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Pinto da Costa tem um problema com o relógio

Opinião de João Rosado. Nas eleições do FC Porto, o timing foi um fator decisivo. E a maneira como tudo vai acabar está ainda na mão de Sérgio Conceição.
Pinto da Costa tem um problema com o relógio
MANUEL FERNANDO ARAÚJO/Lusa

Ainda não foi inventado mas devia haver um relógio só para isso. Para definir o timing. Tocava o alarme e já se sabia que estava na hora.

Como o futebol é momento, só nesse universo a lista de clientes seria inesgotável, garantiria um lucro fabuloso ao fabricante dos ponteiros mágicos.

Até porque é um hábito luxuoso oferecer relógios sempre que há uma crise no balneário, uma ocasião especial para celebrar, uma despedida para assinalar ou um pedido de desculpa para comprar.

Há 10 anos Cristiano Ronaldo, no plantel do Real Madrid, popularizava a moda, ainda hoje pontualmente (nem poderia ser de outra forma) seguida por nomes como Erling Haaland ou Anatoly Trubin.

Poucos profissionais no mundo beneficiarão de tantas condições para apreciar as vantagens de um tempo certo, reconheça-se. Um ponta de lança de elite é constantemente desafiado a comparecer no instante ideal para fazer golo. Um guarda-redes de topo tem de perceber a altura própria para sair, esboçar a defesa e inclusive vomitar a angústia quando o árbitro assinala penálti.

Mais habilitados do que eles só mesmo os presidentes e os treinadores, habituadíssimos a tomar decisões no dia a dia que mexem com a vida de muita gente. Isto em teoria, porque na prática não será bem assim, nem sempre a experiência acumulada é boa conselheira.

Pinto da Costa (PC) já ofereceu vários relógios e já foi agraciado com outros tantos, mas na hora H, quando precisava mais do que nunca de entender que a sua era presidencial tinha chegado ao fim, fingiu não escutar o tiquetaque da renúncia.

Não tem que ver com a idade, nem tem que ver com a inteligência. Acontece a qualquer um, sobretudo àqueles que têm uma incontável dedicação às causas. Rúben Amorim não quis perder o voo de há uma semana para Londres e só muito mais tarde percebeu que não deveria ter feito a viagem nesta fase do campeonato.

Em sentido contrário, Sérgio Conceição achou por direito próprio o timing da renovação de contrato e, apesar de se ter apressado a confessar que está na disposição de explicar ao milésimo de segundo as razões dessa descoberta, a verdade é que saiu da zona de conforto e fez uma cama onde não se pode agora deitar. O que em nada belisca a liberdade de expressão que desde a primeira hora lhe estava concedida.

De 1982 a 5000

O treinador do FC Porto tinha toda a legitimidade para se posicionar e para deixar clara a predileção pela lista A.

Em primeiro lugar, por obediência a uma coragem e a uma frontalidade características. Como nunca escondeu a amizade com o líder deposto e muito

menos a dívida de gratidão contraída há muitos anos e reforçada em 2017, o “novo Pedroto” marcou presença forte e natural no pré-27 de abril.

Sérgio, desde cedo, forneceu todos os sinais à massa associativa azul e branca. Do prolongado testemunho na conferência de Imprensa de antevisão ao jogo com o Antuérpia à ida ao Coliseu para selar com um beijo o apoio ao dirigente que está(va) no poder desde 1982, qualquer manifestação pública era inequívoca, ninguém precisava de fazer um curso para entender as movimentações nas entrelinhas.

Aqueles que ainda tivessem dúvidas sobre o sentido de voto do antigo jogador ficaram a partir desse domingo que marcou a apresentação da recandidatura de Pinto da Costa completamente esclarecidos.

Ao confirmar, a 24 horas das eleições, a renovação de contrato, o míster que orientou para a Invicta 10 troféus limitou-se a oficializar um posicionamento que estava longe de ser obscuro. Cada sócio portista que contribuiu para uma votação recorde soube no último sábado que iria votar entre André Villas-Boas (AVB) e a dupla formada por Pinto da Costa e Sérgio Conceição.

Em consideração por aquilo que é público, seria de uma redonda ingenuidade enquadrar o prolongamento do vínculo com o treinador noutro contexto que não aquele que traduz a derradeira e mais desesperada medida do “presidente de todos os presidentes” e de pouco mais de 5000 sócios.

Conceição aceitou ficar na fotografia, aceitou fazer parte desse último golpe eleitoral e, considerando o que aconteceu nos últimos meses, seria no mínimo surpreendente que aceitasse um eventual convite de Villas-Boas para prosseguir no comando da equipa.

De 33 a 19950

Caso tivesse optado por uma conduta diferente e igualmente respeitável, mantendo a equidistância perante os candidatos, sem tomar partido, assumindo-se apenas e só como um funcionário do clube, o técnico estaria desafogado e sem nenhuma espécie de compromisso moral que o impedisse de embarcar no projeto que está na cabeça do grande triunfador de sábado.

Isto, claro, partindo do princípio de que o próprio Luís André (para citar alguém...), em conjunto com Andoni Zubizarreta e Jorge Costa, não tem outros planos para aquela que outrora foi a sua cadeira de sonho.

O jovem presidente, quando essa mesma cadeira ainda não tinha arrefecido, indiciava aos mais atentos que estas coisas do timing recomendado para partir para outra já lhe provocavam um despertar suspeito. Na qualidade de treinador do Chelsea e de Dragão de Ouro e Treinador do Ano, em 2011 AVB ofereceu a PC um relógio exclusivo, que estava replicado no mercado em somente 33 unidades.

Graças a uma parceria com uma conhecida marca suíça, Villas-Boas tinha as suas iniciais gravadas nesse cronógrafo, posto no braço de Jorge Nuno numa segunda-feira 24.

A 24 de outubro de 2011, para alguns uma data muito distante de uma votação revolucionária, Pinto da Costa de certeza que não se impressionou com os 19.950€ do presente e nunca terá imaginado que quase 13 anos depois seria obrigado a fazer a passagem de testemunho tendo no mostrador apenas 19,5% dos votos.

Claro que o recordista de troféus à escala mundial, possuidor de uma coleção sem paralelo, consegue hoje resumir tudo a números. Tudo menos um acerto de ponteiros entre Sérgio Conceição e André Villas-Boas.

Se assistir a isso com os próprios olhos, Jorge Nuno pode ser o timing em pessoa. Incapaz de perdoar, incapaz de inventar um preço para a única derrota que lhe marcaria o pulso.

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