Um doutoramento pelo amor às crianças de Moçambique

Com uma bolsa da Fundação Gulbenkian, Valéria Chicamba, médica pediatra moçambicana, está a fazer o doutoramento em Portugal em Doenças Tropicais e Saúde Global, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Quando regressar ao seu país, quer aplicar e partilhar tudo o que aprendeu.

Médica Pediatra no Hospital Central de Maputo, responsável pelo Programa Nacional de Pediatria, tem participado em diversos estudos e artigos, entre os quais, “O impacto da Covid-19 nas crianças em Moçambique”.

Valéria Isabel Muando Chicamba nasceu, há 49 anos, em Chamanculo, um dos bairros periféricos de Maputo, mas cresceu na zona urbana, em Polana. É a quarta de oito filhos de um empregado bancário e de uma costureira que sempre a incentivaram a estudar. Para a mãe, “muito exigente com os resultados escolares” dos filhos, era a “garantia de uma vida melhor”, diz.

Valéria manifestou sempre “curiosidade e vontade de conhecer e explicar os fenómenos”, num ambiente em que “era muita a competição entre os irmãos” para conseguir as melhores notas.

Quando chegou a hora de se candidatar ao ensino superior, obteve classificações que lhe possibilitavam seguir tanto para Medicina, como para Informática. A sua escolha foi para Medicina, área em que “poderia ser mais útil aos outros, servir e participar na geração e manutenção da vida e alívio da dor”, conta.

Em 2006, veio para Portugal fazer a especialidade em pediatria, no Hospital Dona Estefânia. “Durante esta formação, tomei contacto com profissionais de elevada qualidade e competência técnica e grandiosidade humana que determinaram relações profissionais que duram até hoje”. Mesmo depois de ter regressado a Moçambique manteve o contacto com os seus colegas portugueses e, graças a protocolos entre os dois países, viajou regularmente para Lisboa, para se atualizar.

Ainda quando se encontrava a fazer a especialidade, decidiu entrar em contacto com a Fundação Calouste Gulbenkian, obtendo apoio para o curso de aperfeiçoamento em hemodiálise/diálise peritoneal pediátrica. “O papel da Gulbenkian na investigação e ciência é largamente conhecido no mundo inteiro e em Moçambique foram já vários estudantes que beneficiaram do seu apoio”, sublinha a médica pediatra.

Muitos planos para Moçambique

E foi precisamente interessada na área da investigação, que, mais tarde, Valéria decidiu candidatar-se a uma bolsa, “apoio financeiro que é muito importante, sobretudo quando o estudante não dispõe de recursos.” Sublinha, contudo, que o apoio da Fundação Gulbenkian “é mais do que um mero financiamento, pois acompanha e apoia o estudante em todo o processo de investigação, ajudando a superar outras questões de inserção e à margem de programas académicos.” Com uma bolsa para doutoramento até 2022, Valéria faz questão em afirmar: “A Gulbenkian não me financia, apoia-me.”

Em Portugal, a pediatra teve de enfrentar dificuldades, entre as quais, encontrar uma casa e regularizar os seus documentos. Mas fez vários amigos e “alguns já são mesmo a minha família portuguesa”, diz.

Para o futuro, terminado o doutoramento, tem muitos planos para desenvolver no seu país: “regressar a Moçambique e implementar tudo quanto aprendi. Como docente, partilhar experiências com os candidatos a médicos e, como profissional, organizar oficinas técnicas, sobretudo para os que estão a trabalhar nas unidades sanitárias fora dos centros urbanos.”

O seu amor ao conhecimento, leva-a a acrescentar: “E pensar num pós doutoramento…” Tudo pelas crianças moçambicanas.