Segundo o dicionário, esperança remete para uma disposição que induz a esperar que uma coisa se há-de realizar ou suceder. Remete igualmente para confiança e expectativa, sendo, inclusive, considerada uma das virtudes da espiritualidade. Mas, à luz da Psicologia, será apenas isso? Qual a sua relevância para a forma como enfrentamos as exigências da vida?
O que é a esperança?
A esperança é uma construção cognitiva sustentada pelo pensamento orientado para os objetivos e a crença nas próprias capacidades para atingir as metas pretendidas. Desta forma, ter esperança envolve a capacidade de identificar estratégias para atingir um determinado objetivo. Para isso a pessoa tem de assumir um papel ativo, ao longo de todo o percurso, e ter a noção das suas próprias competências.
Apesar de relacionada com outros conceitos, como a autoeficácia ou o otimismo, a esperança distingue-se, exatamente, pelo papel ativo da pessoa na identificação de estratégias e atividade para colocar o plano em prática. Não basta esperar que “fique tudo bem”, vulgo otimismo. Ter esperança exige delinear objetivos realistas e com significado pessoal e mantê-los invioláveis, apesar dos constrangimentos impostos pela realidade.
A esperança remete para exclamações como “eu tenho um plano acerca da forma como vou atingir este objetivo” ou “eu estou motivado e confiante acerca da minha capacidade para usar este plano e atingir o meu objetivo”. Está intimamente ligada à procura de significado e ao sentido da vida.
O desafio é manter a esperança, pois enquanto constructo mental, tem uma natureza dinâmica e sofre mutações ao longo do tempo. Estamos assim perante um processo contínuo que influencia o bem-estar físico e emocional.
A esperança é importante para a nossa saúde física e mental?
Enquanto conceito psicológico, a esperança ativa o sistema motivacional e facilita que a resposta ao sofrimento envolva persistência e esforços ativos para gerir a dor. Por oposição, a desesperança, enquanto manifestação depressiva, funciona como um inibidor do sistema motivacional e remete para a sensação de desespero e consequente cessação de todos os esforços para alterar uma condição que é ameaçadora, aceitando-se a situação temida como inevitável.
A esperança é considerada um índice da capacidade de adaptação a uma doença e algumas investigações referem a existência de uma relação de proximidade entre este conceito e a resiliência, definida, em traços gerais, como a resposta positiva ao risco, à perda e à adversidade.
No que respeita à saúde física, a esperança pode reduzir o risco de mortalidade associado a doenças cardíacas, assim como atenuar a velocidade de progressão das doenças, uma vez que a esperança se encontra associada a uma maior adesão a práticas de saúde positivas.
No domínio emocional, algumas investigações identificam a esperança como um indicador de saúde mental, visto que pessoas com níveis mais elevados de esperança tendem a apresentar uma maior autoestima e um maior sentimento de bem-estar.
A esperança facilita a gestão da sintomatologia associada a perturbações, como a ansiedade ou a depressão. Estudos indicam também que facilita a gestão de perdas e processos de luto. É igualmente fundamental para a construção de uma identidade positiva e manutenção da sensação de valor pessoal, funcionando como uma fonte de motivação. Por exemplo, níveis elevados de esperança servem como um amortecedor para as mulheres que vivenciavam elevados níveis de stresse, enquanto cuidadoras de crianças com doenças crónicas. Outro exemplo é o impacto da esperança na capacidade de pessoas em contextos paliativos não entrarem em desespero, o que reforça a dimensão espiritual da esperança.
Inclusivamente, a esperança é considerada um elemento fundamental para o desenvolvimento positivo da intervenção psicoterapêutica, dada a maior disponibilidade emocional, assim como ao nível da intervenção com doenças físicas, no sentido do comprometimento com o tratamento recomendado.
Na obra de Viktor Frankl, Searching for Meaning, a sobrevivência dos prisioneiros dos campos de concentração era facilitada pela esperança e esforços implementados para alcançar o objetivo de sobreviver.
A esperança é importante para se enfrentar a COVID-19 e projetar 2021?
A avaliar pelas investigações que reconhecem o papel positivo da esperança, ao nível da saúde física e mental, é também de admitir que seja uma variável que marcará a diferença na forma como cada pessoa pode lidar e enfrentar a COVID-19, assim como planear o novo ano.
Vejamos que a esperança é reconhecida como uma ferramenta crucial para colmatar o sofrimento e desespero associado a doenças. Os sentimentos de bem-estar potenciados pela esperança podem funcionar como um importante mediador do processo de cura e/ou recuperação.
No que diz respeito à superação da dor, as pessoas com níveis elevados de esperança são mais eficazes na gestão de stressores psicológicos e físicos e, por isso, tendem a apresentar uma maior capacidade de gestão da dor física.
A tendência destas pessoas a focar a atenção nos objetivos e na sua capacidade para os atingir, secundarizando os estímulos não desejados ou negativos, facilita a gestão da dor. Pessoas com níveis reduzidos de esperança podem distrair-se, com maior facilidade, em pensamentos auto-depreciativos como “eu nunca vou conseguir” ou “isto está pior do que nunca e não vai mudar”.
Pelo contrário, quando existem níveis elevados de esperança, os pensamentos tendem a ser positivos, os eventos de stresse tendem a ser percecionados como desafios a ultrapassar, em detrimento de aceitar um papel passivo e “esperar para ver o que acontece”.
Mesmo ao nível da cura, os estudos indicam que a esperança é fundamental para que a pessoa tenha um papel ativo no seu processo de recuperação. Tome-se como exemplo uma pessoa que se encontra a recuperar a capacidade de caminhar, após um acidente. A esperança é imprescindível para um envolvimento total e ativo num processo de recuperação exigente a nível físico e, não raras vezes, psicológico, devido às dores e/ou ao medo de falhar.
Mesmo no caso de doenças crónicas, em que alcançar a cura não é possível, a esperança promove o bem-estar e a intensidade dos fatores protetores que impedem o avançar da doença, dado que, por exemplo, o sistema imunitário pode ser reforçado. Por oposição, emoções negativas, como a desesperança, inibe processos fisiológicos associados à recuperação e que podem levar ao desenvolvimento de doenças e a um maior risco de mortalidade.
Assim se percebe a razão pela qual os serviços de saúde têm o dever de providenciar uma atmosfera de esperança e otimismo, em que os profissionais de saúde, com destaque para os psicólogos especialistas em psicologia clínica e da saúde, desempenham o papel de facilitadores da esperança, quando os pacientes são incapazes de a alcançar sozinhos, ou quando os demais profissionais clínicos estão num estado de exaustão, de burnout que importa ser intervencionado.