Saúde Mental

"Pensava que ia morrer": a ansiedade é "uma emoção normal" até deixar de o ser

Vitalina percebe agora que as crises de ansiedade a acompanharam durante anos, mas só procurou ajuda quando chegou ao “limite”. “Só espero conseguir ajudar outros que sofrem como eu”, confessa.

"Pensava que ia morrer": a ansiedade é "uma emoção normal" até deixar de o ser
Malte Mueller

Vitalina Rocha celebra agora as suas “pequenas vitórias”, que para tantos nada mais são do que passos rotineiros. A mulher que, em tempos, não conseguia acabar de fazer as compras num supermercado sem sentir “tonturas e o coração a acelerar muito”, o que a obrigava a correr para casa e a isolar-se do mundo, dá todos os dias um novo passo contra a ansiedade.

“Comecei a ir à psicóloga em maio deste ano, depois de em abril ter tido um ataque de pânico tão grande que não conseguia parar de chorar, não me conseguia controlar. Uma amiga minha disse-me que tinha mesmo de procurar ajuda e finalmente segui esse conselho”, conta à SIC Notícias a empregada doméstica, de 43 anos, que recebeu então um diagnóstico: encontrava-se num estado depressivo e de ansiedade.

As crises de ansiedade acompanhavam Vitalina há anos, mas nem sempre conseguiu reconhecer os sinais ou que deveria procurar ajuda. Por isso, partilha a sua experiência.

“Só espero conseguir ajudar outros que sofrem como eu para que procurem ajuda médica o mais cedo possível e não adiem até chegarem ao limite”, sublinha.

Os episódios de ansiedade tornaram-se tão extremos que Vitalina teve “de deixar uma das casas onde trabalhava” e, muitas vezes, nem conseguia chegar ao emprego.

“Saía de casa já ansiosa, por vezes tinha de voltar para trás quando chegava à paragem. Não conseguia estar em transportes públicos. Sentia falta de ar, tinha diarreia, tremores, uma sensação de formigueiro nas mãos e não conseguia respirar”, partilha.

Tudo isto culminava num pensamento muito comum entre quem sofre de ansiedade: “Pensava que ia morrer, tinha medo de desmaiar em qualquer lugar”. E, como uma bola de neve, Vitalina deixou de conseguir fazer coisas tão simples para outros como “estar em centros comerciais, comprar uma peça de roupa numa loja, fazer as compras no supermercado”.

Desde que começou a ser seguida em consultas de psicologia - acompanhadas de “medicação em caso de SOS” - já consegue frequentar alguns espaços que antes evitava.

“Cada vez que consigo ficar mais tempo numa loja, num supermercado, cada vez que consigo acabar as minhas compras, sinto sempre que são pequenas vitórias”, afirma, brincando que agora sabe que não deve “ir com muita sede ao pote”.

“A ansiedade é uma emoção normal”

Para falar de ansiedade - cujas crises “estão normalmente associadas a sintomas típicos como as palpitações, o desconforto na zona do peito e a falta de ar”-, primeiro é preciso desconstruir uma espécie de mito.

“A ansiedade é uma emoção normal que qualquer um de nós pode sentir perante situações novas, desafios, mudanças”, explica a psicóloga Teresa Feijão.

A partir daqui, “é preciso saber diferenciar quando a ansiedade se torna mais forte, começa a aumentar de intensidade e de frequência, manifestando-se em situações em que não se justifica”.

“Às vezes, nem conseguem associar o motivo pelo qual está a acontecer essa crise e surge o desespero. Como sentem que não conseguem controlar a situação, o pensamento é ocupado pelo medo de morte iminente, começam a evitar situações que sabem que podem provocar essas crises de ansiedade, e aí sim, podemos considerar que estamos perante um transtorno de ansiedade”, esclarece a especialista.

O efeito bola de neve leva muitas vezes os ansiosos “ao isolamento, o que pode agravar a situação de desequilíbrio psicológico e requerer algum tipo de medicação SOS porque quando estas pessoas procuram ajuda já se encontram num estado de desespero limite”.

“Ainda há muito estigma sobre procurar apoio psicológico. Pensam que só o procura quem é fraco, quem é maluco, acham que ir ao psicólogo é só conversar e isso podem fazer com os amigos”, sublinha Teresa Feijão.

Vitalina já sentiu que “regredia”, mas mantém o foco

Vitalina foi “descobrindo” que se conseguia acalmar ao falar com a mãe, que vive em Cabo Verde, ao telemóvel, sempre que tinha uma crise de ansiedade na rua. Depois, percebeu que “as consultas de psicologia também ajudavam muito”.

“Tive de processar algumas coisas do meu passado, desde criança, compreender que não posso mudar as outras pessoas. Gosto de ajudar os outros, mas sei agora que tenho de cuidar de mim primeiro”, reconhece a empregada doméstica, que combate as crises também “com exercícios de respiração”.

Agora, também já sabe o que para si funciona: “Percebo que quando tenho uma crise, tenho de falar, não me posso isolar, que era o que fazia, porque isso é pior para mim”.

Ainda assim, depois de dois meses sem qualquer episódio, Vitalina foi confrontada “com duas crises seguidas”.

“Senti-me frustrada porque achei que estava a regredir, mas antes numa semana chegava a ter duas e três crises. Tenho de manter o foco”, conclui.

“Medos não trabalhados aumentam ao ponto de criarem fobias”

“A questão que a pessoa pode colocar é ‘a partir de que ponto me devo preocupar em pedir apoio psicológico?’ Quanto mais cedo for procurado, melhor. O problema é que muitos só o fazem em situações limite”, alerta Teresa Feijão.

A psicóloga acompanha casos em que “os medos não trabalhados aumentam ao ponto de serem criadas fobias, como a pessoa deixar de conseguir pegar no carro, por exemplo”.

“Analisamos o passado para tentarmos perceber até que ponto não houve ali algo que justifique a ansiedade presente. Nem sempre a primeira grande crise de ansiedade é uma coisa insuportável. As mais preocupantes surgem sem motivo aparente para a pessoa”, remata Teresa Feijão.

E surgem em qualquer idade, destaca a Ordem dos Psicólogos, que sublinha que um em cada seis portugueses sofre deste tipo de problema.

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