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Há muito de Eriksson no campeão Sporting

Opinião de João Rosado. Rúben Amorim, a exemplo do que fez o inovador técnico do Benfica entre 1982 e 1984, não prescindiu de um gigante sueco e de um hercúleo dinamarquês.
Viktor Gyokeres nas comemorações do título
Viktor Gyokeres nas comemorações do título
ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Caiu o pano, ainda não caiu a máscara. Pelo menos, para já. O campeão anunciado de 2023/24 levantou-se do sofá e por enquanto Viktor Gyokeres continua de leão ao peito, apesar de ter avisado nas efusivas comemorações verdes que “no futebol tudo acontece muito depressa e o futuro é imprevisível”.

O artilheiro da Liga e claramente o jogador superdeterminante da prova nem sequer quis divulgar o enigma que encerra a forma peculiar de festejar os golos. Com a mesma astúcia com que ludibria defesas, médios-alas e guarda-redes, Viktor adiou a queda do tabu até à final da Taça de Portugal, a disputar-se no Jamor daqui a 19 dias.

Seja qual for o resultado do Sporting-FC Porto, é muito provável que 24 horas depois o goleador se atropele com Rúben Amorim no aeroporto e procure um avião que o leve para parte incerta, finalmente desprovido do segredo associado ao gesto que contagiou adeptos e um número significativo de companheiros de profissão.

O sueco, amarrado a uma cláusula de rescisão que chega aos 100 milhões de euros, não compete, assim, com o treinador, apenas na facilidade com que viaja num jato privado. Só o futuro o dirá, mas depois do que se passou no Marquês é de crer que à história leonina faltará critério para desempatar entre a “máscara” celebrizada pelo ex-Coventry e o mediático “Drop the Mic” protagonizado por Amorim quando falou aos milhares de sportinguistas em delírio com a derrota do Benfica no Minho.



O discurso do míster, na linha do que se esperava, não incluiu um agradecimento especial ao Famalicão e tão-pouco obedeceu à tática adotada em dezenas de intervenções nas conferências de Imprensa. Num espaço onde se sente na pele de leão em plena selva, Rúben revela-se bastante habilidoso na fuga às questões de melindre acentuado e que em alguns casos têm a ver com aspetos que suscitam uma comparação com a concorrência. Os media, ao longo de meses a fio, testemunharam alguém confessadamente “perdido”, testemunharam alguém sempre capaz de assumir as culpas e raras foram as vezes em que viram o lado provocador que ficou reservado para a megafesta de domingo à noite.

Jesus, lá vai ele

Ao relembrar que ouviu muita gente desconfiada da capacidade do clube em ganhar campeonatos fora do intervalo dos 18 anos e que inclusive uma das explicações para o título de 2020/21 assentaria num reforço chamado... Covid-19, o técnico da moda não conseguiu esconder a tremenda satisfação por ter desmentido tamanhas acusações e situou-se num plano próximo daquilo que mais facilmente identifica os Sérgios Conceições do mundo do futebol.

Se há particularidade que marcou o relacionamento de sete anos entre Pinto da Costa e o tricampeão nacional é aquela que diz respeito à facilidade com que

ambos partilharam a cultura de vencer de forma continuada “contra tudo e todos”. Qualquer provocação que chegasse ao Dragão por carta, jornais, sinais de fumo ou redes sociais era rapidamente transformada numa injeção de motivação que pelos vistos em Alvalade também teve direito a recriação.

Nem sequer o próprio Jorge Jesus escapou ao sorriso maroto do seu antigo jogador no Benfica quando este recentemente admitiu que lhe dava “um gozo especial” bater o recorde de pontuação de JJ, alcançado logo na primeira temporada pós-recrutamento de Bruno Carvalho. Como ainda faltam disputar duas jornadas, por muito ressacados que estejam os novos campeões e por muito tentador que seja o sol da Amoreira, não é de descartar que os 86 pontos de 2015/16 sejam com relativa facilidade pulverizados por Gyokeres e por outros mascarados de uma frente de ataque que exibe qualquer coisa como 92 golos, 27 deles só à conta do camisola 9 que tão dignamente tem honrado o número do eterno capitão Manuel Fernandes.

Na história, nunca o Sporting tinha tirado tanto proveito de um internacional nórdico, Peter Schmeichel à parte. A exploração a preceito do mercado sueco, essa então, parecia um exclusivo do outro lado da Segunda Circular, com a Luz a brilhar intensamente desde o início dos anos 80 graças a ligação estreita com o país que em março apadrinhou em Guimarães as primeiras experiências fora da caixa de Roberto Martínez.

Stromp, depois de Stromberg

Sob a presidência de Fernando Martins, para o Benfica tudo começou nesse âmbito com a contratação de Sven-Goran Eriksson, recrutado ao Gotemburgo em 1982. O revolucionário vencedor da Taça UEFA chegou a Lisboa com 35 anos e trouxe consigo o compatriota Glenn Stromberg, peça-chave num meio-campo aristocrata que reclamava um carregador de piano da estampa do médio que mais tarde se tornaria também uma referência da Atalanta.



Quando Frederico Varandas surpreendeu a nação futebolística e há quatro anos negociou com António Salvador uma transferência de 10 milhões de euros, também Amorim chegou a Alvalade com 35 anos para dar início a uma nova era. Este ano, mais maduro, o treinador fez questão de contratar o seu Stromberg, com o dinamarquês Morten Hjulmand a evidenciar uma influência extraordinária, merecedora de um prémio Stromp face à guarda dada a um sector que não podia ficar entregue à suavidade de Bragança, de Pote ou até mesmo de Morita.

Dir-se-ia que apenas as nacionalidades nórdicas estão “trocadas”. Na segunda época em Portugal, Eriksson pediu a aquisição do seu Gyokeres, o possante Michael Manniche, vindo diretamente da... Dinamarca e mais concretamente do FC Copenhaga. Tanto Stromberg como Manniche contribuíram sobremaneira para os dois títulos seguidos do respeitado “Sven”, à imagem do que Hjulmand e Gyokeres deram a Rúben no segundo campeonato.

Neste campo, pode dizer-se que há muito de Eriksson no Sporting campeão e para o paralelismo ser ainda mais curioso só faltará recriar o que o Benfica de 1982/83 fez na final da Taça de Portugal. As águias, em pleno... Estádio das Antas derrotaram o FC Porto por 1-0 e confirmaram os piores pesadelos para Pinto da Costa, que precisou de esperar pelo ingresso de Eriksson na Roma para festejar o primeiro título de campeão nacional na qualidade de presidente.

Face ao que aconteceu a 27 de abril no Dragão, Jorge Nuno já não tem motivos para se preocupar com o futuro de Amorim, está completamente a West (Ham) ou a Liverpool disso.

Frederico Varandas não consegue dizer o mesmo. Tem motivos para se preocupar. Não tanto com a saída do ex-Braga mas mais, muito mais, com o eventual regresso à capital. Pode voltar sem a máscara de Eriksson do novo milénio, meses ou anos depois de um primeiro ensaio.

“Vamos ver...”, foram as palavras de despedida de Rúben no Marquês, recuperando a frase em português suave celebrizada por um gentleman que não hesitou em largar os microfones da Suécia em 1982.

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