O arranque do mês de julho assinala, desde 1994, o Dia Internacional da Piada. Consta que foi criado por Wayne Reinagel, com a finalidade de promover os seus livros de anedotas. A data é simbólica, mas desafia-nos a refletir sobre o humor e o riso, porque também a Psicologia tem dedicado várias investigações ao tema.
Será que rir tem mesmo a capacidade de afastar, ou pelo menos atenuar, as insatisfações? Será que sabemos a importância de rir todos os dias? E os humoristas sabem de facto a importância que o seu trabalho tem na sociedade?
Numa entrevista ao Desafios da Mente, Ricardo Araújo Pereira explica que, tal como o canalizador ou o escritor, também o humorista tem um papel: o de fazer rir as pessoas. Admite, por isso, que, quando está em palco, procura sempre "um som extraordinariamente reconfortante, que é o som de uma gargalhada".
Ricardo Araújo Pereira garante ainda que leva o humor muito a sério e que sabe muito bem qual é o seu dever, afastando-se dos que teimam em ficar focados nas preocupações que "pertencem" à Miss Mundo.
Durante a conversa com a SIC Notícias, o humorista conta um momento em família que o ajuda a explicar o que é fazer humor. Confessa que aprendeu com a filha que "é ensinar os outros a ficarem contentes".
O humor é importante para lidar com as exigências da vida?
Ao permitir a autorregulação emocional em momentos de crise, o humor é uma estratégia importante para ajudar a manter a sanidade em circunstâncias de maior exigência.
E quando o humor ajuda a superar um momento menos bom, há quem faça questão de agradecer ao humorista. Ricardo Araújo Pereira diz que isso acontece e "chega a ser bastante comovente".
Quando rimos, libertamos tensão, existindo assim um efeito alívio, expressando e reduzindo, através das gargalhadas, emoções negativas como a raiva, a frustração, a tristeza e a dor. É uma forma socialmente aceitável de expressar as fragilidades humanas.
O humor, enquanto estímulo positivo, é também uma técnica de distração, permitindo que a pessoa se encontre, cognitivamente, ocupada com emoções positivas, sem espaço para se focar nos seus problemas, receios. Contribui também para que a identificação de elementos positivos ou menos negativos nas situações, assim como de potenciais significados, podendo facilitar a resiliência a situações negativas.
No livro de Viktor Frankl, neuropsiquiatra austríaco, que retrata as atrocidades vividas em campos de concentração, surge o humor como uma das “armas da alma na luta pela auto-preservação".
Já Ricardo Araújo Pereira lembra o exemplo dos velórios em que há sempre alguém que conta uma anedota. A razão, considera, é muito clara: permite aliviar várias tensões.
O lado relacional do humor
O humor aproxima-nos, tornando-nos socialmente mais atraentes. Particularmente no contexto de profissões de risco de esgotamento e sobrecarga, o humor promove a coesão social (por exemplo, piadas internas, maior interação), o bem-estar e a produtividade.
Através do humor, é expressa a ansiedade, os medos e os receios, ou seja, as fragilidades individuais que são reconhecidas pelos outros, facilitando um sentimento de partilha e identificação como “estamos todos no mesmo barco”.
É por isso que podemos falar num humor afiliativo, um humor que nos conecta aos outros, melhorando as relações através de brincadeiras divertidas e espirituosas. Talvez por isso se descreva o riso como contagiante.
Por exemplo, nos serviços de emergência é, frequentemente, utilizado o humor negro como forma de lidar com as exigências da atividade. Ou seja, como uma ferramenta de gestão emocional, quando confrontados com um evento traumático, ajudando a quebrar a tensão e a permitir que consigam focar-se nas tarefas.
Nestes cenários, o humor ajuda a normalizar as crises, transformando-as em ocorrências de rotina e, por sua vez, aumentando a sensação de confiança. Desta forma, impede que os profissionais de emergência médica estejam, sempre, em contacto com a desgraça e a tristeza.
Também na educação, a investigação aponta que o humor aumenta a eficácia do ensino/da capacidade de ensinar o outro, maximiza a aprendizagem, aumenta a capacidade de concentração e a afinidade entre os alunos e professores.
O humor e o riso fortalecem as relações tornando os estudantes mais aptos a ouvir e respeitar os professores, porque gostam deles/delas.
As pessoas gostam de pessoas que as façam rir. Isto não significa que o professor tenha de ser um comediante, mas se a diversão e o riso estiverem presentes na sala de aula e for encorajado o humor entre os alunos, as relações com as crianças e adolescentes serão beneficiadas.
Paralelamente, o divertimento e o riso são ferramentas valiosas para melhorar o trabalho de equipa. As empresas estão agora a contratar "Humor Task Forces", porque a diversão e o humor que são encorajados no local de trabalho estão a provar aumentar a produtividade das equipas.
Uma orientação para o humor
As pessoas que na sua maneira de ser revelam uma orientação para o humor tendem apresentar um conjunto de características, nomeadamente maior probabilidade de usar o humor como estratégia de enfrentar os problemas e uma maior expressão emocional; níveis reduzidos de solidão; maior interação social; maiores níveis de satisfação conjugal; em cargos de chefia, são vistos como eficazes e amáveis pelos respetivos colegas; níveis elevados de autoestima, otimismo e satisfação com a vida; níveis reduzidos de depressão e ansiedade.
As pessoas que tendem a usar o humor, não apenas em momentos ou circunstâncias especificas de crise, mas durante o seu quotidiano, tendem a ser mais resilientes e a apresentar níveis de saúde mental tendencialmente mais elevados.
Por sua vez, a inteligência verbal encontra-se positivamente relacionada com a compreensão do humor. Neste sentido, compreender piadas é uma tarefa complexa de processamento de informação, a qual exige inteligência e competências emocionais.
"Na comédia nós temos o ego e o corpo de borracha"
Num espetáculo de humor, público e humorista têm o mesmo objetivo: rir muito, mas é natural que as piadas não cheguem da mesma forma às dezenas ou centenas de pessoas que estão a assistir. Pode um texto humorístico ter efeitos negativos no estado psicológico e emocional de uma pessoa?
Ricardo Araújo Pereira acredita que a comédia não dói, porque temos o ego e o corpo de borracha. É por isso que deixamos as crianças ver um programa de televisão em que alguém engole uma barra de dinamite e explode ou cai por um precipício e fica espalmada.
Os benefícios do humor para a saúde
O riso origina mudanças fisiológicas como relaxamento dos músculos; um maior funcionamento respiratório e da circulação, que reduz os sintomas da ansiedade, como a tensão, tremores, taquicardia; um aumento das endorfinas que atenuam a dor e a redução do cortisol associado ao stresse, reduzindo assim a sintomatologia ansiosa.
Aliás, as mudanças fisiológicas que acompanham o riso podem ter um efeito inibidor das reações automáticas ao stress.
Quando nos rimos, é acentuada a atividade da noradrenalina, da dopamina, da serotonina e da endorfina no nosso cérebro. A libertação de endorfinas induzida pelo riso pode ajudar a reduzir os sintomas depressivos.
Apesar do humor não mudar o curso de uma doença, este pode ter um impacto positivo.
A investigação demonstra que o humor parece manter a esperança e reduzir o stresse em pacientes oncológicos e a sensação de controlo em pessoas com Vírus da Imunodeficiência Humana. É também sabido que o riso aumenta três vezes a imunoglobulina e duzentas vezes o interferão (proteína produzida pelas células que se encontram infetadas por um vírus, e que torna estas células resistentes a qualquer outra infeção vírica).
A história do palhaço Grimaldi
Os benefícios do humor também chegam ao humorista e ajudam-no a lidar com a tensão e as frustrações do dia a dia. Mesmo quando parece que o remédio não funciona tão bem em quem o fabrica, Ricardo Araújo Pereira admite que acaba por notar o efeito positivo em pequenas coisas do quotidiano.
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