que cada um pode dar dentro dos três escalões já definidos.

“A grande particularidade do Psicólogos.PT é que são os pacientes a escolher o valor que podem pagar pelas suas consultas, mediante os nossos três escalões: o 1.º de 35 euros, o 2.º de 45 euros e o 3.º de 55 euros”, explicou, à SIC Notícias, Mariana Santos, co-fundadora do Psicólogos.PT.

A promessa é que, independentemente do valor pago, tudo é igual: o atendimento, a dedicação, o tempo de espera e a duração da consulta. Não é preciso comprovar rendimentos e muito menos dar qualquer tipo de explicação pela escolha do escalão, porque “o grande objetivo é facilitar o acesso a cuidados de saúde mental para todas as pessoas”.

“O que se pretende é que quem possa pagar mais pelas suas consultas, o faça, e quem não tem essa possibilidade consiga na mesma usufruir de acompanhamento psicológico num valor mais baixo”, sublinhou a psicóloga clínica.

Dito assim, “há quem desconfie do serviço”, adiantou a psicóloga. Mas se à primeira vista, a co-fundadora pensava que ninguém iria aderir às consultas mais caras, “surpreendentemente” há pacientes em todos os escalões e, inclusive, há quem comece no mais barato e progrida para o mais caro, de livre e espontânea vontade. Porém, há também casos em que o contrário acontece.

“Quando realmente não há qualquer tipo de obrigação e as pessoas são orientadas para o caráter social, elas são bastante francas, verdadeiras e honestas. Neste sentido, o projeto tem resultado muito bem”, retratou.

Em Portugal, no estrangeiro, em português (e não só)

O Psicólogos.PT nasceu ainda no tempo em que co-fundadora estava emigrada em Madrid. A ideia não partiu de Mariana Santos, mas agarrou a oportunidade e criou o projeto de raiz. Inicialmente, as consultas eram exclusivamente para portugueses a residir noutros países, mas a procura passou a ser tão elevada, que também os que residem em Portugal entraram na lista de marcações.

Em pouco mais de dois anos, o projeto saiu do “berço”, já “anda” por 14 países e “fala” mais do que um idioma.

“Já recebemos um pedido de apoio de uma pessoa estrangeira que perguntou especificamente se fazemos consultas em inglês. Eu falei com as psicólogas que temos na equipa e houve uma que se mostrou disponível para fazer esse acompanhamento", disse, à SIC Notícias, a co-fundadora.

Desde março de 2022, já lá vão mais de 3 mil consultas, todas elas online, distribuídas por uma equipa que conta, atualmente, com 12 pessoas: 11 psicólogas e uma nutricionista.

Apesar deste projeto ser mais conhecido pelas consultas de psicologia clínica, há quem também recorra às de nutrição e à terapia de casal e familiar, todas com o regime por escalões. Brevemente, um psiquiatra também deverá juntar-se aos restantes profissionais, avançou, à SIC Notícias, a co-fundadora do Psicólogos.PT.

Desmitificar a saúde mental

“O burnout está a aparecer cada vez mais. Infelizmente, temos tido mais pacientes com essa sintomatologia. Também há muitas pessoas com problemas de ansiedade”, afirmou a psicóloga.

Quem mais procura o Psicólogos.PT tem entre os 20 e 37 anos e são, sobretudo, as mulheres. No entanto, os homens têm também revelado uma maior preocupação com a saúde mental, começando a preencher cada fez mais as fichas de paciente, contou Mariana Santos.

“Eu acho que ainda há muitos tabus, mas o que estou a notar, até pela faixa etária dos nossos pacientes, é que as pessoas mais jovens cada vez mais procuram cuidar da saúde mental”, começou por explicar a profissional, acrescentando ainda que, atualmente, na geração mais nova “já se começa a normalizar a ida ao psicólogo como uma ida ao ginásio".

Por outro lado, os mais difíceis de convencer são os mais velhos, porque “ainda que algumas adiram”, nota-se ainda "muita resistência”, sobretudo pelos “tais mitos, como, por exemplo, o acompanhamento psicológico é só para os malucos”.

Consultas online são (realmente) uma boa opção?

“Depende”, começa por explicar a psicóloga, “é uma coisa muito individual”. Se para uns “é importante sair do espaço físico em que estão habituados a estar”, por outro, há quem se sinta mais “confortável” para falar nos sítios que lhes sejam mais íntimos.

“Temos muito poucas desistências quando respondemos a quem nos pergunta se só atentemos online”, começou por dizer a co-fundadora do projeto. "Os feedbacks que os nossos pacientes nos dão é que poupam recursos, tempo e dinheiro nas deslocações”.

Mariana Santos destacou ainda mais um fator que, para os seus pacientes, é fundamental: “a consulta ser onde quiserem”.

“Nós temos pessoas que têm as consultas em casa, no jardim ao ar livre, ou em qualquer outro sítio onde se sintam bem".

A câmara é ligada nos dois lados – no psicólogo e no paciente – e a partir daí é criada a “maior proximidade possível” entre os dois.

“Eu costumo dizer aos meus pacientes que é como se estivéssemos sentados frente a frente. Apesar de não estarmos fisicamente, há um envolvimento na conversa e no ambiente que estabelecemos, [criando as condições para uma consulta] confortável, acolhedora e o mais confidencial possível”, destacou a profissional.

Saúde mental em Portugal e a falta de resposta do SNS

O Bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues, no início deste ano, dirigiu uma carta aberta ao Presidente da República, alertando para a falta de recursos na área da saúde mental nos centros de saúde do país e de apoio psicológico para crianças e jovens em casas de acolhimento. Para além disso, fez ainda questão de frisar que a maioria dos portugueses não tem acesso a serviços de psicologia privados ou do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

“A maioria das pessoas em Portugal não pode pagar 240 euros por mês em consultas mensais de psicologia, que seria o valor por mês a consultas semanais de 60 euros. (...) Temos dito que mais de 50% da população só poderá ter acesso aos serviços de psicologia através do Serviço Nacional de Saúde. E essa é uma via que não está a funcionar”, esclareceu na altura, ao Expresso, o Bastonário.

Enquanto o SNS não consegue dar resposta a todos os pedidos de consulta, a co-fundadora do Psicólogos.PT garante que ali o tempo de espera é bem mais reduzido.

“Todas as pessoas que nos procuram têm logo acesso a uma resposta rápida e uma marcação também o mais breve possível, porque pedir acompanhamento psicológico, pode, por vezes, não ser um processo fácil. Pode ser, até, um ato de coragem naquele momento”, realçou Mariana Santos, garantindo que o tempo máximo que um paciente do Psicólogos.PT pode esperar por uma consulta é uma semana.

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